Marxismo e Karl Marx: história, biografia e conceitos

Índice

  1. Marxismo em gestação
  2. Os desenvolvimentos de Marx
  3. A organização política de Marx
  4. O princípio materialista
  5. Ideologia
  6. De volta à organização política
  7. Marx e O Capital
    1. A teoria do valor
    2. O dinheiro
    3. Mais-Valia
  8. Referências
  9. Anexo

O Marxismo: a teoria de Karl Marx [a]

Marx fundou uma nova ciência: a ciência da história. Vou ilustrar isso. As ciências com as quais somos familiares têm seus alicerces em alguns “continentes”. Antes de Marx, dois desses continentes haviam sido abertos ao conhecimento científico: o continente da matemática e o continente da física. O primeiro pelos gregos (Tales), o segundo por Galileu. Marx abriu um terceiro continente ao conhecimento científico: o continente da história.

[Louis Althusser, A Filosofia Como Uma Arma Revolucionária]

Karl Marx nasceu em uma família de rabinos em 1818 na cidade de Tréveris, na Alemanha. Naquele momento, judeus não podiam exercer uma série de profissões, assim, seu pai se viu forçado a se converter ao luteranismo para advogar formalmente. Quando jovem, frequentava o Ginásio de Trèves, terminando o curso de língua alemã com uma curiosa dissertação[1].

Duas ideias foram desenvolvidas na dissertação, que deveria ter como tema “reflexões de um jovem a propósito da escolha de uma profissão”, e acompanharam Marx pelo restante de sua vida e no desenvolvimento daquilo que viria a ser o marxismo: 1) o homem feliz é aquele que faz os outros homens felizes, sendo assim, a melhor profissão é aquela “que proporciona ao homem a oportunidade de trabalhar pela felicidade do maior número de pessoas, isto é, pela humanidade”[2]; 2) na vida, há obstáculos que impedem as pessoas de viverem a vida com total controle sobre seus destinos.

Podemos entender os dois movimentos básicos das ideias acima desenvolvidas: um movimento de expansão, de solidariedade, que coloca no homem feliz a necessidade de participar da vida em sociedade o máximo possível; e um movimento de contração, de limite, pois o homem não pode ser feliz com tanta simplicidade, já que há partes da vida das pessoas que se desenvolvem sem seu controle, com obstáculos e dificuldades que aparecem sem sua vontade.

Em 1835, decidiu cursar direito na Universidade de Bonn e de 1838 a 1840 trabalhou em sua tese de doutorado, tendo em vista a possibilidade de se tornar professor, a terminou e entregou à Universidade de Jena. Porém, obedecendo a segunda ideia desenvolvida em Trèves, Marx não conseguiu seu posto universitário: na época, os associados ao grupo dos Hegelianos de Esquerda foram perseguidos por Frederico Guilherme IV da Prússia. Bruno Bauer, hegeliano de esquerda e amigo de Karl Marx, foi proibido de continuar lecionando em Bonn, Ludwig Feuerbach foi retirado de sua cadeira universitário e, mais tarde, impedido novamente de lecionar, por sua vez, Marx não conseguiu nenhum cargo de professor e se viu direcionado à vida do jornalismo[3][4].


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Marxismo em gestação: Karl Marx como jornalista

Em 1842, Karl Marx era noivo e desempregado. Sem dinheiro para sustentar uma família e sem perspectiva de exprimir suas ideias numa cátedra universitária, Marx decidiu publicar suas ideias como jornalista. Seu amigo Arnold Ruge era editor da revista Anais Alemães e aceitou o primeiro artigo de Marx que foi imediatamente censurado. Ironicamente, o texto era de tom contrário à censura.

Karl Marx também escreveu para a Gazeta Renana, de Colônia, na Prússia, e voltou a discutir a liberdade de imprensa, mas sob termos que guardavam o germe do marxismo em gestação. Segundo Marx, “a liberdade número um para a imprensa consiste em não ser ela uma indústria”[5]. Enquanto alguns deputados liberais da região do Reno haviam feito oposição ao fortalecimento da censura, não admitiam a possibilidade de eliminar sua atuação enquanto indústria. Para Marx, o que retira da imprensa a capacidade de informar com objetividade e criticar com independência é justamente o fato dela ter de ser comercializada. É o comércio da imprensa que a torna ilusória, mentirosa e covarde.

Por isso, Marx escreveu que aqueles deputados liberais, que haviam defendido a liberdade de imprensa como “uma liberdade comercial qualquer”, tinham acabado por defender a liberdade de imprensa tal como a corda “defende” o pescoço do enforcado.[6]

Ou seja, quando inserida no comércio de informações, a imprensa se vê refém da demanda e de seus patrocinadores e influenciadores. Ela fica presa numa rede de relações necessárias a sua existência no mercado capitalista, porém, essa existência retira a chance de produzir uma crítica independente e informar com objetividade qualquer tipo de notícia. A permanência da imprensa no mercado tem como exigência a crítica e a objetividade dependentes da esfera econômica e suas leis e influências.

Em outubro de 1843, Karl Marx se mudou para Paris, onde planejou com Ruge a abertura de uma nova publicação, os Anais Franco-Alemães, e escreveu uma Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel,

na qual mostrava que as considerações teóricas de Hegel sobre o direito eram inócuas, porque não indicavam os meios práticos, materiais e sociais capazes de levar à efetiva superação dos problemas humanos que elas abordavam.[7]

Para Marx, o poder que se realiza através da matéria só pode ser vencido por um outro poder que também se realiza na matéria e a teoria se transforma em força material justamente quando se apodera das massas[8] e são somente as massas proletárias capazes de promover uma mudança da ordem social, econômica e jurídica.

