Ética da responsabilidade na pós-modernidade

Como ética e responsabilidade se relacionam na pós-modernidade? Em nossa época, cada ato parece irradiar uma gama ampla de efeitos e somos, provavelmente, uma das mais inseguras sociedades em relação ao futuro de todas as que se tem registro.

ética da responsabilidade na pós-modernidade
A “globalização negativa” é identificada como uma potência de abertura das sociedades.

A globalização se manifesta majoritariamente como uma força de desregulamentação, de individualização, de fabricação de angústias e de socialização da pobreza aos pobres e acumulação da riqueza aos ricos. Esta globalização é chamada de “negativa” por Zygmunt Bauman,  e é identificada como uma potência de abertura das sociedades (de imposição da abertura) aos mercados globais e suas regras.

Feito este primeiro processo de globalização, a questão da responsabilidade se complica. Agora, a possibilidade de afetar o mundo com uma única ação que não parece ser de efeito global é clara. “O espectro da vulnerabilidade paira sobre o planeta ‘negativamente globalizado’. Estamos todos em perigo, e todos somos perigosos uns para os outros. Há apenas três papéis a desempenhar – perpetradores, vítimas e “baixas colaterais” – e não há carência de candidatos para o primeiro papel, enquanto as fileiras daqueles destinados ao segundo e ao terceiro crescem interminavelmente”, diz Bauman em Medo Líquido.

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As baixas colaterais são aqueles afetados pelas ações dos perpetrados, mas que não estavam nos planos (afinal, os planos indicam que somente as vítimas precisam sofrer). Porém, esta situação é cada vez mais insustentável: as baixas colaterais são cada vez menos justificáveis como tal, “a densa rede de interdependência torna todos nós objetivamente responsáveis (ou seja, quer o saibamos ou não, gostemos ou não e – um ponto eticamente crucial – queiramos ou não) pela miséria de todos”, explica Bauman.

Zygmunt Bauman
Zygmunt Bauman

As categorias que regem nossas noção ética de responsabilidade não se adequam à pós-modernidade, continua o autor, “a tendência tradicionalmente autorrestritiva da fórmula ortodoxa da responsabilidade normativa de se basear fortemente nos conceitos de ‘intenção’ e ‘motivo’, totalmente inadequados para lidar com o atual desafio de uma interdependência de âmbito planetário”.

O problema é grave, pois não conseguimos lidar com os efeitos de nossas ações além de um círculo restrito e relativamente íntimo, porém, a ética da responsabilidade na pós-modernidade precisa se atentar para duas características importante da vida em sociedade: quando maior a proximidade (espacial e temporal), maiores os riscos da vida; quanto menor a proximidade, maior a incerteza em relação aos efeitos das ações.

Essa relação inversa de risco x incerteza somada à capacidade tecnológica atual de modificar o futuro efetivamente faz de nossa sociedade, uma das mais inseguras em relação ao futuro. “A geração mais tecnologicamente equipada da história humana é aquela mais assombrada por sentimentos de insegurança e desamparo”, exatamente por sermos aquela com maior responsabilidade pelo futuro – um campo inacessível de incertezas, mas sempre mais difícil de se lidar: como viver éticamente sem ter certeza se cada ato não será substancialmente efetivo na destruição futura do planeta (ou, para ser mais prática, sem saber se cada vez que você vai à rede de fast-food do centro da cidade, não está contribuindo para a reprodução e legitimação de posições desqualificadas e exploradas (assim como completamente estigmatizadas) na esfera econômica.

Então, ao mesmo tempo, os amplos efeitos que nossas ações irradiam entram em oposição com o “curto espectro das preocupações que as modelam”. As preocupações ainda são pontuais, talvez locais, para problemas globais, que ecoam ao longo do tempo. Há melhor exemplo para isso do que as ações da polícia nas favelas, com inúmeras “vítimas colaterais”?

Em nossa sociedade, um Eichmann seria impossível, não há meros executores: a ética da responsabilidade passa a ser individual, mas unindo o autor com o ator, ou seja, unindo quem quer fazer com quem de fato faz. Enquanto um funcionário da burocracia alemã, Eichmann poderia ter negado exercer as responsabilidades de seu cargo.

3 Comentários

  1. Interessante observar que Bauman não descartou por completo o termo pós-modernidade. Ao mesmo tempo que sentimos estar cada vez mais solidificado sua alcunha “Liquido” para os fenômenos que estuda, doravante ele recorre ao antigo vocábulo que outros pensadores usaram, como Habermas, que colocou em xeque sua vigência, visto acreditar que ‘Modernidade’ não cumpriu de todo o seu papel na sociedade em que vivemos.

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