Medo Líquido – Zygmunt Bauman: uma resenha

A liquidez moderna resulta em uma infinidade de experiências secundárias da morte, de exclusão e, portanto, na construção cotidiana e tijolo por tijolo de uma insegurança estrutural.

O livro Medo Líquido (2006) é a tentativa de Zygmunt Bauman em descrever aspectos do medo na modernidade líquida. Além de análises do momento histórico atual, algumas categorias importantes são utilizadas ao longo do livro.

O objetivo deste artigo é apresentar os movimentos teóricos e analíticos principais do texto de Bauman.

Medo líquido

O Medo Líquido

Para Bauman, há três formas em que o medo pode afligir as pessoas na sociedade líquida:

  1. A partir da insegurança em relação ao futuro. Concretamente, o medo de não conseguir trabalhar ou ter qualquer tipo de sustento;
  2. A partir da insegurança em relação ao próprio status social. Concretamente, pelo medo de não conseguir se fixar na estrutura social, que significa basicamente o medo de perder a posição que se ocupa, de cair socialmente para posições vulneráveis;
  3. A insegurança em relação à integridade física. Concretamente, o medo de ser agredido em seu próprio corpo.

Bauman utiliza o conceito de medo derivado. Ao contrário do medo primário fundamental, ontológico), o medo derivado (que é secundário) é inculcado socialmente. O medo primário é o medo da morte na sua forma mais pura: é o medo de levar um tiro quando se está na guerra; já o medo secundário é aquele que nos obriga a seguir pelo caminho mais longo para não passarmos pelo meio de uma favela.

Medo Líquido - Zygmunt Bauman uma resenha
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O medo derivado é uma tomada de empréstimo do conceito de habitus, de Pierre Bourdieu, pois Bauman o utiliza para explicar uma propulsão, enquanto disposição socialmente incorporada. Para este medo, há práticas socialmente aceitas e incorporadas que representam uma fuga.

Bauman entende que trocamos segurança por proteção. Há uma diferença: segurança é aquilo que nos constitui; já a proteção é feita a partir de equipamentos. A segurança parte de um movimento de dentro pra fora, já a proteção de fora para dentro. Ser inseguro (como explicita a análise de Bauman) é ser um sujeito constituído de tal forma que a incerteza, a liquidez das relações e o medo de tudo, são características a priori. Um a priori histórico.

O inseguro checa o celular do parceiro ou da parceira a fim de saber se ele ou ela está traindo. O protegido detém um número de câmeras instaladas em seus estabelecimento/condomínios/instituições, utiliza coletes à prova de balas, armas que são compradas para se usar “contra bandidos”, programa senhas para impedir que qualquer um veja a tela de seu celular e etc.

A cidade

O princípio da proteção como solução para a insegurança também é na arquitetura da cidade: ao categorizar a cidade como um local de encontro, como um espaço mixofílico e mixofóbico, o autor estabelece paralelos entre a arquitetura urbana e a insegurança pós-moderna.

A cidade é o lugar do encontro, da mistura, do novo, da efervescência. É o lugar onde tudo e todos se encontram mesmo sem qualquer vontade, é o lugar onde estar com quem não se conhece é um pressuposto, é um termo aceito tacitamente e, por isso, ela é um espaço mixofílico (que promove a mistura, que faz da mistura algo aceitável e aprovável).

No entanto, a sujeira precisa ser limpa. É na cidade onde se pode encontrar os resultados da exclusão: pessoas sem casa, em situação de rua; favelas e seus moradores; todos estes estranhos são seres que provocam o desprezo e a repulsa do cidadão normal. A mixofobia (a repulsa pelo estranho) é vista materialmente de forma peculiar: por exemplo, a avenida Paulista é a principal via da cidade de São Paulo, é o centro financeiro da cidade e, como é de se esperar, é um antro da exclusão. Em frente aos grandes prédios, além dos vários seguranças que efetivamente estão lá para espantar os excluídos, há a presença de longas barras de ferro com sobressalências pontiagudas que ficam acopladas em frente às vitrines. O objetivo concreto: evitar a presença de moradores de rua, evitar que durmam em frente aos estabelecimentos.