A filosofia pôs a nu a desumanidade do mundo presente. Feuerbach mostrou que a religião é uma solução ilusória, uma alienação. No entanto, a filosofia se mostrou impotente para, por si mesma, superar a desumanidade e acabar com a alienação. Marx chegou à conclusão de que a filosofia precisava dispor de uma arma material capaz de fazer prevalecer, prática e socialmente, o ideal de humanismo.[9]

A arma, nas condições da sociedade atual, diz Marx, é o proletariado.

A primeira e única edição dos Anais Franco-Alemães foi lançado em 1844 e foi logo suspensa devido as dificuldades com a sua difusão clandestina na Alemanha e de divergências de Marx com Ruge[10]. A edição contava com a Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel e também seu trabalho Sobre a questão judaica. O mote deste foi o artigo de Bruno Bauer sobre a questão judaica, em que o autor reclama do egoísmo judaico em reivindicar somente a liberdade religiosa com vistas na prática do judaísmo tradicional. Como judeus são homens, parte da humanidade, não deveriam se limitar à busca pela sua liberdade religiosa, mas deveriam lutar pela libertação política do gênero humano.

Essa libertação política deve ser entendida como uma libertação através da criação de leis. De uma libertação que depende das leis estabelecidas para a sociedade. Marx, por seu turno, se interessou pela crítica, mas a achou ainda rasa. A libertação política não pode ser confundida com a emancipação humana, já que esta só será alcançada com a mudança das leis, mas também com a transformação do sistema social de produção e distribuição de riquezas. A liberdade política, portanto, depende da liberdade econômica, o que já poderia ser visto em suas críticas à forma de mercadoria que a imprensa adquire quando comercializada.

“O ser humano só será verdadeira livre quando todos os homens puderem desenvolver uma atividade criadora que não esteja sujeita às pressões deformadoras da propriedade privada e do dinheiro”[11], assinala Konder, explicando o pensando de Marx. Aqui, ele já carregava o interesse pela economia que será marca do marxismo.

Judaísmo e cristianismo são religiões impotentes em combater a exploração do homem pelo homem e ambas são frutos da sociedade dividida em classes. São, em geral, o grito de desespero contra uma sociedade insatisfatória que é dada aos homens. Entretanto, são impotentes na hora de guiar os homens na luta pela superação das instituições baseadas na propriedade privada. “Por isso, as religiões funcionam como o ópio do povo, pregando o conformismo e a resignação”[12].

As religiões funcionam como o ópio do povo, entretanto não são o ópio do povo, isso porque a religião pertence a um período histórico e tem uma função que a sociedade da época acaba lhe reservando. As religiões vigentes no bojo do capitalismo funcionam como o ópio do povo porque retiram o poder de rebeldia das massas lhes dando esperanças de um mundo melhor no pós-vida, no entanto, a ilusão que a religião impõe aos homens reflete as condições do próprio mundo que tornou essas ilusões necessárias. Acabar com o ópio do povo envolve acabar com as condições que tornaram necessário o funcionamento da religião como agente de conformidade das massas.

Enquanto Bruno Bauer acreditava que a superação de todas religiões seria atingida com leis que tornassem todos os homens iguais e garantissem a liberdade política dos cidadãos, Marx assumia a necessidade de atingir a estrutura social e econômica da sociedade.

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Os desenvolvimento de Marx e a teoria marxista na economia

A filosofia alemã foi o início dos estudos de Karl Marx, que passou para a economia política inglesa. Marx decidiu analisar minuciosamente o sistema capitalista crescente no país. Para isso, anotou suas ideias em folhas soltas que mais tarde seriam publicadas sob o nome de Manuscritos econômico-filosóficos de 1844. Nesses manuscritos, Marx deu desenvolvimento a sua teoria da alienação, parte integrante da teoria marxista presente na juventude do filósofo.

Segundo Marx, apesar de também trabalharem e produzirem, os animais não humanos só o fazem para atender necessidades imediatas , “os animais nunca podem ser livres ao trabalhar, pois a atividade deles é determinada unicamente pelo instinto ou pela experiência limitada que podem ter”[13]. Os homens podem planejar, podem projetar aquilo que querem fazer e, a partir disso, conceber caminhos diferentes para sua realização. Podem escolher livremente o caminho que melhor lhes aprouver e segui-lo.

É o livre desenvolvimento do trabalho criativo que parece, para o Marx da primeira metade da década de 1840, ser a chave à emancipação humana, mas o filósofo percebe que o trabalho humano assume formas desumanas: os trabalhadores que produzem bens necessários à vida não se realizam em suas atividades. Na indústria moderna do capitalismo, o trabalho é odiado pelos trabalhadores, que o encaram como uma atividade imposta, imbecilizante e opressora.

O capitalista é dono dos meios de produção e os trabalhadores nada possuem, a não ser sua própria força de trabalho, que se torna mercadoria comprada por um salário. Para trabalhar (e ter um sustento), o trabalhadores se veem forçados a vender sua força de trabalho ao capitalista. Evidentemente, essa venda se dá num contexto vantajoso para o capitalismo e desvantajoso para o trabalhador, que tem muito mais urgência em garantir o sustento que o capitalista em encontrar um funcionário para dar lucro a sua empresa.

Marx chamou de alienação do trabalho precisamente esse fenômeno pelo qual o trabalhador, desenvolvendo a sua atividade criadora em condições que lhe são impostas pela divisão da sociedade de classes, é sacrificado ao produto do trabalho. Para Marx, os regimes baseados na propriedade privada dos meios de produção – sobretudo o capitalismo – tendem a transformar o homem num mero meio para a produção da riqueza particular (simbolizada pelo dinheiro).[14]

O produto não é mais criado livremente pelo produtor, que está preso numa inversão: ele que depende das exigências do produto, representado pelo mercado capitalista em que será vendido.

