A globalização não nos transformou em sujeitos universais

Sujeitos universais nunca apareceram. Mas por quê? Qual o sentido do apego ao tradicionalismo num mundo globalizado?

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Com a globalização, esperava-se universalização de valores nos levasse a uma única identidade.

Caxias do Sul é a maior cidade da Serra Gaúcha. Formada essencialmente por imigrantes italianos e alemães, estes últimos em menor número, apresenta forte vocação industrial. Nos últimos anos, o município recebeu milhares de imigrantes negros, entre eles haitianos, senegaleses e ganeses. Mesmo que a cidade seja a terceira do Estado com o maior número de negros, ainda há um forte preconceito e conservadorismo na população caxiense, que gosta de salientar sua origem europeia.

Recentemente Caxias do Sul apareceu em rede nacional expondo seus preconceitos, com frases como “eles têm que ir embora”, “vão tirar nossos empregos” e “estão trazendo doenças”, o que gerou diversos movimentos internos e em toda a região para combater o racismo e a xenofobia. Aponta-se como principal fator, a cor da pele, porém antes deles, a cidade recebia migrantes de outras partes do país, que já não eram bem vistos, pois ‘não eram trabalhadores como os italianos’. Esses fatores nos levam a repensar a globalização.

Veja também: O que é pós-modernidade?

Stuart Hall, em A Identidade Cultural na Pós-modernidade, afirma que no final do século XX ocorreu um forte ressurgimento do nacionalismo e de outras formas de particularismo ao lado da globalização e a ela intimamente ligado. Para ele, esse processo constitui uma virada bastante inesperada dos acontecimentos. Nada nas perspectivas iluministas modernizantes ou nas ideologias do Ocidente nem o liberalismo nem, na verdade, o marxismo, que, apesar de toda sua oposição ao liberalismo, também viu o capitalismo como o agente involuntário da “modernidade”, previa tal resultado.

O que esperava é que universalização de valores nos levasse a uma única identidade, a sermos sujeitos do mundo. Hall aponta que tanto o liberalismo quanto o marxismo davam a entender que o apego ao local e ao particular dariam gradualmente vez a valores e identidades mais universalistas. O nacionalismo e a etnia seriam vistas como formas arcaicas de apego —a espécie de coisa que seria “dissolvida” pela força revolucionadora da modernidade.

Essa resposta inesperada dos sujeitos locais, quando o processo de imigração é constante e está presente em todos os continentes, nos leva a pensar os fatores que fazem com que o conservadorismo e o apego às tradições imperem. Em Caxias do Sul, especificamente, reina o orgulho da raça branca, pura e trabalhadora. A região é descrita como a Europa do Brasil. Os negros estão presentes em grande número nas comunidades, mas não nas escolas, universidades ou em postos de destaque no mercado de trabalho.

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Em Caxias do Sul, os negros estão presentes em grande número nas comunidades, mas não nas escolas, universidades ou em postos de destaque no mercado de trabalho.

A mídia, que mostra uma reportagem somente com entrevistados racistas e o conservadores, o prefeito que diz que os africanos trazem doenças já erradicas no nosso continente, os agentes da Polícia Federal que ficam surpresos quando descobrem os africanos sabem ler e escrever, os comunicadores locais que criticam diariamente quem atua nos direitos humanos e os demais que ajudam os ‘negros’ e os moradores que evitam sentar ao lado de um africano no ônibus são pontos que fazem com que essas pessoas não sejam vistas como membros da comunidade local e fiquem afastadas do convivo comum. Os postos de trabalhos e condições de moradia aos quais eles são submetidos apontam para uma nova escravidão e, se ninguém lutar por eles, essa escravidão será institucionalizada.

“Os deslocamentos ou os desvios da globalização mostram-se, afinal, mais variados e mais contraditórios do que sugerem seus protagonistas ou seus oponentes. Entretanto, isto também sugere que, embora alimentada, sob muitos aspectos, pelo Ocidente, a globalização pode acabar sendo parte daquele lento e desigual, mas continuado, descentramento do Ocidente.” (Stuart Hall, A Identidade Cultural na Pós-modernidade)

2 Comentários

  1. Tem muita psicanálise aí. O nacionalismo é uma forma identitária, e é inerente ao inconsciente buscar preservar identificações, visto que essas estabilizam desordens. É mais fácil conservar identidades do que construir novas.

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