Serviço ao povo

Se Jesus de Nazaré retornasse à terra, ele seria aconselhado a não fazer sua ‘’estréia’’ em Fort Lauderdale, Florida, Pois provavelmente iria ser detido pelos policiais de lá.

Texto originalmente publicado por Ari Paul no site Jacobin Magazine.

Jacobin 123
Garry Knight / Flickr

Arnold Abbott, de noventa anos, tem ganhado as manchetes após ser preso por estar organizando atos de alimentação para moradores de rua em espaço público na sua cidade. O prefeito da cidade, Jack Seiler, acredita que o mais apropriado para o idoso seria uma sentença de quatro meses, ele conta aos repórteres que Abbott  ‘’decidiu que esses indivíduos não deveria ter nenhuma interação com o governo, que eles deveriam ser simplesmente alimentados nos parques públicos. Nós discordamos.’’

Além da natureza ‘’Davi e Golias’’ do caso, os absurdos de tal injunção são inúmeros. Não seria uma clara Primeira Emenda da liberdade para as pessoas convocar? Poderia um estado que se diz democrático realmente evitar atos de caridade? E como o estado decide quem é sem-teto? Por exemplo, poderia um couch-surfer ser considerado sem abrigo e assim, sob essa lógica grotesca, ser um risco para a segurança pública?

Veja também: Os Estados Unidos e a miséria infantil

Embora possa ser fácil de descartar isso como mais uma ocorrência estranha no famoso ‘’Sunshine State’’, Florida não se reduz a mais um estado insensível dos EUA. Ao redor do país os municípios tem implementado uma variedade de métodos e estatutos para perseguir e criminalizar aqueles que não possuem abrigo: a proibição da mendicância, estabelecendo ‘’qualidade de vida’’, confiscando bens pessoais, jogando ao leu construções em expansão (o que soa um tanto desencorajador), e até mesmo matar um homem por ter acampado no deserto.

O objetivo, claro, é empurrar esses ‘’incoveniente’’ para a periferia ao invés de resolver o problema subjacente. E o problema é de fato terrível: a falta de moradia está em ascensão a nível nacional.

Aproximadamente cinquenta mil pessoas estão sem moradia na cidade de Nova Iorque. O número dos sem-teto em Washington DC deverá aumentar 16% nesse inverno. E em Massachusetts o número disparou em 40% desde 2007. (Uma exceção surpreendente é Utah, onde um governo republicano começou simplesmente a fornecer moradia para os sem abrigo.) Na maioria das vezes, o número das pessoas sem teto aumenta quando pessoas ricas passam a possuir certas áreas, suas riquezas deslocam os locatários que, eventualmente, não podem mais alugar qualquer lugar.

A situação na florida não tem sido nada mais do que esclarecedora. Ela mostra como a miséria não somente é produzida por acidentes e erros do mecanismo do mercado, mas também por uma politica precisamente fria do estado. Austeridade não é um triunfo dos valores de mercado sobre o tão chamado ‘’grande governo’’, mas sim um desvio dos recursos do estado que deveriam prestar serviços as pessoas que passam por necessidade, ao invés disso essas forças atuam contra essas pessoas. Vale-refeição são cortados, no entanto, subvenções federais para os departamentos de polícia continuam fluindo.

Muitas vezes, alguns esquerdistas coíbem-se da ideia de caridade com o fundamento de que se trata de uma suspensão temporária do sofrimento causado pela desigualdade estrutural, um desperdício de tempo e energia e, que seria mais adequado se, de fato, houvesse atitudes que fizessem a sociedade mais justa e igualitária. Caridade também viria a introduzir relações de subordinação: ao invés de afirmar seus direitos à moradia e comida, os que são marginalizados aceitam a caridade alheia.

O assalto da austeridade sobre a caridade é, no entanto, um lembrete de que ela pode ser um ato subversivo. Alivia-se o sofrimento daqueles do lado perdedor do capitalismo, enganando a ‘’ordem natural’’ do Darwinismo Social, Também pode fortalecer os lados entre ativistas e aqueles que procuram por justiça. No entanto, caridade pode ser um meio para se se organizar contra políticas que garantem a desigualdade.

Na verdade, isso é o que motivou parte dos protestos do Occupy Wall Street, especialmente durante as consequências do furacão Sandy. Enquanto algumas pessoas viram os trabalhos de assistências como um provedor de serviços fragmentados, a ideologia do movimento centralizou-se no conceito de oferecer ajuda aos afetados pelo furacão, enquanto o estado falhava em prover assistência.

Um dos objetivos foi criar novos tipos de solidariedade, uma oportunidade para os movimentos que em sua maioria possuía integrantes brancos para se juntar a uma causa comum com comunidades negras de baixa renda, no entanto, outros objetivos eram mais a de acordo com uma visão de organização socialista radical – usando caridade para mostrar o modo como as prioridades do estado estão amarradas às vontades da elite.

Em certo sentido, Abbott, está mostrando um estado que usa a violência contra aqueles que fazem caridade ao invés de resolver um sistema que cria falta de moradia. E as noticias de Ft. Lauderdale não é somente um incidente isolado, como a Rádio Pública Nacional informou, tais leis anti-caridade estão apenas se tornando mais prevalecentes. Os trabalhadores de caridade que estão com mais frequência sendo presos não irão somente provar para o mundo que o capitalismo tem criado crises de falta de moradia, mas que tamanho sofrimento é cuidadosamente e fortemente imposto ao público pelo governo que serve aos poderosos.

É nesse sentido que caridade pode tomar um papel transformador – não simplesmente apaziguando aqueles que necessitam, mas denunciando um sistema que vira as costas para os direitos básicos desses cidadãos. Combater superficialmente ordenanças ”anti-sem-abrigo” e apenas distribuir caridade não será o suficiente. Nós devemos nos organizar para a erradicação das faltas de moradia e da própria fome.

Deixe sua provocação! Comente aqui!