A divisão da sociedade em classes também distancia o capitalista da experiência cotidiana do trabalho produtivo, impedindo que reconheça as potencialidades criadoras do ser humano. A alienação afeta os indivíduos da classe dominante em sua maneira de pensar, de ser e de compreender o mundo e como são a classe que domina um dado período histórico, utilizam-se de instituições e símbolos para tornar universal sua visão particular. Essa visão, sem dúvida, serve para justificar a ordem social que lhes é vantajosa. Mas a própria criação dos capitalistas, as instituições e símbolos que garantem uma certa justificativa para o mundo em que vivem, também adquire um caráter estranho, certa vida própria através da alienação desenvolvida entre ela e o capitalista.

Para ter um exemplo dessa alienação dos capitalistas basta pensar no mercado capitalista. Os capitalistas criaram o mercado para a venda de seus produtos. Como, porém, estão divididos e competem uns contra os outros, os capitalistas jamais conseguem controlar o mercado em conjunto: este fica sujeito a movimentos surpreendentes e desequilibrados, capazes de levar qualquer capitalista individual à falência.[15]

Por isso o mercado é tratado como uma entidade produzida sem qualquer intenção humana. Como uma realidade já posta que o capitalista precisa viver sempre pressupondo sua eterna existência.

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A organização política de Marx

Os Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 foram a última amostra do pensamento de Marx sem a presença de seu companheiro de vida Friedrich Engels. Depois que este iniciou suas contribuições para a Gazeta Renana, em 1842 se encontrou com Marx em Colônia, mas somente em 1844, em Paris, estreitaram os laços de amizade e de trajetória intelectual.

Em sua vida na França, Marx foi convidado para entrar em diversas associações comunistas, mas sempre de caráter intempestivo e conspiratório. Para Marx, era necessário organizar a classe trabalhadora e unir os revolucionários em torno de posições justas para os interesses da classe. Com a morte dos socialistas utópicos de maior prestígio, como Saint Simon em 1825 e Charles Fourier em 1837, seus discípulos continuaram trabalhando em suas posições, porém todos fora do campo de entendimento que Marx gostaria de dialogar. Enquanto os primeiros era demasiadamente apóstolos de seu mestre, os segundos estavam preocupados demais com a organização dos falanstérios e com questões irrelevantes do ponto de vista político e econômico.

Por sua vez, na ativa do movimento operário, Louis Blanc liderava um grupo que não queria se incompatibilizar definitivamente com a burguesia. Para ele, mudanças graduais, através da participação da política institucional, seriam possíveis com habilidade do proletariado e, assim, conseguiriam convencer a classe dominante a aceitar uma ordem social mais humana.

Mikhail Bakunin, anarquista russo, transitava por posições ora confusas, ora variáveis que não podiam ser sintetizadas em um programa coerente. Ainda no campo anarquista, Joseph Proudhon era adepto de reformas econômicas “racionais”, pacíficas, além de ser hostil às agitações comunistas e não ter participação regular em atividades políticas. Por fim, Etienne Cabet tinha aderido ao comunismo após a leitura da Utopia, de Thomas Morus, o que, segundo Marx, era uma atitude ingênua.

Karl Marx não conseguia estabelecer com nenhum deles um diálogo frutífero e viu em Engels o único parceiro revolucionário disposto a esta empresa. Já em 1844, escreveram em parceria A Sagrada Família, direcionando críticas a Bruno Bauer, que depois de ser impedido de lecionar em Bonn, construiu um grupo de seguidores em torno da revista Gazeta Literária Geral, onde ridicularizava os esforços revolucionários da época e professava aversão às massas.

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O princípio materialista no marxismo

Como Karl Marx viveu num clima de profundo respeito e estudo da obra de Friedrich Hegel, seu pensamento precisava passar pelo idealista de um jeito ou de outro. Para Hegel, em oposição à metafísica vigente, o movimento é central na vida e ele carrega em seu bojo a contradição.

Os filósofos metafísicos procuravam primeiro analisar cada ser e cada coisa, separadamente, para depois tratar de levar em conta as relações entre os seres, entre as coisas. Hegel, todavia, com seu método dialético, ensinou que os seres e as coisas existem em permanente mudança, entrosados um com os outros, e que só é possível entendê-los se desde o início forem devidamente consideradas as suas ligações recíprocas.[16]

Para Bruno Bauer e seus apoiadores, Marx havia considerado a classe trabalhadora como a classe dos deuses, ao atribuir-lhe um papel, para eles, messiânico. Marx, utilizando a dialética como frente de suas análises, entendia que a classe trabalhadora não deveria ser vista isoladamente, mas em suas relações recíprocas com a classe capitalista. Apesar de suas debilidades momentâneas, era essa a classe em posição de iniciar uma grande transformação social, devido a sua posição na sociedade capitalista.

Além de defender sua posição, Marx também atacou Bruno Bauer e seus colaboradores. Para Marx, Bauer não conseguiu se desvencilhar do ponto já superado da filosofia hegeliana, que é seu aspecto especulativo, que lhe faz ser idealista. Por serem filósofos de gabinete, não entendiam as consequências práticas do método dialético.