A mídia

Segundo Bauman, a sociedade é um dispositivo que visa tornar tolerável a experiência da vida tendo a certeza da morte. Há duas formas de se lidar com a morte:

  1. A desconstruindo, ou seja, detalhando completamente suas causas de maneira que, no fim, parece que ela poderia ser evitada e;
  2. A banalizando, que quer dizer, mostrá-la como algo do cotidiano.

O antigo programa Brasil Urgente é um exemplo perfeito para ambos: tem a enorme vantagem de falar, basicamente, só sobre morte. Os acidentes de carro são descritos minuciosamente e a culpa é sempre de um motorista bêbado ou distraído. A morte não é um fato, é um acidente, de acordo com a lógica do programa e, além disso, a quantidade de mortes denunciadas expõe a banalização do acontecimento.

A morte não é só o fim da vida fisiológica. Bauman categoriza a morte em diferentes graus:

  1. A morte em primeiro grau é, de fato, a morte fisiológica, é deixar de existir;
  2. Já a morte em segundo grau (que seria a experiência primária de um sujeito vivo com a morte) seria a morte do outro, a morte de quem nos relacionávamos;
  3. Enquanto a morte em terceiro grau é a quebra do relacionamento, a exclusão (e é a experiência secundária que se pode ter da morte).

O ponto alto deste capítulo é a ilustração da experiência secundária da morte enquanto cotidiano, banal (e que produz insegurança), já o exemplo (incrível) de Bauman são os reality shows, como o Big Brother, em que os participantes têm como pressuposto a exclusão. Eles precisam quebrar relacionamentos em algum momento, pois só pode vencer. O Big Brother, sendo um produto cultural, é também parte de nossa sociedade e nele é possível enxergar parte de sua lógica.

A liquidez moderna fornece uma infinidade de experiências secundárias da morte, de exclusão e, portanto, contribui na construção cotidiana, tijolo por tijolo, de uma insegurança estrutural. Promove a criação e a utilização de técnicas e tecnologias para a proteção.

A mídia exerce o papel de distribuição do medo: o medo não é mais o que se escuta nos contos, nos mitos, nas reuniões de família, nas agremiações. Ela é vista cotidianamente pela televisão, pelos jornais e pela internet. Bauman cita a Al-Qaeda. Antes do 11 de setembro, era relevante? E depois?

A responsabilidade

A partir de Rousseau, a posição da humanidade em torno dos desastres naturais se modificou: estes desastres, únicos que poderiam escapar da responsabilidade humana e ser imputados aos deuses, ao acaso, transformaram-se em parte do rol de elementos sob controle da racionalidade e da potencialidade humana.

Rousseau transfere a responsabilidade acerca do despreparo também às pessoas. Argumenta que o grande terremoto de Lisboa de 1755 não pode ser considerado um acontecimento ao acaso, não pode nos colocar em estado de passividade; o desastre deve ser visto como a falta de planejamento das pessoas que moravam nos locais em perigo. O desastre acontece, mas as pessoas podem evitá-lo.

O que isso significa? Ao traçar essa divisão entre o momento em que a responsabilidade não pode ser evitada, Rousseau consegue argumentar que, em um sistema complexo e global, em uma rede tão interligada, não há como não ter responsabilidade sobre seus próprios atos e sobre seus resultados. O micro é a engrenagem do macro. É impossível se esconder da responsabilidade.

E-book Modernidade Líquida: Uma Introdução

12 Comentários

  1. O livro Medo Líquido é tão subjetivo que há dois anos tento entender a realidade dos pensamentos de Bauerman e o que ele quis colocar para os leitores. Vou continuar pesquisando para ver se ainda nesta vida encontro algo sustentável no conteúdo de um livro que tem um título tão interessante.

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