Dor, sofrimento e satisfação em Paul Rée e Arthur Schopenhauer

Arthur Schopenhauer e Paul Rée são considerados filósofos com escritos pessimistas. Como lidam com a dor, o sofrimento e a satisfação? Clique e leia!

Por Jade Suelen, em colaboração com o Colunas Tortas.

Arthur Schopenhauer e Paul Rée são considerados filósofos com escritos pessimistas, pois acreditam que tanto sofrimento quanto a dor fazem parte da existência/essência humana, em que o ser humano é:

O animal malvado por excelência e seus atos estão sempre marcados pelo egoísmo, pelo conformismo, pela inveja e pela vaidade; o amor é um sentimento muito raro e o casamento dura só por uma questão de conveniência e por medo de escândalos; a religião é só um instrumento de controle social e os sacerdotes não passam de simuladores, alguns conscientemente, outros menos; a felicidade é uma ilusão destinada a desaparecer muito em breve e a pior coisa que pode acontecer a quem tem o passatempo de refletir sobre a vida é que tenha tempo para fazê-lo. [1]

schopenhauer
Schopenhauer nasceu em 1788, na Polônia, e morreu em 1860, em Frankfurt, Alemanha.

A partir de sua psicologia empírica (também chamada de experimental), Rée se diferencia de Schopenhauer, na medida em que “não precisa nem de abstratas construções metafísicas, nem de postular alguma força cega e irracional como essência da realidade: para ele é suficiente a observação psicológica” logo, os comportamentos humanos aliados ao ambiente e à história de vida são fatores determinantes para suas observações psicológicas. Mesmo com suas perspectivas diferenciadas, fundem-se quando o desejo ou “o objeto do querer”, que nunca será suprido totalmente, gera caos, angústias, dúvidas e dor.

Segundo o psiquiatra vienense Viktor Frankl, “o sofrimento deixa de ser sofrimento quando ganha sentido” e a importância de sua descoberta para suportar situações dolorosas é o que permite influenciar na capacidade de agir sobre seus efeitos. Já para Gautama Buddha, o sofrimento surge do ato de desejar e de sua libertação. Tais afirmações têm em comum o significado e o desejo, fatores associados à linguagem, como forma de interpretar os fatos, e a satisfação, elemento que se contrapõe à ilusão, assunto tratado na tese de Paul Rée, a respeito da felicidade completa e perfeita que os homens desejam.

Partindo do ponto de vista do significado, o Psicólogo Dan Gilbert explica que pessoas infelizes se encontram nessa condição por causa da maneira que definem a felicidade e Schopenhauer a definiria da seguinte maneira:

Quando o desejo e a satisfação se seguem em intervalos que não são nem demasiados longos nem demasiados curtos, o sofrimento, resultado comum de um e de outro, desce ao mínimo: e essa é a vida mais feliz, visto que existem muitos outros […]. [2]

A temática “vontade” é discutida por Schopenhauer e Rée. O primeiro, a partir da Filosofia da “metafísica da vontade”, enxerga o sujeito sendo a vontade e ela a essência do mundo, e o segundo, do ponto de vista da Psicologia comportamental, observa, por exemplo, através de experiência do comportamento do jumento, que há uma casualidade do “estado do querer”, onde a interação entre o ser e o ambiente é o resultado de seu estímulo:

Por que, então, de todas as coisas, um ato de vontade de um jumento deveria vir a existir sem uma causa? Além disso, o estado do querer, o qual imediatamente precede a excitação dos nervos motores, não é diferente, em princípio, de outros estados – como a antipatia, a preguiça ou o cansaço.

Alguém acreditaria que todos estes estados existem sem uma causa? E, se não se acredita nisso, por que se consideraria que apenas o estado do querer deveria ocorrer sem uma causa suficiente? [3]

A vontade é dor e também a sua causa, porque não haverá satisfação total do desejo. Enquanto não se concretiza, a ilusão e a esperança possibilitam a espera da sensação que o sentimento de felicidade pode proporcionar:

Na alternância entre os desejos saciados e os surgimentos incessantes de outros, a Vontade move-se em uma cadeia de aspirações infinitas que conduzem ao sofrimento, ou senão quando esse desejo for satisfeito logo surge o tédio, a apatia, dor muito pior que o necessitar. [4]

O sofrimento, erroneamente, é entendido como sinal de patologia e não como parte da experiência da existência. A busca pela comodidade mental e física é evidente, no entanto, como entende o psicólogo Rollo May, a vida é o espectro, e o sofrimento parte do que existe. Além disso, diz que a rotulação das experiências, que podem trazer desenvolvimentos, é prejudicial, no sentido de opor-se a processos naturais que trazem crescimentos de teor psicológico.

