Duas reflexões sobre o conservadorismo na prática espírita brasileira

Duas breves reflexões sobre o conservadorismo na prática espírita brasileira (muito análogo ao conservadorismo nas religiões mais comuns): maconha e aborto.

Artigo de Érico Bomfim em colaboração com o site Colunas Tortas.

espiritismo brasileiro
Alan Kardec

Duas breves reflexões sobre o conservadorismo na prática espírita brasileira, muito análogo ao conservadorismo nas religiões mais comuns): maconha e aborto.

1 – Maconha

Fui a um centro espírita em dia de palestra. O tema eram drogas. Não me surpreenderam e nem repudio os cartazes de campanhas anti-drogas, por mais bregas ou antiquados que fossem, nem mesmo o uso de “estudos científicos” (cujos nomes, anos e autores não foram citados) com imagens de cérebros “antes e depois” das drogas, num claro intuito de apavorar o público quanto ao uso das drogas ilegais _ apenas gostaria de que os dados dos estudos (títulos, autores, anos das publicações) houvessem sido expostos para que eu pudesse procurá-los. Mas digamos que até aí estivesse tudo dentro do limite do debate razoável e da tolerância.

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O que me incomodou profundamente foi um comentário final desse mesmo palestrante. Relatou ele a discussão que se deu no STF quanto à legalidade de manifestações a favor da legalização da maconha. O STF, como sabemos, entendeu que tais manifestações seriam legais, um exemplo de liberdade de expressão. Para minha surpresa, ele disse discordar. Disse que quem defende a maconha (sic) faz apologia ao crime, o que estava previsto no Código Penal!

Ou seja, estamos diante de algo pouco imaginável nos tempos de Kardec: o palestrante espírita que pede cadeia para quem diverge dele. Afinal, se:

1- defender a legalização da maconha é defender a maconha;

2- defender a maconha deve ser enquadrado como apologia ao crime;

3- e apologia ao crime, por sua vez, é punível com prisão

Então, quem defende a legalização da maconha deve ser preso, a não ser que o palestrante discordasse, quanto à pena, do mesmo Código Penal que ele citou para defender seu ponto de vista, o que não parece concebível.

O que o conservadorismo religioso e obscurantista não percebe é que defender a legalização da maconha não é defender a maconha. E defender a legalização da maconha é, no mínimo, razoável, uma vez que países considerados hegemonicamente como democráticos travam esse debate e, por vezes, a legalização se concretiza (Uruguai e estados dos EUA).

Portanto, a postura desse palestrante extrapola completamente o limite do debate. Seu discurso tem por consequência inegável (ainda que ele não o tenha explicitado) a defesa de pena de prisão para vários professores universitários, juristas e diversos intelectuais, sabidamente defensores da legalização da maconha.

2 – Aborto

espiritismo no brasil
A mesa se levantaria sem intervenção humana.

Mais uma vez, os espíritas confundem a defesa da legalização de uma prática com a defesa da própria prática. Aliás, quem é que defende o aborto?! O aborto é sempre uma decisão extremamente difícil e um procedimento traumático. Ninguém “gosta” ou “quer” ou “defende” o aborto. O que se defende é a legalização da prática, porque a legalização pode salvar as vidas de milhares de mulheres pobres, que recorrem ao aborto independente de ele ser legal ou não.

Mas a reflexão que me move aqui é a seguinte: religiosos em geral (e os espíritas de hoje pouco diferem de religiosos em geral) são contra o aborto porque entendem que o feto é um ser humano. E a pergunta que eu me faço é: se o feto é um ser humano dotado dos mesmos direitos de quem nasceu, então o aborto deveria ser enquadrado como homicídio no código penal, certo? A não ser que se entenda que a vida do feto tem menos valor e que ele seja menos humano e deva, portanto, ser menos protegido pelo Estado e ter menos direitos _ o que não me parece o caso aqui. Se o feto é um ser humano, então sua vida deve ser resguardada como a de qualquer pessoa e aquele que o matar deveria responder pela morte de um ser humano, portanto. Logo, o aborto deveria ser tipificado como homicídio.

