“Sem violência!!!”: Comentários sobre a violência na manifestação em SP

O grito pacifista nas manifestações em SP teve um sabor interessante. Vale dizer, gritar “sem violência” foi quase como um hino universal, do início ao fim da manifestação. Todos gritavam com toda a força para que não houvesse violência, mas eu acredito que esse grito é muito mais funcional que sincero.

Primeira parte: a manifestação da esquerda

Enquanto a manifestação era de caráter de esquerda, os gritos “sem violência” eram gritos contra a violência da polícia. Eram gritos para proteger o a manifestação da repressão policial – eram gritos direcionados por manifestantes sem armas à policiais bem armados. Entretanto, enquanto gritávamos sem violência, depredávamos todas as agências bancárias que passavam em nossa frente, além de picharmos e depredarmos vários ônibus largados no trajeto da manifestação.

Mesmo com a possibilidade de cuspir no meu lanche, eu digo, nossos gritos de “sem violência” também eram funcionais e não eram nada sinceros. O que a manifestação ainda da esquerda tentava, mesmo que inconscientemente, era deter a legitimidade da violência. Uma coisa é clara, quem detém o aparelho repressivo, o monopólio da violência, é o Estado. É o poder estatal que controla os aparelhos repressivos como todas as espécies de forças policiais (PM, Choque, ROTA etc e etc). Não há como negar isso, é um fato.

Porém, uma coisa é ter o aparelho repressivo só para si, outra coisa é conseguir a legitimidade para utilizá-lo sem medo de ter o povo contra si. Neste ponto, a manifestação enquanto ainda de esquerda, tinha a pretensão de retirar a legitimidade das mãos do Estado e colocar nas mãos dos manifestantes. A violência era dos manifestantes. Mesmo sem ter aparelho nenhum sob controle, podiam ser violentos com legitimidade.

Mas é necessário entender uma coisa: a violência ser da manifestação não a deslegitima. Violência é algo natural de qualquer manifestação de cunho político, seja ela física ou simbólica. Nas primeiras semanas, a violência legítima era a resistência do oprimido, não o ataque do opressor.

Depois da quinta-feira trágica, do Quarto Grande Ato, a violência ilegítima da polícia ficou clara: feriram jornalistas da grande mídia que, após este fato, abraçou a legitimidade da violência NA manifestação. Foi aí que a polícia parou de se intrometer nos Atos.

Mas ao colocar as próprias demandas para as manifestações, a grande mídia também separou mecanicamente o que era uma manifestação de verdade, legítima (leia-se: bandeira do Brasil, roupa branca, cartazes contra a corrupção e etc e etc e etc) e uma ilegítima (qualquer forma de violência). Foi a partir deste momento que os gritos “sem violência” se transformaram em gritos internos.

Segunda parte: a manifestação “apolítica”

A manifestação ainda detinha a legitimidade da violência, mas não era a mesma manifestação. Agora haviam duas manifestações: uma da esquerda e uma despolitizada (mas de muito maior número) que seguia qualquer grito mais forte que ecoasse em sua consciência e fosse parecido com as reclamações típicas de classe-média. Eu acredito que, a partir deste ponto, o significado do “sem violência” se transformou.

Se a legitimidade ainda era da manifestação, se a manifestação foi partida em dois, agora é necessário entender se a legitimidade estava com a manifestação como um todo ou na mão de uma parte dela. Os gritos de “sem violência” eram grito que se sincronizavam com a ideia propagada pelos meios de comunicação do “protesto sem baderna”. A violência era qualquer forma de depredação, não importa do que e não importa como. O grito sem violência era um grito que castrava a ala esquerda da manifestação.

É fácil entender por que a polícia não foi mais acionada nas manifestações: não era necessário. Primeiro, já não tinham a legitimidade da violência, segundo, a ala despolitizada da manifestação tomou para si essa legitimidade, apoiada e fundamentada pelos meios de comunicação. De uma hora para outra a violência da manifestação passou a ser ilegítima.

A polícia não precisou agir porque já haviam pessoas para impor a disciplina no restante dos manifestantes ~vândalos~.

Um exemplo de como houve essa inversão da legitimidade da violência pode ser visto nos programas de jornalismo, onde o repórter entrevista pessoas da ala despolitizada e perguntam o que elas acham dos “vândalos” e elas, sem surpresa, respondem que eles “não fazem parte da manifestação”. A forma do discurso é construída de maneira que os grupos que detinham anteriormente a legitimidade da violência passam a ser ilegítimos e passam a não fazer parte da manifestação.