O aspecto idealista também pode ser visto na visão de Bauer sobre a humanidade: para o autor, a evolução da humanidade é projeto acabado e projetado na consciência divina. Sendo um plano racionalmente perfeito, a história passaria a ser somente uma forma de demonstrar sua indefectibilidade. Ele achava que, numa postura contemplativa, se encontrasse o plano perfeito de Deus e o informasse às elites, o mundo entraria em harmonia. No exato oposto de sua conclusão, Marx rebatia: um conjunto de ideias não pode superar um estado de coisas, no máximo, pode superar as ideias desse estado de coisas. Para uma superação a nível material, é necessário que os homens ajam.

Novamente, por ser um funcionário de escritório, um filósofo de gabinete, Bauer considerava que a única atividade humana criadora e realmente produtiva era o pensamento, mas Marx acreditava que o pensamento precisava da prática, de um uso social para provar sua eficácia (necessidade explícita nas Teses contra Feuerbach, lançadas em 1845).

Enquanto o idealismo tem como proposta a mudança do mundo através da transformação interior dos espíritos das elites, a linha filosófica materialista sempre indicou que há circunstâncias externas aos indivíduos que delimitam seu campo de ação, sendo necessário transformar as circunstâncias para sonhar com um mundo diferente.

Já em Bruxelas, para onde se mudou após ser expulso de Paris em 1845 devido a pressão do incomodado Frederico Guilherme IV, Marx continuou seus desenvolvimentos acerca do materialismo. Ele considerava que os materialistas de até então não haviam compreendido o processo do conhecimento. O homem, na teoria materialista da época, era descrito como uma máquina pronta para registrar todas as impressões externas. Como entendiam que o ser humano era primeiramente um ser biológico, não um ser social, concebiam a formação da consciência numa dinâmica mecânica, “na qual os indivíduos apareciam como meros produtos do meio[17].

Marx inseriu um componente ativo na visão materialista: as circunstâncias externas formam o homem assim como o homem as transforma. Ele não é passivo neste processo, mas sim intervém ativamente na realidade. Desta forma, o componente prático não pode ser descartado na descrição do processo de conhecimento do homem, pois este curso envolve 1) a transformação do mundo pelo homem e 2) a transformação homem por ele mesmo. Interpretar o mundo é uma tarefa anterior ao trabalho mais importante de modificá-lo.

Se a modificação do mundo é tarefa de primeira importância, sendo possível na concepção do processo do conhecimento elaborada por Marx, ele não ficava satisfeito, enquanto comunista, com teorias que não tivessem ligação com a prática. Os comunistas modernos não podiam 1) admitir teorias sem prática declarada e 2) assumir uma postura passiva, sem qualquer autonomia ao pensamento, considerando que ele se desenvolve unicamente como produto das condições exteriores.

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Ideologia em Marx

Marx iniciou a construção de um materialismo prático através da crítica à ideologia, que resultou no livro A Ideologia Alemã, redigido em 1846. A ideologia é constituída de todas as formas de representar a vida que os indivíduos assumem num dado momento histórico. Eles planejam como viver a vida, como encará-la, têm objetivos e esperanças perante a própria existência e perante a sociedade.

Para Engels e Marx, entender a ideologia envolve um exercício antropológico de entender o que ocorreu nos primeiros momentos da humanidade: segundo os autores, o homem primitivo vivia pelos seus instintos e necessidades imediatas, portanto, seus movimentos eram guiados segundo as demandas da natureza. Entretanto, o homem passou a construir suas ferramentas e modificar a natureza, passou a produzir seus meios de subsistência e, portanto, criou uma economia produtora. O desenvolvimento do trabalho produtivo não foi somente positivo, pois a sua hegemonia na sociedade humana também foi causa da escravidão: um homem só pode ficar ocioso para mandar em homens escravos numa economia de produção acima das necessidades imediatas. Ainda mais, sem o desenvolvimento dos meios de produção, nem mesmo compensava manter um escravo, que produzia menos que os gastos para mantê-lo vivo (como comida, moradia e vestuário). Foi este desenvolvimento específico que a escravidão passou a valer à pena e, assim, a exploração do trabalho escravo gerou “a primeira forma de divisão social do trabalho e a primeira forma de propriedade privada de uma fonte de produção”[18].

A divisão social do trabalho e o nascimento da propriedade privada dos meios de produção gerou um corte na sociedade humana. Era impossível nascer qualquer ponto de vista universal, comum e espontâneo, porque a divisão da sociedade entre os que dominam e os que são dominados gerou uma situação de conveniência da parte dos dominantes de modo que passaram a acreditar que seu ponto de vista particular era a expressão natural e conveniente a todos os homens. O particular foi colocado como universal.

De outra forma,

As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes. Ou, dito em outros termos, a classe que exerce o poder material dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante.[19]

A classe dominante utiliza os aparelhos de Estado para inculcar nos dominados a justificativa de sua própria exploração e prejudicar qualquer ação possível de resistência.

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De volta à organização política

Em 46, Karl Marx foi até Bruxelas para participar de uma reunião promovida por uma organização comunista fundada por Wilhelm Weitling. Este era líder revolucionário de prestígio e acreditava que com um exército de trabalhadores e marginais conseguiria impor seu programa revolucionário. Marx, por sua vez, fez fortes críticas ao autor, ressaltando que era tolice acreditar em revolução socialista em países que nem mesmo havia acontecido uma revolução burguesa, que era irresponsável clamar por trabalhadores para ações revolucionárias ingênuas. Não obstante, ainda exigiu de Weitling um programa revolucionário baseado na ciência para depois oferecê-lo aos trabalhadores.

