Livro da Semana: O homem perante a natureza (Pensamentos) – Blaise Pascal

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Entro em pânico todas as vezes que eu vejo a cegueira e a miséria do homem, sem luz, abandonado a si mesmo, perdido neste canto do universo, sem saber quem aqui o colocou, o que vai fazer e o que acontecerá quando morrer.

Blaise Pascal, nascido em Clermont-Ferrand, 19 de junho de 1623 — Paris, 19 de agosto de 1662 foi um físico, matemático, filósofo moralista e teólogo francês. Contribuiu profundamente com a aritmética e problemas envolvendo a probabilidade, estimulado por seu amigo Antoine Goumbaud, trabalhando conjuntamente com Pierre de Fermat em cálculos probabilísticos e lançando as bases para o nascimento do cálculo.[1]

Em honra de suas contribuições científicas, o nome Pascal foi dado à unidade SI de pressão, a uma linguagem de programação, à lei de Pascal (um importante princípio da hidrostática), e o triângulo de Pascal e a aposta de Pascal ainda levam o seu nome.Logo aos 17 anos mostrou talento para as ciências e para a matemática em seu ensaio sobre os cones, bem como posteriormente com o desenvolvimento da Lei de Pascal, ou com algumas de várias invenções, como uma precursora da calculadora e carrinhos de mão. Aos 31 anos de idade, pouco depois de um acidente de carruagem em Paris, Pascal converteu-se ao cristianismo, por mais que não tenha se aproximado tanto da igreja enquanto instituição. Chegou a afirmar que “sem Jesus Cristo, o homem permanece no vício e na miséria. Com Jesus Cristo, o homem está imune ao vício e à miséria”. Produziu um livro intitulado “Pensamentos”, em uma tentativa de expor sua metafísica e de influenciar os céticos ao cristianismo. Como acontece com todos os gênios, seu argumento aproxima-se de muitas outras vias que foram desenvolvidas com o seguimento dos séculos, como a metafísica, o existencialismo, dentre outras formas de pensar que partiam da condição humana, mesmo que chegassem a conclusões diferentes.

“O Homem Perante a Natureza” é parte dessa obra. Nele, Pascal analisa as relações do homem com o seu exterior. O início do argumento fala sobre o princípio básico de qualquer análise sobre o ser: o corpo, enquanto matéria. Mas o que seria essa matéria, e como contextualizá-la em planos mais complexos? Pascal diz que devemos considerar “esta brilhante luz colocada acima dele como uma lâmpada eterna para iluminar o universo, e que a Terra lhe apareça como um ponto na órbita ampla deste astro e maravilhe-se de ver que essa amplitude não passa de um ponto insignificante na rota dos outros astros que se espalham pelo firmamento. E se nossa vista aí se detém, que nossa imaginação não pare; mais rapidamente se cansará ela de conceber, que a natureza de revelar. Todo esse mundo visível é apenas um traço perceptível na amplidão da natureza, que nem sequer nos é dado a conhecer de um modo vago. Por mais que ampliemos as nossas concepções e as projetemos além de espaços imagináveis, concebemos tão somente átomos em comparação com a realidade das coisas.” [2]

O homem, então, deve considerar o que ele é diante de tudo que existe. Ou seja, Pascal antecipou por séculos o argumento ético desenvolvido depois por expoentes do pensamento científico com um viés humanista, como Carl Sagan. O que é o homem diante do infinito? [3]

A condição humana é colocada em dicotomia: ele tanto pode ser como não ser. Aproxima-se, nesse sentido, ao que séculos mais tarde G.K. Chesterton chamou de característica do cristianismo: Abraçar paradoxos. Dessa forma, Pascal complementa seu início de argumentação “ao estilo Sagan” a um modo chestertoniano: Se o homem é nada em relação ao infinito, é tudo em relação ao nada. O homem é este ponto intermediário entre o tudo e o nada e lhe é impossível ao homem conhecer a verdade, pois esta exige o conhecimento dos dois extremos.

Nesse contexto, o “eu” seria um “tirano”, por tentar colocar a identidade individual como centro do universo. Deslocaria o ser da sociedade e também da natureza. Num contexto de deslocamento e insignificância diante da imensidão, o que resta para salvar o pouco que somos? Para Pascal, apenas a aproximação da fé cristã poderia trazer ao homem a paz de espírito e a virtude. Os tempos, se não falsearam a hipótese, no mínimo nos mostraram outras formas de alcançar ética e felicidade. De qualquer forma, Pascal é um dos gigantes da história mundial e muito do que descobrimos caminha de mãos dadas com o que ele fez. Leitura recomendada para descobrirmos profundidades em coisas que pareciam não existir, para entender melhor uma época, um modo de pensar. Ou, quem sabe, o argumento de Pascal funcione com você e você decida pela aposta? [4]

Para baixar o O homem perante a natureza, clique aqui.

Referências e leituras complementares

[1] Para mais informações sobre esse assunto, são recomendadas as seguintes leituras introdutórias:

  • The Unfinished Game: Pascal, Fermat, and the Seventeenth-Century Letter that Made the World Modern;
  • Pascal em 90 Minutos;
  • Fermat em 90 Minutos;

[2] PASCAL, 1670, p. 1

[3] “Olhem de novo esse ponto. É aqui, é a nossa casa, somos nós. Nele, todos a quem ama, todos a quem conhece, qualquer um sobre quem você ouviu falar, cada ser humano que já existiu, viveram as suas vidas. O conjunto da nossa alegria e nosso sofrimento, milhares de religiões, ideologias e doutrinas econômicas confiantes, cada caçador e coletor, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada rei e camponês, cada jovem casal de namorados, cada mãe e pai, criança cheia de esperança, inventor e explorador, cada professor de ética, cada político corrupto, cada “superestrela”, cada “líder supremo”, cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu ali – em um grão de pó suspenso num raio de sol.

A Terra é um cenário muito pequeno numa vasta arena cósmica. Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, na sua glória e triunfo, pudessem ser senhores momentâneos de uma fração de um ponto. Pense nas crueldades sem fim infligidas pelos moradores de um canto deste pixel aos praticamente indistinguíveis moradores de algum outro canto, quão frequentes seus desentendimentos, quão ávidos de matar uns aos outros, quão veementes os seus ódios.

As nossas posturas, a nossa suposta autoimportância, a ilusão de termos qualquer posição de privilégio no Universo, são desafiadas por este pontinho de luz pálida. O nosso planeta é um grão solitário na imensa escuridão cósmica que nos cerca. Na nossa obscuridade, em toda esta vastidão, não há indícios de que vá chegar ajuda de outro lugar para nos salvar de nós próprios.

A Terra é o único mundo conhecido, até hoje, que abriga vida. Não há outro lugar, pelo menos no futuro próximo, para onde a nossa espécie possa emigrar. Visitar, sim. Assentar-se, ainda não. Gostemos ou não, a Terra é onde temos de ficar por enquanto.

Já foi dito que astronomia é uma experiência de humildade e criadora de caráter. Não há, talvez, melhor demonstração da tola presunção humana do que esta imagem distante do nosso minúsculo mundo. Para mim, destaca a nossa responsabilidade de sermos mais amáveis uns com os outros, e para preservarmos e protegermos o “pálido ponto azul”, o único lar que conhecemos até hoje.” (Carl Sagan)

[4] Leia sobre a aposta de Pascal aqui. E uma crítica a ela aqui.

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