O que é pós-modernidade? Resumo de uma falência da modernidade

O que é pós-modernidade? O resumo de um conceito tão complexo pode ser destrinchado em alguns pontos essenciais - este vídeo do professor Juremir Machado poderá ajudar nesta missão.

Índice

Introdução

A pós-modernidade é esse desencantamento em relação à ideia de um futuro garantido, certo, promovido pelas leis da história, necessariamente melhor, redentor. Ela [a pós-modernidade] é a construção de um presente possível.

Nesta palestra, o professor Juremir Machado tenta explicar o conceito de pós-modernidade. O que é pós-modernidade? Pós-modernidade, segundo o professor, pode ser descrita como o momento em que (tomando Lyotard como influência) todas as grandes narrativas entram em crise.

As grandes narrativas são as grandes explicações sobre o mundo, sobre a história, sobre a vida e sobre o futuro, entre as mais influentes: o marxismo, o cristianismo (e as religiões em geral), o iluminismo com o sonho da sociedade racional e etc e etc. Essas narrativas só podem ser chamadas de narrativas na percepção da pós-modernidade, pois para si, elas são o fundamento do mundo, a estrutura última da realidade – a teoria da história marxista não é somente uma narrativa, mas uma tentativa de explicação universal da história, da mesma forma, o projeto iluminista visava a universalização da razão e o cristianismo a universalização de seu próprio Deus.

Desta forma, segundo Juremir Machado, o núcleo da pós-modernidade (em resumo) é a negação de qualquer fundação. Não há um “real realmente real”, mas unicamente narrativas que estruturam a realidade. Sendo assim, toda e qualquer visão de mundo, quando tenta ser verdade, se coloca em uma posição totalitária em relação àqueles que estão sendo sujeitados por ela.

Essas narrativas – visões de mundo – que indicam um caminho para o futuro, um projeto utópico, é aquilo que é negado pela pós-modernidade. A falta da certeza nas grandes narrativas indica a impossibilidade de se prever o futuro com certeza filosófico-científica, portanto, o que nos resta é o presente. O presente precisa ser modificado e vivido, seja ele bom ou ruim.

Juremir Machado explica que, não havendo uma estrutura verdadeira baseada naquilo que é real, a pós-modernidade nega a materialidade como definição daquilo que de fato é o real, mas atribui a realidade ao sentido que os sujeitos podem dar às coisas. A forma como esse sentido é dado é variada e cada linha de pensamento tem sua própria maneira de explicar a construção da realidade, mas o fundamental é essa experiência do mundo como algo que precisa de sentido, pois nele mesmo não há nenhum.

Sem a prisão em narrativas legitimadoras, não há prisão em maneiras de ser para o sujeito, o que o torna dono de sua própria liberdade (mas isso não deve ser visto como algo bom – Zygmunt Bauman nos ensina muito sobre os males desta suposta liberdade).


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O que é pós-modernidade? Resumo da tragédia

Caso tentássemos explicar o que é pós-modernidade de maneira rápida, em resumo poderíamos dizer que é a:

A) Crise da ideia da filosofia como construtora da verdade;

B) Crise da ideia de certeza;

C) Crise das Utopias.

Segundo Juremir, ao falar sobre uma suposta universalidade ou convergência no pensamento pós-moderno, “quando a gente diz ‘a pós-modernidade diz…’ – eu já usei essa frase várias vezes -, essa é uma frase profundamente falsa, a pós-modernidade não diz nada, não é uma plataforma política, não é um grupo que se reuniu em algum lugar para criar o manifesto pós-moderno, assentar as bases da pós-modernidade, eleger a direção da pós-modernidade. A pós-modernidade é uma série de discursos sobre um momento”.

E continua,

Sergio Paulo Rouanet fez um exame dizendo que não há pós-modernidade, porque o modo de produção não teria se transformado, pois continuamos no sistema capitalista, mas nenhum pensador da pós-modernidade jamais imaginou que a pós-modernidade fosse uma superação do capitalismo, a pós-modernidade é o próprio capitalismo […] [é] a expressão última do capitalismo. Não necessariamente do neoliberalismo […], mas é o discurso da época em que as pretensões utópicas de superação do capitalismo desapareceram.