No mesmo ano, Marx recebeu o livro de Pierre-Joseph Proudhon chamado A filosofia da miséria. Respondeu esta publicação com seu A miséria da filosofia. Nele, provoca Proudhon e o coloca como hegeliano farsante, na medida em que só usa seu vocabulário, mas não consegue aplicar sua dialética. Sua ideia levava a ciência social a um status de buscadora do lado bom das instituições. Depois desta etapa, seria responsabilidade dela a incorporação do lado bom encontrado nas pesquisas aos estágios mais avançados da sociedade.

Segundo Marx, Proudon tinha a mentalidade típica de um pequeno burguês. Um amor à contradição: quanto mais a classe capitalista o proletariza, mais ele repele a ideologia proletária; quanto mais longe está do status de um capitalista, mais tem esperança de um dia chegar lá.

Proudhon, por exemplo, considerava a greve uma ação criminosa, enquanto Marx a considerava, muitas vezes, como a única ferramenta que o capitalismo possibilita aos trabalhadores. É o próprio sistema capitalista que também aglomera e dá a chance aos trabalhadores de se reconhecerem enquanto classe.

Dois anos depois, Marx e Engels compareceram ao 2º Congresso da Liga dos Comunistas e ficaram encarregados de escrever um manifesto comunista. Lenin salienta que

Esta obra expõe, com uma clareza e um vigor geniais, a nova concepção do mundo, o materialismo conseqüente aplicado também ao domínio da vida social, a dialética como a doutrina mais vasta e mais profunda do desenvolvimento, a teoria da luta de classes e do papel revolucionário histórico universal do proletariado, criador de uma sociedade nova, a sociedade comunista.[20]

O manifesto comunista, obra de 1848, tem início numa síntese do desenvolvimento social da humanidade. Para Marx e Engels, a história de todas as sociedades após o surgimento da propriedade privada é a história da luta de classes. “A própria burguesia só tinha conseguido tomar o poder e implantar o capitalismo por meio de uma dura luta contra as instituições feudais”, afirma Konder[21].

Ainda mais, em busca de novos mercados, o capitalismo invadiu todo globo terrestre e desenvolveu a tecnologia brilhantemente. Entretanto, a contradição não pode ser deixada de lado: sempre que uma classe passa a ser dominante, quando consegue tomar o poder, organiza a sociedade a seu modo e se torna a classe proprietária. A burguesia entra em oposição ao proletariado por ser uma classe proprietária (dos meios de produção) enquanto o proletário não é proprietário de nada, somente de sua força de trabalho que precisa vender para conseguir um salário. O objetivo do proletariado é tomar o poder para implantar um tipo de organização social que torna a propriedade um bem coletivo, social.

Continuando o ano de 1848, Marx e Engels publicaram a primeira edição da Nova Gazeta Renana, em Colônia. Como o movimento operário estava fraco naquela região, Marx considerava importante manter diálogo com democratas burgueses e se colocar como frente de esquerda dentro da liberal-democracia. Logo foi recebido com críticas por André Gottschalk, médico e líder da oposição a Marx. Para ele, o proletariado deveria de imediato implantar o comunismo e Gottschalk também era contra a participação da classe nas eleições. Marx, em seguida, criticou seu oportunismo falsamente radical.

Em 1849, Marx foi para Londres e também travou discussões com o revolucionário August Willich, que acreditava não nas condições históricas para a revolução proletária, mas sim na disposição dos trabalhadores para o embate. Um tipo de posição voluntarista que atrasa a estratégia da luta dos trabalhadores.

Com um salto de onze anos, em 1860, a briga de Marx foi com Karl Vogt, já num patamar filosófico e epistemológico, não tanto organizacional. Vogt era um materialista vulgar que acreditava que as ideias eram produzidas pelo cérebro como órgão biológico, mas não enxergava uma dinâmica qualitativamente diferente na produção da bílis pelo fígado e das ideias pelo cérebro. Não levava em consideração, portanto, o processo social da produção das ideias e, assim, ignorava que a classe dominante detém as ideias dominantes numa dada sociedade.

Na parte política, Vogt dificultava as ações revolucionárias na Suíça, país em que morava.

Ultrapassadas as primeiras barreiras, em 1864 a Associação Internacional dos Trabalhadores foi fundada. A então Primeira Internacional exigia alguns princípios dos trabalhadores organizados sob seu suporte: 1) a emancipação trabalhadora deverá vir deles próprios; 2) a libertação dos trabalhadores é a libertação de todas as classes; 3) a luta política deve servir como parte da emancipação econômica da classe trabalhadora; e, por fim, 4) a libertação do proletariado deve ocorrer através da união teórica e prática dos trabalhadores de diferentes países.

A Internacional começou suas atividades contrapondo as investidas de Napoleão III contra a classe trabalhadora e contribuindo na organização de greves pela Europa.

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Marx e O Capital

Então, em 1867, Marx publica o primeiro volume d’O Capital.

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A teoria do valor

No início da obra máxima de Marx é feita uma importante distinção: o valor de uso e o valor de troca.

  1. O valor de uso: que está no valor dado pelo usuário das coisas, é o valor que reside na utilidade das coisas[22].
  2. O valor de troca: que, ao contrário do valor de uso que é subjetivo, se trata de um valor objetivo e reside na relação social de troca, na venda e na compra de coisas[23].

Nas palavras de Lenin,

A mercadoria é, em primeiro lugar, uma coisa que satisfaz uma qualquer necessidade do homem; em segundo lugar, é uma coisa que se pode trocar por outra. A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso. O valor de troca (ou simplesmente o valor) é, em primeiro lugar, a relação, a proporção na troca de um certo número de valores de uso de uma espécie contra um certo número de valores de uso de outra espécie.[24]

As diferentes mercadorias precisam de algo em comum para serem trocadas: todas elas são produtos do trabalho humano.

