Nietzsche sobre 5 preconceitos dos filósofos

Os filósofos também tem seus preconceitos, seu dogmas, suas muletas. Enumeramos 5 para você ver como Nietzsche os destrói passo-a-passo.

Da série “Friedrich Nietzsche“.

Inverter a questão: este é o objetivo de Nietzsche em Além do Bem e do Mal ao denunciar o preconceito dos filósofos. Mas o que há de preconceito no exercício da filosofia? Para o filósofo alemão, o preconceito está fixo no dogma, ou seja, na crença em conceitos e noções que se apresentam como fundadas em uma metafísica invariável, mas que não detém essa qualidade.

Destes preconceitos, enumero:

1) O alto valor da verdade;
2) A crença nos juízos sintéticos a priori (tempo e espaço) kantianos;
3) a auto-conservação como instinto básico do animal;
4) Livre-arbítrio e;
5) Determinismo.

má reputaçãoO autor começa o capítulo denunciando a busca pela verdade. Que vontade de verdade é essa que nos coloca em frente a tantas questões? Entretanto, cabe dizer, essa vontade não pode ser natural, é necessário fazer uma pergunta ainda mais fundamental, “quem, realmente, nos coloca questões? O que, em nós, aspira realmente à verdade”? A grande questão de Nietzsche é o valor da verdade e de sua vontade.

Filosofia enquanto instrumento de poder

“Nós questionamos o valor dessa vontade [de verdade]. Certo, queremos a verdade: mas por que não, de preferência, a inverdade? Ou a incerteza? Ou mesmo a insciência? – O problema do valor da verdade apresentou-se à nossa frente – ou fomos nós a nos apresentar diante dele”?, escreveu o filósofo. Portanto, o que faz com que a verdade seja um objetivo final? o primeiro dos preconceitos dos filósofos está relacionado com a pedestalização da verdade.

Entretanto, ao invés de se deter em argumentos filosóficos para demonstrar uma verdade ou uma refutação, Nietzsche se atém em outros quesitos: levando em conta a sua postura cética em relação à separação do mundo terreno com um mundo das ideias (e o niilismo em viver segundo este mundo das ideias, ao invés de viver segundo o mundo terreno – como no cristianismo, no anarquismo, no platonismo e etc) e, portanto, em relação à separação da consciência ao corpo pulsional, o autor revela que “gradualmente foi se revelando para mim o que toda grande filosofia foi até o momento: a confissão pessoal de seu autor, uma espécie de memórias involuntárias e inadvertidas”.

Não sendo isso suficiente, “também se tornou claro que as intenções morais (ou imorais) de toda filosofia constitui o germe a partir do qual cresceu a planta inteira. De fato, para explicar como surgiram as mais remotas afirmações metafísicas de um filósofo é bom (e sábio) se perguntar antes de tudo: a que moral isto (ele) quer chegar”? A moral precisa ser entendida “como teoria das relações de dominação sob as quais se origina o fenômeno vida”.

Então, a filosofia é uma arma de poder que serve a um interesse determinado. Ela usa da verdade como conceito para manter ou ganhar autoridade.

Nietzsche. Foto: Hommo Literatus
Nietzsche. Foto: Hommo Literatus

A crença nos juízos sintéticos a priori kantianos

Segundo Kant, existem juízos que não dependem do sujeito para sua existência, mas que fazem a existência ter sentido. Os juízos sintéticos a priori são aqueles que sua característica está fora do sujeito e, portanto, são necessários e universais – como o espaço e o tempo. Para Nietzsche, os juízos sintéticos a priori são pura crença. “Mas, reflitamos. Já é tempo. Como são possível juízos sintéticos a priori?, perguntou Kant a si mesmo – e o que respondeu realmente? Em virtude de uma faculdade: mas infelizmente não com essas poucas palavras […] é tempo de substituir a pergunta kantiana ‘como são possíveis os juízos sintéticos a priori’ por uma outra pergunta: ‘por que é necessária a crença em tais juízos’? Isto é, de compreender que, para o fim da conservação de seres como nós, é preciso acreditar que tais juízos são verdadeiros”.

