O que é fascismo? 7 características principais

Por Vinicius Siqueira.

O fascismo é o inimigo mortal do proletariado e dos sindicatos de classe. É necessário lutar contra o fascismo até ao fim, de maneira irredutível e sem complacência. Não pode haver nisso nenhuma trégua, entre o movimento sindical de classe e o fascismo.

Georgi Dimitrov[1]

Índice

O que é fascismo? O fascismo foi uma criação política do século XX. Um movimento que atendeu os interesses do grande capital e teve como base de massas a pequena burguesia. O presente artigo explica o nascimento do movimento fascista e o contexto econômico de decadência em Itália e Alemanha, passa pelo sentido político do fascismo e suas agressões aos socialistas e comunistas, pela ideologia pragmática e mito nacional contemplados pelos governos fascistas e termina com definições do fascismo desenvolvidas por pensadores do século XX.

O que é fascismo: nascimento

Fascio, símbolo de união e força. - Fascismo
Fascio, símbolo de união e força utilizado pelo movimento fascista italiano.

O fascismo tomou corpo no movimento Fasci di Combattimento em 23 de março de 1919, em um encontro promovido por Benito Mussolini em Milão, Itália, na sala de reuniões da Aliança Industrial e Comercial da cidade. Estiveram presentes nesta ocasião três grupos fundamentais ao nascimento do movimento fascista: veteranos de guerra, sindicalistas que haviam demonstrado apoio à entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial e intelectuais futuristas reacionários[2].

O termo fascismo deriva da palavra fascio, que significa feixe. Na Roma antiga, funcionários dos césares, sempre antes da entrada dos magistrados, empunhavam um machado com cabo comprido e reforçado por diversas varas atadas em torno da haste central: o machado simbolizava o poder do Estado de decapitar seus inimigos e as varas “constituíam um feixe que representava a unidade do povo em torno de sua liderança”[3].

Fascio foi um termo adotado por diversas organizações, desde camponeses liderados por socialistas a fasci “patrióticos” incentivando a entrada do país na Primeira Grande Guerra[4]. Estes últimos atraíram a atenção de Mussolini antes da formação dos Fasci di Combattimento que davam suporte militar ao movimento fascista e ao mesmo tempo o constituíam organicamente.

Este movimento nasce num contexto de fraqueza econômica e política da Itália (e mais tarde da Alemanha) em relação aos seus iguais imperialistas: Itália e Alemanha eram elos fracos da cadeia imperialista, afirma o filósofo Nicos Poulantzas[5]. Enquanto a Itália teve seu processo de industrialização relativamente tardio, na década de 80 do século XIX, no campo, houve lentidão para a introdução do capitalismo. A agricultura e indústria italianas foram gravemente atingidas pela Primeira Guerra Mundial e a expansão territorial para a Líbia correspondia uma oportunidade de exportar capitais e, ao mesmo tempo, promover a reforma agrária para os pequenos produtores rurais – esmagados pelo grande latifúndio dominante.

Na Itália, não houve revolução burguesa violenta: a burguesia nacional, fraca economicamente, fechou acordos com o grande latifúndio (entre eles, esquecer a reforma agrária) e, na medida em que era dominante politicamente, conseguiu levar a cabo uma revolução democrático-burguesa, que multiplicou a distância entre o as camadas latifundiárias e industriais. Uma distância geograficamente identificada entre o norte industrial e o sul agrário, que explica a ausência de uma unidade nacional no país e parte dos anseios nacionalistas no início do século XX que os fascistas se apropriaram.

O Estado italiano perpetuou uma dominação do Norte sobre Sul, de tal maneira que os interesses das camadas latifundiárias foram retirados da vida política, abrindo chance para que grupos fora do Estado, como os fascistas, os absorvessem e agissem para sua satisfação.

Junto a isso, o país passava por um momento de dívida externa catastrófico. Mesma situação da Alemanha, que se transformou de um país imperialista forte para uma potência castrada após a crise de 1929, com desenvolvimento desigual entre indústria e agricultura (assim como na Itália), característica do capitalismo monopolista então crescente no país, desgastado pela desvantagem em não ter conseguido forjar um império colonial forte, devido ao processo de industrialização tardio.