Para Marx, o fato dos economistas burgueses confundirem e utilizarem conjuntamente os dois tipos de valor os levou a se afastarem da realidade. A explicação marxista do valor ao longo d’O Capital é predominantemente uma análise de valores de troca. Sendo assim, quanto mais trabalho humano aplicado na fabricação de uma mercadoria, mais valor de troca ela terá. Sendo maior o valor de troca, maior o valor da mercadoria em relação às outras mercadorias dentro do mercado.

No entanto, este valor de troca baseado no trabalho inserido em todos os momentos de fabricação e modificação do produto até se tornar mercadoria não é calculado pela quantidade pontual de trabalho inserida por um operário particular, mas sim pelo trabalho socialmente necessário para a fabricação do produto, portanto, pelo trabalho necessário por um trabalhador médio com condições médias de exercer o trabalho necessário para uma dada aplicação. O trabalho não é calculável, mas o tempo de trabalho sim, ele é contável e tem relação direta com as condições de trabalho, sendo assim, o valor da mercadoria é calculado a partir do tempo socialmente necessário de trabalho para sua fabricação.

Cada mercadoria considerada isoladamente não representa portanto senão uma certa parte do tempo de trabalho socialmente necessário. A grandeza do valor é determinada pela quantidade de trabalho socialmente necessário ou pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de determinada mercadoria, de determinado valor de uso.[25]

No entanto, vale dizer que o mercado não se comporta assim em qualquer situação. As obras de arte não valem no mercado conforme o tempo socialmente necessário para sua fabricação. Essa lei geral não é aplicável em qualquer situação.

O dinheiro

A troca só é possível com excedente econômico, com uma produção maior do que o necessário para o consumo. Konder explica que o excedente comercializado, trocado, não fazia da troca uma atividade principal na vida das sociedades humanas[26]. Entretanto, conforme a atividade de troca se tornou regular, a produção passou a atender o excedente e, entre o valor de uso, a utilidade; e o valor de troca, ou seja, a produção visando a própria troca, este último ganhou predominância.

O dinheiro apareceu como uma mercadoria que tem como valor de uso a possibilidade de ser usada para a troca de outras mercadorias. Se, de início, o dinheiro somente era usado para a troca de mercadorias, após o século XVI ele passou a ser cada vez mais utilizado como capital. E qual a diferença entre dinheiro e capital? Sua forma de circulação: o capital é uma relação social que envolve sua multiplicação. O capitalista não vende uma mercadoria para ter dinheiro e comprar outra, mas sim compra uma mercadoria (a força de trabalho e todos os equipamentos necessário para a fabricação) com objetivo de vendê-la (em forma de outra mercadoria) e conseguir mais dinheiro nesta transação.

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Mais-Valia

O dinheiro não se multiplica por mágica, mas sim através de uma sobra de valor na circulação das mercadorias. Diz Lenin,

Num certo grau do desenvolvimento da produção de mercadorias, o dinheiro transforma-se em capital. A fórmula da circulação de mercadorias era: M (mercadoria) – D (dinheiro) – M (mercadoria), isto é, venda de uma mercadoria para a compra de outra. Pelo contrário, a fórmula geral do capital é: D – M – D, isto é, compra para a venda (com lucro). E a este “acréscimo” do valor primitivo do dinheiro posto em circulação que Marx chama mais-valia. Este acréscimo do dinheiro da circulação capitalista é um fato conhecido por todos. E precisamente este “acréscimo” que transforma o dinheiro em capital, ou seja, numa relação social de produção historicamente determinada.[27]

O século XVII acontece o que é chamado de Revolução Comercial, em que a acumulação de dinheiro se deu ainda na coexistência de uma burguesia e do sistema feudal. Depois desta acumulação originária de capital foi possível substituir de vez o sistema feudal pelo novo sistema capitalista e, neste novo sistema, o trabalhador já não está mais preso em nenhum local fixo de trabalho, portanto, pode livremente procurar emprego e vender sua força de trabalho. Essa liberdade, vai dizer Konder, é enganosa,

Por não controlarem como classe o poder econômico, os trabalhadores não controlam o aparelho de Estado, não participam das eleições em condições de eleger governantes que realmente representam a classe operária. Por não possuírem os meios de produção, os trabalhadores são obrigados a vender sua força de trabalho aos donos das empresas, nas condições impostas pelo mercado.[28]

Como o trabalhador vende sua força de trabalho no mercado capitalista, a vantagem na hora da negociação é do capitalista. Ele precisa do trabalhador para operar suas máquinas com menor urgência do que o trabalhador precisa do salário para sobreviver.

O capitalista calcula os gastos com a conservação e a renovação de suas máquinas, calcula os salários e calcula o valor que a mercadoria produzida em sua fábrica poderá ter no mercado. Descontada do valor do produto a parte que o capitalista paga ao operário sob a forma de salário, o que sobra é a mais-valia.[29]

A mais-valia não pode ser confundida com lucro, pois nela ainda estão armazenados os gastos necessários para o funcionamento e evolução do negócio e o valor de aluguel do local em que o estabelecimento se encontra. O lucro é só mais uma parte da mais-valia.

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Mercadoria

Mercadoria é aquilo que é produzido para venda no mercado, não para consumo imediato. É necessário entender que a produção de mercadorias não é a característica nuclear do capitalismo, pois essa produção já existia antes do sistema capitalista. Nele, a produção se aprofundou e se transformou no tipo de produção hegemônico.

