O que Maquiavel pode nos ensinar sobre a administração de recursos humanos?

Maquiavel foi o fundador da ciência política, mas seus escritos são indicados também para o trabalho de liderança. Veja aqui seu livro principal aplicado à administração de recursos humanos.

Nicolau Maquiavel
Nicolau Maquiavel

Apesar de ser considerado o fundador da ciência política moderna, Maquiavel é frequentemente indicado para administradores de diferentes organizações: seus escritos revelam uma maneira fria de lidar com todos os recursos possíveis para manter o poder. O príncipe, líder último da forma de governo que o autor trata no livro de mesmo nome, precisa garantir estabilidade, agradando ao povo e mantendo os poderosos sob suas rédeas – precisa ter recursos próprios para viver com segurança e não pode temer qualquer julgamento de seus súditos. Visando este objetivo, dois capítulos parecem ser essenciais para uma boa administração do que costumam chamar de “recursos humanos”.

Capítulo XVII – Os diferentes tipos de milícias e tropas mercenárias (ou como é necessário ter gente com paixão pela causa por perto)

“Direi, portanto, que as forças com as quais um príncipe conserva o seu Estado são próprias ou mercenárias, auxiliares ou mistas. As mercenárias e auxiliares são inúteis e perigosas. Tendo alguém o seu Estado firmado em tal espécie de forças jamais estará seguro; elas não são ligadas ao príncipe, são ambiciosas, faltas de disciplina, infiéis, insolentes para com os amigos, mas acovardam-se diante dos inimigos, não têm temor de Deus, nem fazem fé nos homens, e o príncipe apenas retarda a própria ruína na medida em que retarda o ataque. Deste modo, o Estado é espoliado por elas na paz, e durante a guerra pelos inimigos”.

Veja também: Nietzsche e a firmeza de caráter

Mercenários podem ser entendidos como meros contratados. São “meros” contratados porque não têm nenhuma ligação com o príncipe, que pode ser entendido como o líder. A frieza dos mercenários está na falta de ligação com a autoridade do principado: como eles não têm a quem temer, como não têm a quem amar (a não ser o dinheiro que poderão ganhar), não podem ser bons soldados.

A falta de “paixão”, de ligação emocional e de temor com o líder os faz senhores de suas próprias ações, sendo assim, como típicos profissionais, não estão dispostos a dar a vida pelo príncipe: eles querem unicamente manter as suas vidas e receber os seus salários. Portanto, um bom soldado (ou um bom liderado) não pode ser unicamente um profissional, mas precisa ter uma ligação maior e mais estreita com aquele que lidera.

“O motivo dessa atitude é que elas não conhecem outro amor nem outra força que as tenham em campo, a não ser um pequeno pagamento, o que não é bastante para excitá-las a morrer por ti. Desejam ardentemente ser teus soldados enquanto não te moves à guerra, mas em vindo esta, fogem ou se despedem. Não me será difícil explicá-lo, visto que a atual desgraça da Itália não foi causada por outro motivo senão pelo fato de que durante tantos anos esteve sustentada por armas mercenárias. Estas conseguiram fazer qualquer coisa em favor de alguém e aparentavam valor quando entre si se combatiam, mas, vindo o estrangeiro, logo mostraram o que eram. Muito fácil foi, portanto, a Carlos, rei de França, conquistar a giz toda a Itália; falava a verdade quem afirmava que a culpa era toda nossa, não porém a que pensava e sim a de que foram causa os erros que acima expusemos. E por serem os príncipes culpados, sofreram eles o castigo.”

Os mercenários são aqueles que simplesmente trabalham para si. Eles querem estar empregados em tempos de paz, mas não querem se arriscar em tempos de guerra (e não há nada que os façam se arriscar por um príncipe que não é deles) e a culpa por não prever as consequências terríveis de tais contratados é do próprio príncipe, que deve se planejar para a autonomia e para a construção de exércitos próprios.

Capítulo XIII – Das tropas auxiliares, mistas e nacionais (ou como a terceirização não é a melhor coisa a se fazer)

Tropas auxiliares são aquelas que algum poderoso mandar para o favor de outrem. São tropas “emprestadas”. A analogia mais óbvia é com o exército terceirizado de trabalhadores.

“Tais tropas por si mesmas podem ser boas e úteis, mas freqüentes vezes acarretam prejuízos ao que a pede porque se perderem está abatido e, se vencerem, será seu prisioneiro.”

Ou seja, um bom trabalho feito por terceiros é um bom trabalho de outra organização. Para Maquiavel, se os mercenários são preguiçosos e se deve temer sua falta de vontade, as tropas auxiliares se trata do contrário: deve-se temer o valor que dão para seu real líder, pois, após ganharem a batalha, podem dominar o território conquistado (ou protegido) para seu príncipe, ao invés de simplesmente obedecerem o pedido de auxílio.

Creio que este não precisa ser um medo atual, mas a consciência de que uma boa prática de terceiros não é uma boa prática da organização precisa estar sempre fresca. Quando uma organização depende de “tropas auxiliares”, ela não tem corpo próprio e está a mercê do talento de pessoas leais a outro líder – o primeiro erro que ocorre da utilização de terceiros é do príncipe auxiliado ter autoconfiança após uma vitória que de fato não foi sua.

Um bom líder, portanto, precisa ter seus próprios recursos. Segundo Maquiavel, é somente desta maneira que poderá empreender novas conquistas ou se proteger com segurança de ameaças externas. Qualquer exército que não seja ligado estreitamente e emocionalmente com ele não será tão dedicado como um exército nacional.

O Príncipe para download em PDF

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7 Comentários

  1. Muito obrigada pela matéria. Eu estava procurando uma complementação com relação às tropas auxiliares. Esse conteúdo me ajudou bastante. Muito obrigada!

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