David Bloor e o Programa Forte da Sociologia do Conhecimento: princípios básicos

Para os teóricos de Edimburgo, a sociologia podia ir além de pesquisas institucionais, avançando na explicação sobre a produção conhecimento. clique e veja!

Da série “Sociologia do Conhecimento“.

David Bloor
David Bloor (28 de junho de 1942 – )

Após o lançamento de As duas culturas, ensaio de 1959, escrito pelo físico e escritor C. P. Snow, houve um grande debate na Grã-Bretanha sobre a excessiva especialização disciplinar nos centros acadêmicos. No texto, o autor criticou o distanciamento dos cientistas com relação aos pensadores ligados à literatura e às humanidade. Alguns anos depois, instituiu-se nas ilhas britânicas uma política de expansão das universidades motivada, entre outras coisas, pela discussão sobre a interdisciplinaridade.

Em 1966 foi formado o Sciences Studies Unit, departamento dentro da Universidade de Edimburgo, Escócia, voltado para realizar estudos interdisciplinares sobre a atividade científica; para desenvolver um programa de ensino e pesquisa sobre os aspectos sociais da ciência. Poucos anos depois, começou a se constituir nesse centro acadêmico um grupo de estudiosos provenientes de amplo espectro das Ciências Sociais e que partilhavam, acima de tudo, de um interesse pelos problemas de conteúdo filosófico e epistemológico do conhecimento científico. Entre os principais expoentes, direta ou indiretamente associados, estavam Steve Shapin (historiador), Barry Barnes (sociólogo com formação em ciências naturais) e David Bloor (psicólogo e filósofo).

Num primeiro momento, o centro de estudos não tinha uma abordagem delimitada ou uma diretriz clara sobre o que investigar e de que forma. Não havia metas comuns para os membros, o trabalho tinha natureza experimental. Aos poucos, influenciadas por nomes como Mary Hesse, Imre Lakatos e Thomas Kuhn, as linhas de pesquisa foram se estruturando. Um novo jeito de pensar a ciência estava sendo gestado nas experiências do grupo: o Programa Forte em Sociologia do Conhecimento.

Também chamada de Escola de Edimburgo, a equipe interdisciplinar procurava um contraponto à grande referencia de pesquisa e de produção teórica sobre o conhecimento científico: a sociologia da ciência do sociólogo estadunidense Robert Merton. Os estudiosos que seguiam essa linha teórica se debruçavam sobre a ciência enquanto instituição, como parte de um corpo de valores e normas organizadas. O conteúdo das teorias não era investigado.

Para os teóricos de Edimburgo, a sociologia podia ir além das pesquisas meramente institucionais, avançando na explicação sobre a produção do próprio conhecimento, atingindo o cerne da atividade científica. Para isso, o grupo constituiu um conjunto de ideias e de pressupostos metodológicos que redefiniu o papel do contexto social na explicação do problema do conhecimento. A proposição radical que estes autores fizeram é a de que o sociólogo deve investigar o conhecimento científico do mesmo modo que formula e desenvolve hipóteses para explicar as origens sociais das ideologias políticas ou as raízes das crenças religiosas. Portanto, mesmo as hard sciences, como a física e a matemática, poderiam ser estudadas a partir de seu núcleo de produção.

O conhecimento científico, então, deixa de ser concebido como resultado de um processo cognitivo próprio, isento de influências sociais, para ser visto como uma prática social. Por conta dessa abordagem, o conjunto teórico ficou conhecido como Programa Forte. A noção de forte surgiu exatamente porque a perspectiva metodológica visava superar a inibição típica dos sociólogos frente às hard sciences. Até então, as investigações sociológicas centravam-se na organização institucional dos cientistas e na história das inovações científicas. Avaliar ou refletir sobre o conteúdo científico era tarefa da filosofia da ciência. Havia essa divisão de trabalho.

Seria de esperar que a tendência natural de uma disciplina como a sociologia do conhecimento fosse a de expandir-se e generalizar-se: passar de estudos sobre as cosmologias primitivas aos da nossa própria cultura. Esse é, precisamente, o passo que os sociólogos têm se mostrado relutantes em dar. Ademais, a sociologia do conhecimento poderia ter insistido mais em fixar-se na área ocupada hoje por filósofos, aos quais se admite tomarem para si a tarefa de definir a natureza do conhecimento. Os sociólogos foram, na verdade muito ávidos em limitar suas preocupações com a ciência ao quadro institucional e aos fatores externos relacionados ao ritmo ou à direção de seu crescimento. Isso deixa intocada a natureza de um conhecimento assim criado.[1]

Escola Forte de Edimburgo.
Escola Forte de Edimburgo.