Ao se expandir, o capitalismo foi estendendo o sistema de produção para o mercado às mais diversas áreas. Em certo sentido, devemos dizer que o capitalismo foi o regime que mercantilizou a vida humana.[30]

No capitalismo, o dinheiro passou a ter papel principal nas relações humanas, na medida em que todas as coisas passaram a ser transformadas em mercadoria. Entretanto, como as mercadorias são feitas para o mercado, não para o consumo do produtor, do trabalhador, o sistema de produção se distancia e domina o homem, em vez de ser dominado por ele. Chegando a tal ponto da ala fisiocrata da economia burguesa estudar os fenômenos econômicos como se fossem regidos por leis naturais. Até mesmo para Adam Smith havia uma mão invisível agindo nos fenômenos econômicos.

Com a falta de justificativa humana racional para a existência de tal sistema, é necessário criar uma racionalidade externa, fora do controle humano. A economia fica fora do controle humano através de ilusões sobre um funcionamento autônomo do mundo das mercadorias, restando ao homem o papel de engrenagem neste sistema. Marx nomeia de fetichismo da mercadoria essa forma ilusória tomada pela mercadoria.

Para Marx, o funcionamento do mercado capitalista também coloca um capitalista contra o outro, fazendo o grande capitalista incorporar o pequeno, num movimento de concentração de capital e formação de monopólios. Depois disso, o passo seguinte é a formação de braços corporativos em outros países, num comportamento imperialista.

No contexto de formação de grandes monopólios, há também a concentração de grande número de trabalhadores, que passam a viver juntos em número cada vez maior e de forma cada vez mais organizada politicamente, até que o sistema capitalista não consegue mais dar conta da contradição entre a produção altamente socializada e a apropriação capitalista dos frutos do trabalho, o que gera a revolução.

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Revolução

A tarefa de analisar a revolução ficou cada vez mais urgente e o primeiro sinal da história chegou com a Comuna de Paris. Adolphe Thiers, então presidente da França, se viu sem controle da Guarda Nacional e em 1871 abandonou a capital francesa e se dirigiu a Versalhes, deixando o coração de seu país ao desespero de enfrentar as tropas de Otto von Bismarck, chanceler alemão no 2º Reich.

Um Comitê Central controlava a Guarda Nacional e, ao perceber que a cidade foi abandonada, convocou o povo parisiense para novas eleições. “Era uma direção coletiva, em que predominavam elementos representativos das classes trabalhadoras: pela primeira vez na história da humanidade o proletariado se achava no poder”[31].

O Governo da Comuna:

  • Instalou armazéns para a venda de itens de primeira necessidade praticamente a preço de custo;
  • Apesar de abandonado pelos funcionários, a comuna manteve todos os serviços postais em funcionamento;
  • Suspendeu a venda de objetos penhorados;
  • Prorrogou o prazo de pagamento de obrigações comerciais;
  • Interrompeu as ações judiciais de despejo;
  • Entregou as oficinas abandonadas pelos proprietários aos sindicatos;
  • Prestou assistência médica à população de maneira mais eficiente que aquele prestado nos últimos anos, mesmo com carência de medicamentos;
  • Planejou um sistema de ensino universal, mas não teve tempo de implementar devido a invasão de Thiers no fim da comuna.

No fim, o governo da Comuna gastou por volta de 41 milhões de francos, seis vezes menos que o governo de Thier gastava no mesmo período. Depois de se acertar com Bismarck e lhe prometer territórios e o pagamento de uma grande quantia, Thiers recebeu seus prisioneiros de guerra e, sentido-se mais forte, invadiu a capital francesa massacrando a resistência operária.

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Bakunin e Lassale

Marx tinha um histórico peculiar com anarquistas: em 1845, combateu as teses de Max Stirner; em 1847, combateu Proudhon; entretanto, em 1868, encontrou-se com um Bakunin disposto a participar da Internacional e fazendo uma autocrítica em que se colocava sob os objetivos da revolução econômica[32].

Apesar de se fortalecer após a Comuna, a Internacional passou por problemas de organização com um grande número de filiados. Bakunin trouxe à discussão seus ideais anarquistas exatamente no momento em que era necessário construir um programa de ação rigoroso. O anarquista se posicionou contra a participação dos trabalhadores na política institucional e difundiu o mito de que a revolução viria através de uma grande greve geral.

Marx criticou o anarquismo como uma concepção romântica e uma influência desagregadora que só poderia prejudicar o indispensável e paciente trabalho de organização do proletariado para a revolução socialista. Os companheiros de direção da Internacional consideraram justa a crítica de Marx e repeliram as posições anarquistas.

Bakunin, então, acusou Marx de querer monopolizar a direção do movimento operário, impondo-lhe métodos ditatoriais: “Como alemão e como judeu, Marx é da cabeça aos pés um autoritário”[33].

Lassale, por sua vez, deu trabalho para Marx desde a década de 50. O autor escreveu uma peça de teatro criticada por Marx, na medida em que os personagens se definiam mais pelos discursos que proferiam do que por suas ações. Para Lassale, valia até uma aliança com Bismarck pela união da Alemanha.

No entanto, foi em 1874, com Lassale já morto, que Marx precisou escrever aquilo que se tornaria a Crítica do Programa de Gotha. Com as eleições na Alemanha, os partidos de esquerda conseguiram bons resultados e lassalianos construíram um documento, em Gotha, com um programa revolucionário comum, no entanto, sem qualquer rigorosidade filosófica e econômica.

Um dos pontos centrais na Crítica é a distinção entre socialismo e comunismo. Enquanto o primeiro ainda não garante um novo tipo de divisão social do trabalho, ainda mantém a existência do Estado; o segundo não tem mais a presença do Estado e, desfrutando uma segurança econômica, os indivíduos podem se livrar de formas primárias de egoísmo e, finalmente, superar a divisão social do trabalho como é.

