Turista E Vagabundos de Bauman: O Papel Social De Álvaro Garnero

De repente, ao ligar a televisão, vemos que está passando um programa onde um playboy qualquer da elite brasileira (ou de qualquer outro país, caso o programa seja estrangeiro) viaja sem parar por um pedaço do mundo. Conhece as melhores baladas da Europa, os pontos turísticos da China, almoça em Tokyo e passa uns dias na Malásia.

Encontra amigos em cada país e se hospeda em hotéis de luxo que representam a cultura local, mas sempre evidenciando que a funcionalidade do hotel é feita para sujeitos globalizados. Você tem um café da manhã tipicamente cambojano, num quarto com TV por satélite e ar condicionado.

Álvaro Garnero

O Turista

É aí que vem a noção do Turista da pós-modernidade. O turista é aquele que não tem localidade fixa e, para ele, os espaços não existem. Almoça em Londres e janta em Madrid. Passa uns dias em Paris e uns dias em Maceió. Sua vida é estruturada de forma que todo lugar é lar, isso porque ‘todo lugar’ significa ‘todo lugar globalizado’.

Todo lugar é seu lugar, o turista não está preso em lugar nenhum, o espaço já não existe como distância e sua mobilidade fluida e extrema é possibilitada por sua condição cultural e material.

É interessante dizer que a cultura global, impulsionadora da mobilidade e da fluidez, não é só imposta aos turista, mas a todos que dela participam – ou que são expostos.

O Vagabundo

Isso significa que há uma parcela exposta aos imperativos da globalização, mas que não conseguem efetivamente os botarem em prática. São aqueles que saem de casa e viajam sem destino por lugares nada luxuosos, são aqueles que sentem que a única forma de viver é se movendo, mas que não tem o dinheiro necessário para se mover como os turistas se movem. Esses são jovens de subúrbio, de classe média baixa, mas com acesso integral aos símbolos da globalização e ao sistema simbólico dos bens de consumo da dita cultura global.

Eles são os Vagabundos, o alter ego dos turistas. São aquilo que os turistas podem se tornar. Eles são a incerteza do turista e só existem em oposição e complementaridade aos turistas. Sem um, o outro não poderia ser o que é. Sem a miséria do vagabundo, a vida do turista não seria tão excitante. Sem a pobreza do vagabundo, não haveria a riqueza do turista, que tem como ganha-pão a especulação em empresas que os vagabundos trabalham em regime temporário por diversas vezes.

Os Alvaro Garnero’s da vida são a popularização deste estilo de vida glamouroso. É a popularização deste referencial. É a vida legítima. É aquilo que quem aproveita a vida, faz. Mas não só isso. É aquilo que deve ser feito para se aproveitar a vida. O vagabundo, assim como o turista, são construídos com esta injunção pela anulação dos espaços, mas, enquanto o turista tem o mundo como seu lar, e por isso viaja, o vagabundo viaja para fugir de uma realidade inóspita.

Exclusão Sistêmica Dos Marginais

O turista tem um referencial global: o mundo é seu lugar (e realmente pode ser, ele pode viajar para o mundo); o vagabundo tem um referencial local: sua busca é a fuga do local, que, por sua vez, é sufocante.

Entretanto, enquanto o vagabundo vê no turista um ideal de vida, o turista vê no vagabundo uma possibilidade de decadência. E por isso o vagabundo é coagido sempre a permanecer imóvel: a mobilidade do vagabundo é sempre criticada, seja na “popularização das viagens de avião” ou nas dificuldades concretas de conseguir um visto; seja no movimento de deslegitimação de sua mobilidade pela falta de cultura global ou na deslegitimação da cultura já apreendida, que é considerada um reles imitação.

Esta descrição da oposição turista x vagabundo, que acontece na fração globalizada do mundo, é muito bem pontuada por Bauman. E é muito bem, também, pontuar que nem todos participam destas duas categorias. As margens excluídas, os favelados, os mendigos, a pária humana, todas essas frações sistematicamente rejeitadas da vivência não fazem parte disso. São lixo, são o pedaço esquecido da globalização. E exatamente por isso, devemos sempre lembrar.

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