Insisto: se o feto é um ser humano e matá-lo é homicídio, como que se pode permitir o aborto em caso de estupro? Como que ser estuprada pode dar a alguma mulher o direito de matar outro ser humano? Mais ainda: como que o status de vítima de estupro daria à mulher a prerrogativa de matar alguém e especialmente alguém que nenhuma culpa teve pelo estupro? É evidente que ser vítima de estupro não pode ser licença para cometer homicídio. Logo, dever-se-ia prender por homicídio (uns 20 anos de cadeia?) a vítima de estupro que decide abortar. Ainda que seja o médico quem realize o procedimento, a mulher é a mandante do crime. Prisão para vítimas de estupro.

Parece-me que as duas reflexões acima mostram o quão nefasto pode ser confundir a defesa de uma prática com a defesa da legalização de uma prática, bem como exigir do Estado que condene as práticas que nós condenamos. Nós podemos simplesmente nos opor e repudiar certas práticas. Podemos buscar persuadir outrem do nosso ponto de vista. Podemos tentar convencer e até converter outras pessoas. Podemos dizer “não use drogas!” ou “não aborte!”. O Estado, não. O Estado não persuade, não argumenta e nem convence: ele encarcera e mata. E é isso que o conservadorismo religioso parece não perceber _ ou, o que é pior, finge que não percebe. A proibição não é uma campanha anti-drogas ou anti-aborto. A proibição é uma ameaça de sequestro e cárcere.

Ademais, lamento profundamente, como espírita que me declaro, o fato de o conservadorismo ter sequestrado completamente o movimento espírita, tornando-o um fundo poço de obscurantismo.

11 Comentários

  1. “são contra o aborto porque entendem que o feto é um ser humano.”

    Não amigo,não acreditam que é um ser humano,o espiritismo,budismo,hinduísmo,hare-krishna,umbanda e qualquer outra filosofia espiritual que acredita em reencarnação e Karma,diz que o corpo é apenas uma ” roupa ” e que a consciência vem á esse Mundo pra aprender e evoluir,até encerrar o clico de reencarnações,então o veículo que temos nesse Mundo é nosso corpo,mas nós não somos ele… o aborto,pra essas filosofias,significa impedir que uma consciência consiga cumprir sua missão,já que o corpo dela,que seria seu veículo e estava se formando,foi morto,e com isso,quem matou,atrapalhou o ciclo dessa consciência,espirito,chame como quiser.

    Por exemplo,algumas dessas filosofias não matam animais,aderem ao vegetarianismo,justamente por acreditarem que o animal tbm está evoluindo sua consciência e que o matando,vc atrapalha essa evolução.

    Precisamos conhecer certas coisas á fundo,se não,realmente,tudo soa como conservadorismo… quanto á crença,sendo verdade ou não,todo mundo tem o direito de ter a sua e opinar no sistema democrático.

    1. Alemartinsart, seu argumento não faz sentido. Vc também tem um corpo e nem por isso espíritas creem que vc, com seu corpo, não seja humano. O corpo, essa “roupa, integra o conceito de “ser humano”.

  2. Texto repleto de falácias. Se imagens comparativas de tomografia mostrando a diferença entre um cérebro normal e de um drogado “não te assustam” como você diz, isso mostra que vc está imune de qualquer argumentação científica e racional. Trata-se assim de um texto em defesa (e só isso) de um “direito” baseado em um discurso politizado, com intenções que estão além do que está escrito no texto. Esconde-se para debaixo do tapete as milhares de evidências de pessoas que tiveram suas vidas e trabalhos prejudicados por causa de drogas, dai fica fácil defender esse “direito”.

    Ora, vc deveria se lembrar que para a Doutrina Espírita, a coisa mais sagrada que existe é o livre arbítrio. Logo esse “direito” está plenamente garantido, vc e o tal palestrante do centro não deveria se preocupar com isso. O que realmente interessa é distinguir entre a garantia de um direito (que é algo redundante, se vc realmente estudou as bases do Espiritismo) e a conveniência de se fazer uso dele. Mas, a politização do discurso sufoca qualquer argumentação racional.

    É triste ver que em nome da política, o aturo divide o mundo entre “conservadores” e “liberais”, “direita” e “esquerada” de uma maneira tão simplista.