Seres como nós, sujeitos históricos como nós, precisam desta crença, pois é somente ela que nos mantém. Nós precisamos essencialmente desta crença, mas ela ainda é uma crença, mesmo quando acreditada com toda força.

Auto-conservação

A auto-conservação, característica tão valorada por estudiosos da vida animal, para o alemão, não passa de um desdobramento de uma característica muito mais importante: a vontade de potência.

“Uma criatura viva quer dar vazão a sua força – a própria vida é vontade de poder – a auto-conservação é apensar uma das indiretas, mais frequentes consequências disto”, ou seja, se conservar vivo é um desdobramento de querer satisfazer uma vontade de dominação, de poder, muito mais substancial do corpo animal.

Livre-arbítrio e determinismo

A crítica nietzschiana destrói o preconceito do livre-arbítrio e do determinismo na filosofia, pois “O que se chama ‘livre arbítrio’ é essencialmente o sentimento de superioridade que se sente ante um subalterno. ‘Eu sou livre, ele deve obedecer’, eis o que há no fundo de toda vontade, a certeza intima que constitui o estado de ânimo de quem manda”.

nietzscheEntretanto, se tratando de si mesmo, o querente se confunde com o executor da ordem. Eu quero e eu executo. Todas as determinações exteriores acabam sendo esquecidas neste processo de identificação do querente e do executor, “em outras palavras, aquele que quer, acredita que querer e fazer se resumem numa única coisa. Para ele o êxito e a execução do querer são efeitos do próprio querer e esta crença torna mais forte o sentimento de poder, que ele sente, e que o êxito traz como companheiro. O ‘livre-arbítrio’: esta é a designação desse complexo estado de prazer do homem que quer, que manda, e que, ao mesmo tempo, se confunde com o que executa, gozando assim o prazer de superar obstáculos com a ideia de que é sua própria vontade que triunfa sobre as resistências”.

Ele continua, “o anseio de ‘livre-arbítrio’, na superlativa acepção metafísica que infelizmente persiste nos semi-educados, o anseio de carregar a responsabilidade última pelas próprias ações, dela desobrigando Deus, mundo, ancestrais, acaso, sociedade é nada menos que o de ser justamente essa causa sui [causa de si mesmo] e, com uma temeridade própria do barão de Munchhausen, arrancar-se pelos cabelos do pântano do nada em direção à existência”.

O outro lado do rio também é ferido pelo martelo de Nietzsche, “Não é preciso cometer o erro de tornar condicionados causa e efeito, como fazem os naturalistas (e todos que sequem seu método de pensar) segundo as cretinices mecanicistas em voga, que querem que toda causa impulsione e pressione até produzir um efeito […] Somos nós mesmo que inventamos a causa, a sucessão, a reciprocidade, a relatividade, a necessidade, o número, a lei, a liberdade, a razão, o fim, e quando introduzimos falsamente nas “coisas” este mundo de símbolos inventados, quando o incorporamos às coisas como se lhes, pertencesse ‘em si’ mais uma vez, como sempre fizemos, criamos uma mitologia”.

Tudo é uma questão de vontade forte ou fraca.

Se isso faz sentido, então o problema livre-arbítrio X determinismo pode ser adotado por dois tipos de pessoas,  “uns não querem por preço algum abandonar sua ‘responsabilidade’, a fé em si, o direito pessoal de seu mérito (as raças vaidosas estão deste lado -); os outros, pelo contrário, não desejam se responsabilizar por nada, ser culpados de nada, e, a partir de um auto-desprezo interior, querem depositar o fardo de si mesmos em algum outro lugar”.

Referências

NIETZSCHE, Friedrich. Além do Bem e do Mal: Prelúdio de uma filosofia do futuro. São Paulo: Hemus, 2001.

 

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