Ambos os países eram divididos internamente, falidos economicamente e elos fracos na cadeia imperialista, na medida em que passaram por processos de industrialização tardios e tinham classes sociais fortes de grandes agrários – na Itália, ignorados politicamente, na Alemanha, centrais e verdadeiros portadores do poder estatal – mesmo num contexto de industrialização rápida. Por fim, ambos os países estavam imersos em um clima de humilhação nacional perante as outras potências europeias e os Estados Unidos da América, olhavam a si próprios como nações proletárias[6] num mundo explorador.

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O que é fascismo: sentido político

De início, declara Robert Paxton, o movimento fascista tinha um programa relativamente progressista: propunha sufrágio feminino e voto aos dezoito anos de idade, abolição da Câmara Alta (relativa ao Senado brasileiro, em contraposição à Câmara Baixa, relativa à Câmara dos Deputados), nova constituinte, jornada de trabalho de oito horas, participação dos trabalhadores na administração das fábricas, tributação progressiva do capital, confisco de bens da igreja e de 85% dos lucros de guerra.

No entanto, cada ponto progressista, quando colocado em prática após a subida de Mussolini ao poder em 1922, foi flexibilizado de maneira que sua aparência progressista deu lugar a um grupo de propostas inofensivas à grande indústria. A base social do fascismo foi pequeno-burguesa, o que garantiu a massa da população ao seu lado, mas os interesses contemplados pela prática fascista não atendiam àqueles das camadas médias, afirma August Thalheimer:

O fascismo é o movimento da pequena-burguesia voltado para o grande capital, que utiliza esse movimento para suas finalidades contra as da classe operária. E por isso a pequena-burguesia é fatalmente enganada. Pois, a ditadura apoiada nos pequeno-burgueses não é a ditadura da pequena-burguesia. Ela é a ditadura do grande capital, como hoje aparece evidente na Itália.[7]

A base militar do movimento fascista contou com os Fasci di Combattimento, mas foi complementada pelo nascimento das Squadri, esquadrões de combate em territórios rurais que atacavam as instituições socialistas estabelecidas na área rural italiana, principalmente o Vale do Pó[8]. Eles defendiam os interesses do capital agrário, servindo como capangas dos grandes latifundiários do país.

Não só nas regiões rurais, os fascistas também atacavam socialistas na cidade: a destruição do jornal Avanti, em 1919, foi o início da investida fascista contra a esquerda italiana. Este ataque teve como resultado a morte de quatro pessoas e outras 39 feridas[9]. Apesar do passado socialista de Mussolini, a prática fascista foi desde seu início anticomunista e de direita[10].

Até agora, é possível compreender que o fascismo surge como uma solução com roupagem pequeno-burguesa, mas que atendeu interesses do grande capital. Poulantzas[11] e Trotsky concordam que o Estado foi controlado pela pequena burguesia, através da ocupação de cargos públicos, mas o poder de fato era exercido pelo grande capital financiador do Partido Nacional Fascista (PNF) e, no caso da Alemanha, do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores (Partido Nazista):

The historic function of fascism is to smash the working class, destroy its organizations, and stifle political liberties when the capitalists find themselves unable to govern and dominate with the help of democratic machinery. The fascists find their human material mainly in the petty bourgeoisie. The latter has been entirely ruined by big capital.[12]

O sentido político do fascismo é, então, de direita. Direita enquanto gênero e fascista enquanto espécie[13]. O antiliberalismo fascista funcionava principalmente contra os valores liberais, mas a política econômica liberal foi trocada por uma forma de governo que continuou atendendo interesses das empresas capitalistas. Já o anticomunismo fascista era destrutivo: os comunistas eram combatidos pelo movimento fascista dentro das fábricas, nas ruas, na imprensa, na política parlamentar e etc.

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O que é fascismo: pragmatismo e mito nacional

O caráter conservador de direita do fascismo era ancorado numa noção mítica da nação e flexibilizado no pragmatismo radical executado em sua prática. Se o fascismo não era uma forma de governo com programa claro[14], o mito nacional (ou étnico) funcionava como ponto fixo do sentido político-prático de seus governos.