  3. Impressiona o seu desconhecimento sobre o básico do básico sobre Espiritismo. Desconhece os efeitos nefastos da drogadição e das obsessões resultantes dessa prática.
    Sobre o tema aborto, a interrupção forçada da gravidez é um atentado às novas oportunidades que se abrem para os espíritos reencarnantes.
    Por óbvio você desconhece a ampla gama de livros e autores espíritas que combatem tanto a legalização das drogas quanto do aborto.
    E ainda utiliza o nome de Kardec para obter adesão às suas ideias? Logo ele que codificou a Doutrina Espírita, tendo por base O Livro dos Espíritos que, na questão 358 assim se pronunciam quanto ao aborto: “Há crime sempre que transgredis a lei de Deus. Uma mãe, ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, pois isso impede uma alma de passar pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se estava formando“.
    Todos esses são pontos pacificados na Doutrina Espírita, aos quais o verdadeiro praticante não pode se furtar de observar, sob pena de atirarmos no lixo tudo o que compõe o edifício espírita.

      1. Quando paro pensar sobre assunto, vejo que o Brasil está anestesiado num processo de pensamento religioso, e no caso do kardecismo não é diferente. Apesar de acharem-se mais “científico”, “racionais” e similares no fundo não muda muito em comparação com outras religiões. Eu procurei pesquisar sobre os funamentos teóricos da Ciência e numa comparação com os espiritismo fica fácil ver por que não é tudo isso que proclamam. E não falo isso para desprestigiar ninguém, são questões que vamos aprendendo, descobrindo. “Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará” (A Gênese). Segue fala de um médico: “Na minha opinião pessoal, a vida humana é quando há uma relação com o outro, sentimentos e percepções proeminentes humanos. O embrião até 12 semanas não tem o sistema nervoso para estabelecer qualquer espécie de relação. Um bebê que seja capaz de sonhar e perceber coisas maternas tornou-se pessoa. Essa definição vem de Aristóteles, que definia que nesse período da gestação a criança era gente, ganhava alma. Nesse caso, apesar de o embrião não ser coisa, não posso comparar a questão moral de uma mulher que não deseja prosseguir uma gravidez em relação a algo que tem o potencial futuro de vida” retirei do site: https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2013/04/17/noticias-saude,194707/quando-a-vida-comeca-medicos-debatem-a-descriminalizacao-do-aborto.shtml.
        Coloquei esses dois pontos para ilustrar que pela Medicina, um feto sem sistema neuronal ainda não dispões de mecanismos de interação com o mundo. Eu não digo que o Kardecismo, e outras religiões, tem que pensar diferente, mas se usa da justificativa do progresso, então tem que rever. No entanto, o Brasil não representado por crentes exclusivamente, e não sou ateu, mas respeito e considero justo o sê-lo. Com nisso não cabe ao Estado determinar questões religiosas, e sim dar condições para crentes, ateus, agnósticos terem seus direitos. Por qualquer motivo que tenha uma mulher de abortar, ela estará exercendo seu livre-arbítrio, sendo assim será um pecado? E se for, quantos pecados não são feitos, e refeitos por toda uma massa de gente? Abortar não deve ser uma decisão fácil para uma mulher, mas acho que antes de qualquer moralismo religioso, cada mulher tem os motivos que a levam fazer isso, mas ninguém quer saber quais são, talvez ficasse mais fácil dirssuadi-las se estas questões fossem melhor tratada. As mulheres carregam um peso social muito maior que os homens, e isto não se questiona. Até o direito ao prazer sexual lhe negado, e justifica todo tipo de xingamento e assédio quando não está dentro da norma. Não se discute o aborto masculino, o abandono, a pobreza, as limitações que um filho coloca na vida de uma pessoa. Mas se este filho que nasceu vier a tomar caminhos conflituosos com a sociedade, esta que é contra o aborto não é contra a violência, nem o assassinato dos “delinquentes” que não foram bem educados. As mães que tiveram que trabalhar para cria-los, e por isso não puderam ser presentes, sofrem a culpa instalada pela sociedade e pela violência ao filho. Além de tudo isso não se perguntam como seria a condição de um ser humano ser fruto de uma violência. Pensam no feto como se fosse o que? Saber e carregar este fardo também é uma violência psicológica para mãe e para o filho. Que pessoa quer ser fruto de uma violência como um estupro. A mãe e o filho saber que é fruto de tamanha violência, acho que é possível, mas não sei se para todos. E é como esconder isso? Como negar os sentimentos? Que consequências terá para a criança? Não é também uma violência contra uma pessoa força-la a sentir e fazer o que não se consegue? E quanto ao pai? Com relação a maconha é uma hipocrisia, estudos revelam que a droga mais danosa, física e social é o álcool, mas e daí para a cervejinha com amigos? E daí se a pessoa fuma um baseado e tem sua vida normal? Ou cigarro? vícios estão aí e opções também. Pelo que a ciência mostra a maconha tem efeitos positivos e negativos, cigarro é danoso ao corpo, mas pode aliviar estados de ansiedades e possivelmente diminuir um estado de descontrole. Se nos não somos perfeitos, estamos evoluindo, por quê alguns querem que o outro suba o morro correndo, enquanto anda devagar?