Os estudos desses pesquisadores de Edimburgo procuraram mostrar a relação existente entre o conhecimento científico e a ordem social, sendo a teoria científica o reflexo das estruturas social, econômica e política. David Bloor, em seu livro de 1976, Conhecimento e imaginário social, propôs os seguintes princípios para a abordagem da sociologia do conhecimento:

  1. Ela deverá ser causal, ou seja, interessada nas condições que ocasionam as crenças ou os estados de conhecimento. Naturalmente, haverá outros tipos de causas além das sociais que contribuirão para a produção da crença.
  2. Ela deverá ser imparcial com respeito à verdade e à falsidade, racionalidade e irracionalidade, sucesso ou fracasso. Ambos os lados dessas dicotomias irão requerer explicação.
  3. Ela deverá ser simétrica em seu estilo de explicação. Os mesmos tipos de causa deverão explicar, digamos, crenças verdadeiras e falsas.
  4. Ela deverá ser reflexiva. Seus padrões de explicação terão que ser aplicáveis, a princípio, à própria sociologia. Assim como condição a condição de simetria, essa é uma resposta à necessidade da busca por explicações gerais. É uma óbvia condição de princípio, pois, de outro modo, a Sociologia seria uma constante refutação de suas próprias teorias[2].

Para Bloor, esses quatro princípios (causalidade, imparcialidade, simetria e reflexividade) definem o Programa Forte na sociologia do conhecimento e são um amálgama de traços teóricos encontrados em Durkheim, Mannheim e Znaniecki.

A primeira afirmação diz respeito ao conhecimento dos contextos e das condições, das causas sociais, que permitem o surgimento das crenças científicas ou os estados de conhecimento. “Esse princípio se opõe frontalmente a explicações que acionem a racionalidade – seja ela baseada em métodos ou princípios lógicos – como fator explicativo para as teorias científicas bem-sucedidas, na medida em que pressupõe que são causas sociais e não princípios de racionalidade que determinam a credibilidade das teorias”[3].

A assertiva de Bloor destaca também que o princípio da causalidade considera fatores distintos aos que normalmente estão associados à filosofia da ciência para explicar os processos de geração e validação do conhecimento científico. Portanto, o social constitui toda a forma de conhecimento, incluindo o científico, devendo ser considerado como crença convencionada.

Sobre a imparcialidade, a sociologia do conhecimento não tem como objetivo estabelecer a verdade ou a falsidade do conhecimento, mas explicar as condições e processos de sua produção. A explicação sociológica das crenças deve ser simétrica. O estilo da explicação do sociólogo deve ser o mesmo tanto para o conhecimento julgado válido, quanto para o conhecimento julgado inválido. As teorias bem-sucedidas, assim como aquelas que falharam, são passíveis de serem explicadas por causas sociais.

Por fim, a reflexividade destaca que os modelos devem ser aplicados à sociologia. De acordo com os princípios epistemológicos que presidem sua análise, suas conclusões também devem ser submetidas ao mesmo escrutínio de suas ferramentas conceituais. Uma disciplina que propõe a explicação do conhecimento por meio de suas variáveis sociais deve entender que essas variáveis influenciam a própria produção sociológica.

O que está em jogo, então, nesses princípios programáticos? Eles sintetizam, fundamentalmente, uma preocupação em formular uma sociologia da ciência unicamente descritiva, isto é, que se negue a formular qualquer prescrição sobre como deve ser realizada a atividade científica. Nesse sentido, Bloor e seus companheiros de Edimburgo se opõem às filosofias da ciência normativas na medida em que estas tentam legislar sobre a atividade científica, ao invés de assumirem uma postura de neutralidade e tentarem descrevê-la em sua dinâmica sócio-histórica. Dito de outro modo, enquanto que muitos filósofos da ciência procuraram formular regras e princípios universais para a prática científica, ou seja, princípios extra-sociais, Bloor acredita que não existam esses princípios. As teorias científicas não são retidas por serem explicações da realidade mais fidedignas que as anteriores, mas devido a causas sociais que lhes conferem credibilidade. Assim, para compreender a dinâmica científica, deve-se tentar entender que causas são estas[4].

Referências

[1] BLOOR, David. Conhecimento e imaginário social. São Paulo: UNESP, 2009. p.16.

[2] BLOOR, David. Conhecimento e imaginário social. São Paulo: UNESP, 2009. p.21.

[3] DUARTE, Tiago Ribeiro. O Programa Forte e a Busca de uma Explicação Sociológica das Teorias Científicas: Constituição, Propostas e Impasses. (Dissertação de mestrado). Belo Horizonte: UFMG, 2007. p.44.

[4] DUARTE, Tiago Ribeiro. O Programa Forte e a Busca de uma Explicação Sociológica das Teorias Científicas: Constituição, Propostas e Impasses. (Dissertação de mestrado). Belo Horizonte: UFMG, 2007. p.48.

1 Comentários

  1. Uma coisa que me passou na cabeça a ao ler isto
    VERDADE – AQUILO QUE SATISFAZ DETERMINADO MÉTODO SE O MÉTODO MUDA A VERDADE MUDA

    Bem interessante o texto

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