Lyotard e a grande narrativa

O que é pós-modernidade? Para Lyotard, essa condição de descrédito – própria deste período – às grandes narrativas se deu, além do desenvolvimento do capital, pela própria lógica interna da ciência (que seria o saber legitimador da contemporaneidade). O ceticismo interno faz com que a prova da prova não seja provada. É necessário um a priori, algo que não pode ser duvidado, e se é necessário um a priori, então a ciência não é mais do que um jogo de linguagem entre tantos outros.

Desta forma, a pragmática da pós-modernidade não é pautada em um fim teleológico ou em um bem maior (não se busca uma sociedade igualitária ou o paraíso), pois estes já não tem efeitos de verdade prática. Ela é pautada na maximização da eficiência, que pode ser traduzido em: mais poder.

Num mundo sem grandes narrativas, mas recheado de inúmeros jogos de linguagem (e mediado por estes jogos de linguagem unicamente, que funcionam como o vínculo social na pós-modernidade), é unicamente o aumento do poder e da eficiência que garantem a reprodução infinita de um sistema, que garante seu aumento de performance e sua eficácia. O que isso significa? Significa que quem tem mais dinheiro (que é uma boa representação material da possibilidade de movimentar relações de poder eficientemente) pode favorecer aquilo que lhe interessa, pois não existe mais uma verdade ou uma justiça quase transcendental a serem consideradas para realizar o julgamento do válido e do inválido.

Mas aí nos deparamos com uma situação óbvia: quem tem mais dinheiro? Os capitalistas. Qual o interesse óbvio de capitalistas? A reprodução e otimização do sistema capitalista. O aumento de sua eficiência tem como resultado a constante transferência do saber – que era constitutivo do sujeito – para máquinas informatizadas. A decisão é tomada por um programa de computador, o saber é separado do sujeito e adquire quase uma vida própria, baseada em cálculos e probabilidades.

A ciência, apesar de ser somente mais um saber, ainda mantém sua importância,

Na idade pós-industrial e pós-moderna, a ciência conservará e sem dúvida reforçará ainda mais sua importância na disputa das capacidades produtivas dos Estados-nações. […]. Sob a forma de mercadoria informacional indispensável ao poderio produtivo, o saber já é e será um desafio maior, talvez o mais importante, na competição mundial pelo poder. Do mesmo modo que os Estados-nações se bateram para dominar territórios, e com isto dominar o acesso e a exploração das matérias-primas e da mão-de-obra barata, é concebível que eles se batam no futuro para dominar as informações. Assim encontra-se aberto um novo campo para as estratégias industriais e comerciais e para as estratégias militares e políticas (Lyotard em A Condição Pós-Moderna)

Mas Lyotard não vê na queda das grandes narrativas algo a se afastar. É a abertura da possibilidade de lidar com a incerteza, com aquilo que não está garantido. Em resumo, pós-modernidade fortalece a luta de saberes menores, dominados historicamente, suprimidos em relações de poder quase solidificadas, ela desqualifica o saber maior, legitimamente, e coloca a legitimidade na própria força do saber. Ou seja, se o que vale é a eficiência, então não é necessário justificar aquilo que eu luto. Eu simplesmente luto e quem não gosta que deverá me parar.

A pós-modernidade de Bauman

A abordagem de Bauman se difere de Lyotard na medida em que o pensador polonês procura explicar as relações sociais a partir (principalmente, mas não unicamente) da sociologia, deixando a análise discursiva, a linguagem, em segundo plano.

O autor prefere chamar o tempo em que vivemos de modernidade líquida, em vez de pós-modernidade. Não há uma clara ruptura, mas sim uma mudança na continuação da modernidade.

É necessário mudar o rótulo para não ser confundido com autores que, de uma forma ou de outra, dão aval para a situação global que encontramos. Afirma Bauman[1],

Uma das razões pelas quais passei a falar em “modernidade líquida” em vez de “pós-modernidade” (meus trabalhos mais recentes evitam esse termo) é que fiquei cansado de tentar esclarecer uma confusão semântica que não distingue sociologia pós-moderna de sociologia da pós-modernidade, entre “pós-modernismo” e “pós-modernidade”. No meu vocabulário, “pós-modernidade” significa uma sociedade (ou, se se prefere, um tipo de condição humana), enquanto que “pós-modernismo” se refere a uma visão de mundo que pode surgir, mas não necessariamente, da condição pós-moderna.