        1. O espiritismo, no que tange a produção de saberes, difere das diversas correntes do pensamento sociologico, no método, portanto, há pouca produtividade quando confrontamos o idealismo relativista com o conhecimento revelado por meio de uma investigação, repetida a exaustão e submetida ao exame criterioso de pesquisadores sérios. Desse modo, não há produtividade nos debates sociológicos em qualquer tema que se apresente.

  4. Quanto a questão do aborto gostaria de comentar o seguinte:
    Um feto não tendo nascido não tem certidão de nascido vivo, logo não pode ter certidão de nascimento, logo não pode ter certidão de óbito, logo sem que se certifique o óbito não há homicídio. Todavia sendo um feto obviamente um ser humano, tipifica-se o crime como aborto.
    Eu poderia combater os argumentos um a um, mas o texto é tão ruim e a lógica tão distorcida que má da pena de fazer isso.
    Companheiro escritor, vai bater uma laje que você ganha mais.
    Obs.: sou espírita, sou conservador, sou contra o aborto em qualquer situação, sou contra o uso de drogas, sobretudo se você pretende escrever depois.

  5. A questão é: E como fica seu projeto reencarnatorio? E a evolução dos mundos? E os carmas? As pessoas no corpo físico em processo de evolução agem na maioria das vezes pelo ego,são egoístas,não sabem que seus carmas podem levá-las a cometer equívocos ,caso não estejam equilibrados. Se vc vive num país regido por leis fundamentalistas,vc acaba achando que o Estado está lhe protegendo,mas na verdade,o Estado está lhe manipulando,lhe explorando.
    O espírito reencarnante é ligado ao feto desde as primeiras formações celulares,então qualquer desobediência às Leis Naturais irá criar um carma. As Leis dos homens são mutáveis ,as de Deus não . Então qualquer que seja o país, pouco importa as leis vigentes,o que importa são o seu nível de consciência e a sua intenção! Se vc ainda não compreende as consequências dos seus atos, a sua atitude perante às Leis Cósmicas será analisado de forma diferente de quem agiu por puro egoísmo! Se o estupro não fosse cármico,não haveria motivo para aquele corpo receber um espírito reencarnante. São vibrações energéticas carmicas que atraem todos os personagens dessas situações. Se não fosse assim, Reis e tiranos do passado não nasceriam em zonas de conflito ,de guerras,para quitar débitos e sentir na pele as atrocidades que fizeram milhares de pessoas passarem enquanto eram detentores do poder temporal.

  6. Tb muito me preocupo com esse posicionamento conservador cego do espírita brasileiro.
    Pra mim espiritismo não deveria nem ser considerado religião, é no Brasil por questões culturais nossas, nossa carência da necessidade de pertencimento à processos grupais para vivermos nossa espiritualidade.
    E esse alinhamento destes processos com valores conservadores que ferem o direito ao estado laico vai contra qualquer princípio de razão na minha opinião. Pra mim são pessoas que tentam impor seus desejos e suas crenças à outras pessoas que elas não tem o mínimo compromisso.

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