 Na obra Metafísica do sofrimento do mundo, o autor, Deyve Redyson, realça que a “Pseudo verdade” do mundo e a vivência desta enganam com a não realização completa. Viver é sofrer com a esperança de que os “momentos felizes” sejam constantes, o que, na realidade, não existe: “Somos infelizes porque não possuímos os objetos que desejamos: mas isso é suportável. Somos infelizes porque a posse de nossos desejos não nos torna felizes: e isso é insuportável[5]”. Evitar a dor é impossível, mas, para os filósofos trabalhos, é possível ser menos infeliz. Mesmo não sendo provável ensinar a como ser feliz, é viável reduzir o sofrimento e valorizar pequenos ou grandes momentos de felicidade que estão ligados, segundo Rée, aos estados de ânimos e ao temperamento:

Arthur Schopenhauer, “o filósofo do pessimismo”, percebeu que as injustiças do mundo e as inúmeras tristezas e frustrações que se agigantam sobre a nossa vida frágil e efêmera, não passam de uma grande piada de mau gosto. Para Schopenhauer, cujas idéias certamente influenciaram em muitos aspectos […] Não é de propósito que ele nos frustra. É como se vivêssemos sob a alternância de um pêndulo: de um lado, o tédio, que se aproxima do vazio da vontade, ou da vontade de vazio, que é a própria morte; do outro lado, o desejo, que é a experimentação da falta, ou seja, é a aflição de se querer algo e não se ter.[6]

O sofrimento desperta a consciência sobre os acontecimentos ao redor. A inteligência, aspecto associado ao sofrer, é enxergada, parafraseando Ernest Hemingway, de maneira em que a felicidade se torna rara para seu detentor. É comum observar e ter a sensação de impotência em relação à condição humana, em que a dor surge quando não se tem o poder se mudá-la, de pô-la em ordem:

Este mundo, campo de carnificina onde entes ansiosos e atormentados vivem devorando-se nos aos outros, onde todo o animal carnívoro se torna o túmulo vivo de tantos outros, e passa a vida numa longa séria de martírios, onde a capacidade de sofrer aumenta na proporção da inteligência, e atinge, portanto no homem o mais elevado grau.[7]

Na medida em que aumenta, o conhecimento aprimora a sensibilidade, e seu portador carrega o sofrimento além dos demais: “Por isso, os gênios de uma sensibilidade aguçada tendem ao sofrimento bem mais que os seres do mundo inorgânico[8]”. Fiódor Dostoievski, em Notas do subterrâneo, problematiza que “o sofrimento é a única fonte da consciência”, onde seu amadurecimento permite testemunhar as peculiaridades da existência e do mundo como a injustiça, a morte, o amor e o egoísmo, a fim de solucionar e auxiliar nas suas complexidades.

A satisfação e a necessidade tornam o sujeito refém do desejo. Querer é sofrer, logo, viver é sentir a dor da existência. Sem a inquietude e a incompletude das sensações preenchem a vida, do contrário, como se atestaria o tempo? Ser incompleto é, desde o momento do nascimento, morrer.

Sofre-se com a morte, pois, assim como a vida, ela é uma condição, extremidade da existência, em que tem por fim como única perspectiva, que é gerada de um ininterrupto empenho: “O medo da Morte seria mesmo uma tolice, tendo em vista o valor incerto da vida[9]”.

A morte, musa da filosofia, segundo Schopenhauer, pertence à vida, sendo a filosofia o instrumento para sua preparação. Sua proximidade é incontestável e incontrolável. A vontade de ser imortal é considerada um erro, pois é um fator natural e “a natureza, pelo contrário, que não mente nunca, a natureza, sempre franca e aberta[10]”.

Referências

[1] ↑ FAZIO, Domenico M. A ética na escola de Schopenhauer: O caso de Rée. Revista Ethica, Florianópolis, p. 87-98, 6/2012.

[2] ↑ FAZIO, Domenico M. A ética na escola de Schopenhauer: O caso de Rée. Revista Ethica, Florianópolis, p. 87-98, 6/2012.

[3] ↑ SCHOPENHAUER, Arthur. Dores do mundo.  Tradução J.S. Oliveira. São Paulo: Brasil Editora, 1969.

[4] ↑ SOUSA, Karla Samara S. Principais elementos do pessimismo Schopenhauriano. Revista Lampejo, Paraíba, p. 114-129, 10/2012.

[5] ↑ FAZIO, Domenico M. A ética na escola de Schopenhauer: O caso de Rée. Revista Ethica, Florianópolis, p. 87-98, 6/2012.

[6] ↑ MARTINEZ, Daniela et al. Com a noite na alma: Uma reflexão sobre a noite na vida dos artistasRevista Eclética, São Paulo, p. 71-76, 07-12/2003.

[7] ↑ SCHOPENHAUER, Arthur. Dores do mundo.  Tradução J.S. Oliveira. São Paulo: Brasil Editora, 1969.

[8] ↑ SOUSA, Karla Samara S. Principais elementos do pessimismo Schopenhauriano. Revista Lampejo, Paraíba, p. 114-129, 10/2012.

[9] ↑ SALVIANO, Jarlee. A metafísica da morte de Schopenhauer. Revista Ethica, Florianópolis, p. 187-197, 06/2012.

[10] ↑ SCHOPENHAUER, Arthur. Dores do mundo.  Tradução J.S. Oliveira. São Paulo: Brasil Editora, 1969.

5 Comentários

  1. Pessimista sim, com grande refinamento das ideias de morte, vontade, desejo…Otimo! no caso de Schopenhauer, e Rée complementa de forma psicológica,uma agregação.

Deixe sua provocação! Comente aqui!