A aparente irracionalidade do programa fascista era situada em três elementos-chave:

  1. O culto ao líder: que após a subida ao poder, era transferido ao Estado;
  2. Hostilidade à paz: na medida em que a violência e dominação são formas de demonstrar a superioridade de uma nação ou povo;
  3. Ênfase nos valores monísticos: para evitar a contradição e harmonizar todas as camadas da sociedade.

Assim, as decisões arbitrárias durante os governos fascistas e as contradições aparentes entre a defesa de pontos relativamente progressistas e a prática política conservadora e inofensiva ao grande capital eram escamoteadas no ponto fixo e objetivo ideal: a força da nação ou do povo.

Toda forma arbitrária de conduzir a política interna, como o assassinato dos líderes da Sturmabteilung (SA) por serem gays, mesmo após declaração prévia de Hitler de que a sexualidade era um problema de foro privado[15], ou então a completa negação do poder de Estado para a pequena burguesia, mesmo sendo ela a base de massas do movimento, eram justificadas pelo objetivo maior de construir uma nação forte.

A ideologia fascista era extremante patriarcal e manipulava tal característica da cultura europeia para satisfazer seus objetivos de controle social: os homens eram destinados a serem trabalhadores, pais e soldados, responsáveis pela manutenção do contingente de adeptos fascistas e pela vida de uma das mais importantes instituições para a reprodução do fascismo: a família; as mulheres eram responsáveis pela reprodução de novos recursos humanos para o Estado e pela harmonia da família.

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O que é fascismo: 7 características principais

  1. Corporativismo: “o fascismo concentra todas as suas forças para entravar a centralização dos sindicatos de classe em uniões nacionais gerais, esforçando-se por fragmentá-las em sociedades sindicais locais, a fim de as tornar inaptas para qualquer luta. […] aproveita as escolas técnicas profissionais para preparar um novo pessoal técnico qualificado, que se encontre sob a influência fascista e que possa substituir os quadros qualificados proletários revolucionários nos transportes e nos domínios mais importantes da indústria”[16].
  2. Violência: o fascismo “repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora sem estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza”[17].
  3. Mito nacional/étnico: “O mito é uma fé, é uma paixão. Não é preciso que seja uma realidade […] Mussolini fez dela [da nação] um mito, atribuindo-lhe uma unidade fictícia, idealizada […] explorada por outras nações”[18].
  4. Ideologia flexível: “Os conservadores sabem que, para uma política ser eficaz, ela precisa ser levada à prática através de iniciativas concretas, manobras, concessões, acordos, golpes de audácia, formas de arregimentação das forças disponíveis que transcendem da mera atitude doutrinária. A efetiva conservação dos privilégios depende menos de esforços lógicos do que da energia material repressiva”[19].
  5. Base de massas nas camadas médias:  “Quando a pequena burguesia é atingida tão severamente pola crise estrutural do capitalismo de idade madura, ela afunde na desesperança (inflação, falência dos pequenos empresários, desemprego massivo dos diplomados, dos técnicos e dos empregados superiores, etc.), é quando, pelo menos em parte desta classe, surge um movimento tipicamente pequeno burguês, mistura de reminiscências ideológicas e de ressentimento psicológico, que combina um nacionalismo extremo e uma demagogia anticapitalista, violenta pelo menos em palavras, uma profunda hostilidade para com o movimento operário organizado (‘nem marxismo’, ‘nem comunismo’)”[20].
  6. Expansão: quando o proletariado não conserva força política, “imperialism begins regulating economic life with its own methods; the fascist party which becomes the state power is the political mechanism. The productive forces are in irreconcilable contradiction not only with private property but also with national state boundaries. Imperialism is the very expression of this contradiction. Imperialist capitalism seeks to solve this contradiction through an extension of boundaries, seizure of new territories, and so on. The totalitarian state, subjecting all aspects of economic, political, and cultural life to finance capital, is the instrument for creating a supernationalist state, an imperialist empire, the rule over continents, the rule over the whole world”[21].
  7. Anticomunismo: o comunismo era o inimigo principal do fascismo, considerados pelo movimento como inimigos da nação. Os fascistas se esforçaram para anular a influência comunista nos sindicatos e na política partidária através de ataques violentos, como o dito acima, contra o jornal Avanti.

