Jair Bolsonaro: o estuprador “civilizado”

Ele é o estuprador "civilizado" na medida em que obedece a regra das sociedade pacificadas de Norbert Elias: evita a violência física e se utiliza de recato e formalidade para destilar seu ódio.

bolsonaro estupradorA fala de Bolsonaro no dia 9 deste mês, em Plenário na Câmara, “fica aí, Maria do Rosário, fica. Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, no Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece. Fica aqui pra ouvir”, revela mais do que um sujeito grosso: ela traz consigo a face do estupro como modus operandi no ato sexual.

Primeiramente, Bolsonaro afirmou algo que não deve ser lido ao pé da letra (assim como todas as coisas): ele disse uma frase que passa pelo cinismo e pela negativa. Se trata de negar algo ruim para afirmar algo pior, mas manter a imagem de que unicamente se negou algo ruim. Segundo Marcia Tiburi, em artigo para a Revista Cult, ao dizer “que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela não merecia ser estuprada ele quis dizer que ela era indesejável e, portanto, “inestuprável”, mas que, caso fosse desejável, então seria estuprável. Logo, ele pretendia ofendê-la pressupondo que ela queria ser “desejável” para um homem e, no caso, ainda mais para um estuprador, mas que não tinha essa sorte, ou melhor, esse merecimento”.

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A piada misógina de Bolsonaro esconde toda o ranço que ele carrega. Na verdade, automaticamente quando se diz que alguém não é estuprada porque não merece, se diz que outras pessoas podem ser estupradas porque merecem. É um jogo simples: há pessoas que não merecem porque não têm qualidades suficientes para serem estupradas, no entanto, existem pessoas que têm qualidade para isso!

Segundo o deputado do Partido Progressista, as pessoas com qualidades merecem ser estupradas. A Maria do Rosário, é interessante ver isso, é uma exceção. Não merecer ser estuprada é uma exceção. A regra é o merecimento, já que o merecimento denota qualidades boas, que elevam a pessoa. A isso, podemos entender uma segunda características, explicitada por Tiburi,

Ao mesmo tempo, é provável que ele quisesse dizer outra coisa. Se fosse menos autoritário e grosseiro talvez tivesse querido dizer simplesmente “sexo”. Mas isso torna a questão ainda pior. O que transparece em seu discurso é que Jair Bolsonaro confunde sexo com estupro e, muito mais, parece fazer questão de confundir. Em sua fala há o famoso grito de quem apela à força (Adorno fala em seu “Elementos de Antisemistismo” sobre o urro dos nazistas). Ora, a palavra sexo causa mal estar entre conservadores. Em vez de falar em sexo, grita-se o estupro.

Estupro não é uma ocasião singular em que um homem, por meio da violência ilegítima, molesta uma outra pessoa. É um fato localizado no universal. A única coisa que pode ser ser vista como algo fora da regra é a ausência do estupro, no discurso do parlamentar.

O estupro é a forma de manter a relação de poder, de reafirmar a vida sob a autoridade fascista. Os fascistas não só calavam, como mandavam falar: o estupro não é só algo ruim, como deve ser interpretado como algo bom, digno, que a pessoa precisa merecer para ter.

“Ele move um imaginário que pode ser aplicado ao próprio Jair Bolsonaro e que vale a pena levar em conta para refletir sobre o cinismo na sua fala que se autonega no ato de se dizer, dizendo para ofender e desdizendo para livrar-se da responsabilidade do que disse”.

Bolsonaro é um estuprador a partir do momento em que por ele o discurso do estupro atravessa e se reproduz na sociedade e que, através dele, as relações de poder que viabilizam o estupro como regra se reforçam. Ele é o estuprador “civilizado” na medida em que obedece a regra das sociedade pacificadas de Norbert Elias: evita a violência física e se utiliza de recato e formalidade para destilar seu ódio.

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