Dizer que não fazem parte da manifestação é dizer que eles podem sofrer a repressão policial, já que a polícia só perdeu sua legitimidade em relação à manifestação, mas não em relação a quem não faz parte da manifestação. Junto a isso, estratégias de denúncia dos “vândalos” são praticadas, como se sentar e deixá-los expostos, ou tirar fotos de seus rostos, reproduzindo o discurso da mídia de separação da manifestação legítima (pacífica, que não coloca a ordem em risco) em oposição à manifestação ilegítima (que explode em violência, seja ela qual for).

A própria ala despolitizada, que reprimiu os partidos rasgando e queimando suas bandeiras, agredindo outros manifestantes partidários, esta violenta ala quase-fascista, que detinha a legitimidade da violência, na semana final das manifestações. Era ela própria que impunha as estruturas disciplinares do poder, era ela que fazia da polícia, desnecessária, já que o Estado estava dentro da manifestação, travestido de manifestante. O gigante acordou, mas gritou Anauê sem parar, mesmo sem saber disso.

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      1. Em relação a este trecho: “Entretanto, enquanto gritávamos sem violência, depredávamos todas as agências bancárias que passavam em nossa frente, além de picharmos e depredarmos vários ônibus largados no trajeto da manifestação.” Gostaria de saber porque a manifestação tem o direito de depredar e a polícia não tem o de impedir que tais atos aconteçam.

        1. O papel da polícia, enquanto aparelho de repressão, é reprimir qualquer manifestação contra a ordem.

          Se ela tem o direito ou não, eu não discuto, mas o papel estrutural da polícia é descer a porrada em manifestante. É só para isso que ela existe, para reprimir qualquer ação contra a ordem.

  1. Bem apontado, Vinicius. Quero comentar já aproveitando os apontamentos do Quiron aí em cima. Uma manifestação pacífica e sem estrutura se transforma em uma mera caminhada e isso não surte efeito. Não afeta ninguém, não atinge ninguém, não demonstra nada além da sua expressão. Passa sua mensagem, todos satisfeitos (?) e vão-se embora sem fazer mais nada além de levantar cartazes. Entretanto, uma manifestação que cause prejuízos a alguém que mantém certo controle ou monopólio em determinada área, que afeta tanto a imagem do país para estrangeiros num momento “estrelinha” como estamos tendo, que mancha a imagem de um governo… essa preocupa! Preocupa o prejuízo, preocupa a imagem, preocupa as relações exteriores, os índices, os mercados. É só isso que afeta o povo de cima. Prova disso é que muitas manifestações pacíficas já ocorreram sem nenhum resultado, mas quando o “vandalismo” começa a prejudicar os empresários e políticos, aí surge o resultado. Baixa a passagem (aqui em Mato Grosso e outras cidades do Rio Grande do Sul, por exemplo, com medo do prejuízo e do alastrar das manifestações, os prefeitos baixaram o preço das passagens antes de acontecer a própria manifestação, num gesto claro de preservação da imagem que tem, já que entraram recentemente no cargo, e evitando os possíveis danos) de onibus, metro, trem. Nós (em Cuiabá) ocupamos a Câmara dos Vereadores até conseguir forçar uma assembleia onde foram aprovadas TODAS as nossas pautas da manif. A questão da policia é simples: eles são ligados ou submetidos aos órgãos públicos. Quem paga o salário deles? Nós, eu sei, mas não somos nós que os contratamos ou despedimos. Assim, eles não estão ali para NOS proteger. Mas sim para proteger quem tem o poder de decisão no emprego dele. Como disse um soldado no filme “Hotel Ruanda”: meu trabalho é manter a paz, não instaurar a paz..
    A tevê, paga por quem tem grana e se preocupa com a imagem passada (não por nós), tem que manipular para manter os interesses. E consegui fazer isso muito bem fazendo o povo acreditar que o melhor caminho é deixar tudo intacto, sem mexer em nada, só com cartazes, sem partidos. Enfim: desorganizados e fazendo caminhadas. Grande mídia!

  2. Essa violencia nao leva a nada o melhor dizendo nao vai mudar,por que os politicos permanecerao com seus cargos e farao tudo de novo robando e na corrupçao o que devemos fazer e trocar todos que estao no poder do presidente ao veriador por que so nos temos esse poder atraveis do voto esse sim e o nosso maior protesto e niguem tira de nos esse direito. Muda Brasil

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