Procurei sempre enfatizar que, do mesmo modo que ser um ornitólogo não significa ser um pássaro, ser um sociólogo da pós-modernidade não significa ser um pós-modernista, o que definitivamente não sou. Ser um pós-modernista significa ter uma ideologia, uma percepção do mundo, uma determinada hierarquia de valores que, entre outras coisas, descarta a idéia de um tipo de regulamentação normativa da comunidade humana e assume que todos os tipos de vida humana se equivalem, que todas as sociedades são igualmente boas ou más; enfim, uma ideologia que se recusa a fazer julgamentos e a debater seriamente questões relativas a modos de vida viciosos e virtuosos, pois, no limite, acredita que não há nada a ser debatido. Isso é pós-modernismo.

Ao contrário do relatado, para Bauman, tudo ainda pode ser debatido.

É por isso que o autor pontua a modernidade líquida como um momento de exaltação da liberdade individual. Ao contrário da modernidade, em que a criação de uma ordem que teria poder de controle superior para manter o projeto de sociedade nos eixos da história, a liquidez é resultado (e também causa) da troca da segurança – presente em sistemas controlados – pela liberdade (que foi podada gradativamente quando a segurança passou a ter papel central na sociedade moderna).

O conceito de liberdade para Bauman deve ser visto em analogia ao líquido viscoso,

imaginemos um barril repleto de resina, alcatrão, mel ou melaço… Ao contrário da água, a substância grudar-se-á, aderirá minha pele, não me soltaria. Mais do que exuberantemente invadindo um elemento novo e estrangeiro, sinto-me invadido e conquistado por um elemento do qual não há como fugir[2].

A liberdade, portanto, precisa de poder. Não de um poder proprietário, mas sim de um poder relacional. “A liberdade é uma relação – uma relação de poder. Sou livre se, e somente se, posso agir de acordo com a minha vontade e alcançar os resultados que pretendo alcançar”[3].

Na modernidade líquida, o estranho é tão odioso quanto o líquido viscoso. Em cidades protegidas, com sujeitos residindo em casas com câmeras de segurança, escritório altamente seguros, o estranho não é tão odioso, pois ele é o sujeito que se submete a trabalhos que ninguém mais poderia aceitar, é aquele que vende especiarias em uma camelô, que vende comida típica na calçada. Enquanto não atrapalham a liberdade consumidora dos moradores cidade moderna, eles não são reconhecidos como um perigo.

No entanto, a recente crise migratória mostra como são tratados quando deixam de ficar em tal posição subalterna e passam a procurar ativamente por espaço.

O estranho, aliás, é um conceito de época. Para Bauman, se na modernidade o estranho era aquele que não se encaixa nos diferentes projetos de sociedade (como o judeu no nazismo), na modernidade líquida, eles passam a ser os desempregados crônicos, os excluídos, que não podem entrar na sociedade de consumo.

A segurança, por sua vez, tem relação direta com a previsibilidade. O que significa que a falta de segurança na modernidade líquida é, para além da possibilidade de se sofrer agressões físicas, a incapacidade de garantir a permanência dos sujeitos em suas posições sociais ou de garantir alguma ascensão social. A insegurança também se manifesta na constante angústia vivida que está tão mais presente em nossa vida quanto mais tentamos nos aproximar de alguma fixidez nos laços humanos.

A explicação de Bauman passa por Bourdieu, já que a insegurança dita pelo autor é estrutural. Se trata do medo marcado no sujeito em sua constituição,

A liquidez moderna resulta em uma infinidade de experiências secundárias da morte, de exclusão e, portanto, na construção cotidiana e tijolo por tijolo de uma insegurança estrutural. Insegurança essa, que promove a criação e a utilização de técnicas e tecnologias para a proteção[4].

Os resultados da insegurança somados ao da liberdade consumidora atravessam desde relacionamentos amorosos frágeis, pouco duradouros e preteridos pelo consumo de grande quantidade de parceiros (qualidade em detrimento da quantidade), até o distanciamento de pais e filhos: os primeiros se transformam em agentes corruptores da santidade imanente dos últimos.

Resumo: o que é pós-modernidade?

A pós-modernidade é:

  • Um conceito ainda debatido e de validade questionável;
  • Época de incertezas;
  • Época de destruição dos referenciais;
  • Substituição das grande narrativa pelos jogos de linguagem;
  • Eficiência e poder como fim último;
  • Aniquilamento da moral;
  • Liberdade individual identificada como liberdade econômica.