Resumidamente:

  • Socialismo: cada indivíduo ainda recebe parte da riqueza social segundo sua produção;
  • Comunismo: “De cada um de acordo com suas possibilidades, a cada um de acordo com suas necessidades”.

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Morte de Marx

Os dois últimos volumes do Capital demoraram para serem escritos. Marx ainda teve que parar sua produção para prestar apoio a Engels em seu embate com Duhring, escrevendo o capítulo econômico do Anti-Duhring.

No último período de sua vida, na década de 70 e 80, Marx planejou escrever um livro sobre a evolução histórica da instituição família, mais tarde Engels publicou A Origem da Família, da propriedade privada e do Estado (1884) com base nas anotações de Marx.

Um livro dedicado integralmente à dialética também foi planejado, mas nem mesmo existem anotações.

Depois da morte de sua esposa (1881) e depois de sua filha (1883), Marx faleceu em 14 de março de 1883 com um abscesso no pulmão.


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Referências

[a] Texto baseado em KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra. 7ª ed, Editora: Paz e Terra S. A. São Paulo – SP, 1999.

[1] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra. 7ª ed, Editora: Paz e Terra S. A. São Paulo – SP, 1999, p.17.

[2] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra… p.17.

[3] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra… p.22.

[4] LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. Karl Marx: Breve Esboço Biográfico. Seguido de uma Exposição do Marxismo. The Marxists Internet Archive, 1914. E-book. Posição: 5-7.

[5] Marx, Karl IN KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra. 7ª ed, Editora: Paz e Terra S. A. São Paulo – SP, 1999, p.24.

[6] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra… p.24.

[7] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra… p.28.

[8] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra… p.28.

[9] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra… p.28.

[10] LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. Karl Marx: Breve Esboço Biográfico. Seguido de uma Exposição do Marxismo… Posição: 18-20.

[11] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra… p.29.

[12] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra… p.29.

[13] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra… p.33.

[14] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra… p.35.

[15] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra… p.36.

[16] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra… p.36.

[17] KONDER, Leandro. Marx  Vida e Obra… p.51.

[18] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.54.

[19] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.55.

[20] LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. Karl Marx: Breve Esboço Biográfico. Seguido de uma Exposição do Marxismo… Posição: 26.

[21] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.64.

[22] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.112.

[23] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.112.

[24] LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. Karl Marx: Breve Esboço Biográfico. Seguido de uma Exposição do Marxismo… Posição: 205.

[25] LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. Karl Marx: Breve Esboço Biográfico. Seguido de uma Exposição do Marxismo… Posição: 205.

[26] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.115.

[27] LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. Karl Marx: Breve Esboço Biográfico. Seguido de uma Exposição do Marxismo… Posição: 213.

[28] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.118.

[29] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.119.

[30] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.121.

[31] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.128.

[32] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.135.

[33] KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra… p.136.

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Anexo

A citação abaixo expõe o movimento de inversão que Marx elabora sobre a dialética hegeliana.

MARX, Karl. Posfácio à segunda edição IN O Capital Crítica da Economia Política. London, 24 de Janeiro de 1873. Disponível em <<https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/capital/livro1/prefacios/03.htm>>. Acesso em 1 de novembro de 2023.

O meu método dialéctico é, pela base, não apenas diverso do de Hegel, mas o seu directo oposto. Para Hegel, o processo do pensamento — que ele transforma mesmo num sujeito autónomo sob o nome de Ideia — é o demiurgo do real, que forma apenas o seu fenómeno exterior. Para mim, inversamente, o ideal [das Ideelle] não é senão o material transposto e traduzido na cabeça do homem.

Critiquei o lado mistificador da dialéctica de Hegel há já quase 30 anos, numa altura em que ela ainda estava em moda. Mas, precisamente, quando elaborava o primeiro volume do Kapital, a epigonagem[N15] rabujenta, arrogante e medíocre, cuja palavra pesa hoje na Alemanha culta, comprazia-se a tratar Hegel como o bom do Moses Mendelssohn, no tempo de Lessing, tinha tratado Spinoza, a saber: como «cão morto». Confessei-me, portanto, abertamente discípulo daquele grande pensador e coqueteei mesmo aqui e ali no capítulo sobre a teoria do valor com o modo de expressão que lhe é peculiar. A mistificação que a dialéctica sofre às mãos de Hegel de modo nenhum impede que tenha sido ele a expor, pela primeira vez, de um modo abrangente e consciente as suas formas de movimento universais. Nele, ela está de cabeça para baixo. Há que virá-la para descobrir o núcleo racional no invólucro místico.

Na sua forma mistificada, a dialéctica tornou-se moda alemã, porque ela parecia glorificar o existente. Na sua figura racional, ela é um escândalo e uma abominação para a burguesia e para os seus porta-vozes doutrinários, porque, na compreensão positiva do existente, ela encerra também ao mesmo tempo a compreensão da sua negação, da sua decadência necessária; porque ela apreende cada forma devinda no fluir do movimento, portanto, também pelo seu lado transitório; porque não deixa que nada se lhe imponha; porque, pela sua essência, é crítica e revolucionária.

O movimento pleno de contradições da sociedade capitalista faz-se sentir do modo mais flagrante para o burguês prático nas vicissitudes do ciclo periódico que a indústria moderna atravessa e no seu ponto culminante — a crise universal. Ela vem de novo a caminho, embora ainda nos estádios preliminares e, pela omnilateralidade do seu palco de acção, bem como pela intensidade do seu efeito, enfiará a dialéctica na cabeça mesmo dos novos-ricos do novo sacro império prusso-germânico.