Referências

[1] BAUMAN, Zygmunt. A Sociedade Líquida. Entrevista à Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke. Folha de S. Paulo, São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003.

[2]  BAUMAN, Zygmunt. O Mal Estar na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 39.

[3] BAUMAN, Zygmunt. O Mal Estar na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 39-40.

[4] SIQUEIRA, Vinicius. Medo Líquido – Zygmunt Bauman: uma resenha. Colunas Tortas, acessado em 04/06/2016.

Anexo

MANIERI, D. O INDIVÍDUO NA CONDIÇÃO PÓS-MODERNA: a perspectiva critica de Zygmunt Bauman. Cadernos Zygmunt Bauman, [S. l.], v. 7, n. 13, 2017. Disponível em: https://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/bauman/article/view/6087. Acesso em: 7 nov. 2023.

Mercado e o indivíduo consumidor

O apelo de Bauman ante uma responsabilidade moral (amparando-se em Lévinas e Logstrup) contrasta com a tendência social de uma “demanda ética teimosa e irritantemente silenciosa (porque inespecífica), (…)”. Como no exemplo da proliferação dos radares nomeio urbano. A lógica do discurso de poder é que eles impedem o enorme número de acidentes. Mas sabe-se que há também (ou exclusivamente) uma preocupação em se arrecadar proventos com o desvio de conduta do motorista. Pela lógica cínica do poder o desvio ético gera dividendos ao erário do poder constituído. O diagnóstico de Bauman da citada sociedade de consumo corresponde a um acréscimo ao individualismo que obscurece as possibilidades de gênese de um sujeito moral. Esse avanço do individualismo é traduzido pela “substituição da “responsabilidade pelos outros” por uma “responsabilidade perante si próprio”.Nos escritos de Bauman há uma ênfase crítica ante essa entidade social que se denomina de “consumidor”. Essa é uma das condições da vida pós-moderna, ou seja, o avanço extraordinário da sociedade de consumo que Bauman qualifica de “mundo líquido-moderno dos consumidores”. Tal mundo apresenta-se com algumas características. Primeiro, o que se entende por “ideologia” pode ser considerado como as estratégicas de marketing que objetivam não só o aumento das vendas, mas também em produzir um ótimo consumidor.

Isso traz uma alteração no próprio princípio da subjetividade. Se Marx qualifica o capitalismo como uma época onde a mercadoria já havia dominado o mundo do trabalho –o trabalhador transforma-se, para o capital, em uma mercadoria -, agora, na fase do capitalismo tardio é a própria dimensão interior do homem que está sujeita às forças do mercado: A “subjetividade” do “sujeito”, e a maior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentra-se num esforço sem fim para ela própria se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável (…). O que se exige hoje é uma espécie de versatilidade no trabalho, que Bauman denomina de comodificação. Desempregado (ou ameaçado de demissão) em um ramo da produção, o trabalhador deve ser capaz de trocar de função. No campo do consumo ocorre a recomodificação: uma dinâmica onde tudo se torna uma mercadoria “notável, notada e cobiçada, uma mercadoria comentada”(Ibid., p. 22). Assim, na concepção de Bauman, bem como de Rancière e Guy Debord, algo ocorreu na própria imagem do objeto em exposição. É claro que para esses três autores a sociedade capitalista ingressa em outro nível de dominação. Em Bauman, de forma específica, operou-se nas relações de consumo uma inversão. O sujeito consumidor sente-se “soberano”, “mimado”, ao exercer seu poder de compra.

 – Dagmar Manieri.

38 Comentários

  1. O texto é bem pertinente ao momento em que vivemos.Percebe a ausência de um modelo, de uma referência. E é essa falta de algo, que permite uma promiscuidade de sentimentos e de ações, que não batem com nada, em nada. Daí concordar com a liquidez discutida por Bauman. A ideia de paradigma se dissolveu. E o outro ainda não chegou. O que me preocupa é: Em que medida essa discussão(modernidade líquida/pós-modernidade afeta a edução, a ciência? Enfim a postura do professor que ainda é responsável pelo processo educacional que traz embutido o conhecimento, e finalmente a ciência? O que andam falando em sala de aula, nada? Tudo líquido? Como estão nossos alunos armazenando essa liquidez?

    1. Olá, Benedito!

      Infelizmente eu não tenho nada publicado em Filosofia, mas tenho dois e-books aqui no site, um sobre Canguilhem e outro sobre Foucault.

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