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O que é fascismo: resumo

  • Segundo Leandro Konder, o fascismo é: “Uma tendência que surge na fase imperialista do capitalismo, que procura se fortalecer nas condições de implantação do capitalismo monopolista de Estado, exprimindo-se através de uma política favorável à crescente concentração do capital”[22].
  • Para Clara Zetkin, “O fascismo é a expressão concentrada da ofensiva geral empreendida pela burguesia mundial contra o proletariado”[23].
  • Na visão de Georgi Dimitrov, o fascismo “representa um sistema de domínio de classe da burguesia capitalista e da sua ditadura na época do imperialismo e da revolução social”[24].
  • Já August Thalheimer vê o fascismo como “o movimento da pequena-burguesia voltado para o grande capital, que utiliza esse movimento para suas finalidades contra as da classe operária”[25].
  • Robert Paxton acredita que o fascismo seja “uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes nacionalistas engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz com as elites tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora sem estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza”[26].
  • Leon Trostky afirma que o papel histórico do fascismo é “to smash the working class, destroy its organizations, and stifle political liberties when the capitalists find themselves unable to govern and dominate with the help of democratic machinery”[27].
  • Nicos Poulantzas admite que “o fascismo constitui uma forma de Estado e uma forma de regime “limite” do Estado capitalista […] [Que surge a partir de] uma conjuntura extremamente particular da luta de classes”[28], de uma crise política que afeta as camadas médias, as camadas altas e o proletariado.

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Referências

[1] DIMITROV, Georgi M. Sobre as Medidas de Luta Contra o Fascismo e os Sindicatos Amarelos. Primeira edição: IV Congresso da Internacional Sindical Vermelha», Moscovo, 1928. Disponível em <<https://bit.ly/2RQRfvh>>. Acesso em 19 jan 2019.

[2] PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. São Paulo: Paz e Terra, 2007. p. 16.

[3] KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo. Rio de Janeiro: Edições do Graal, 1977. p. 29-30.

[4] KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo… p. 30.

[5] POULANTZAS, Nicos. Os elos alemão e italiano: a sua história IN Fascismo e ditadura: a III Internacional face ao fascismo. Vol. 1. Porto: Portucalense Editora, 1972.

[6] KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo… p. 11.

[7] THALHEIMER, August. O Fascismo, A Pequena Burguesia e a Classe Operária. Primeira Edição: “Rote Fahne”, jornal diário do PCA, julho de 1923. Disponível em <<https://bit.ly/2SZ32ER>>. Acesso em 19 jan 2019.

[8] PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo…

[9] PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo… p. 19.

[10] KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo… p. 5.

[11] POULANTZAS, Nicos. Fascismo e ditadura: a III Internacional face ao fascismo. Vol. 1. Porto: Portucalense Editora, 1972.

[12] TROTSKY, Leon. The collapse of bourgeois democracy IN Fascism: what it is and how to fight it. Primeira publicação: Pioneer Publishers: Nova Iorque, 1944. Disponível em <<https://bit.ly/2uzk1pl>>. Acesso em 19 jan 2019.

[13] KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo… p. 5.

[14] KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo… p. 40.

[15] PARENTI, Michael. Blackshirts and reds. 10ª ed. Editora City Lights Books: San Francisco, 1997. p. 15.

[16] DIMITROV, Georgi M. Sobre as Medidas de Luta Contra o Fascismo e os Sindicatos Amarelos…

[17] PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo… p. 358-359.

[18] KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo… p. 11.

[19] KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo… p. 6.

[20] MANDEL, Ernst. Introdução: A Teoria do Fascismo Segundo Leão Trotski. Primeira Edição: Ed. François Maspero, 1974, precedentemente publicada como prefácio ao livro de Trotski, “Como vencer o fascismo”, nas edições Buchet-Chastel. Disponível em <<https://bit.ly/2Dnjslj>>. Acesso em 20 jan 2019.

[21] TROTSKY, Leon. Build the revolutionary party IN Fascism: what it is and how to fight it. Primeira publicação: Pioneer Publishers: Nova Iorque, 1944. Disponível em <<https://bit.ly/2uzk1pl>>. Acesso em 20 jan 2019.

[22] KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo… p. 21.

[23] ZETKIN, Clara. Fascismo. Tradução de Gabriel Landi Fazzio. Labour Monthly, August 1923, pp.69-78. Disponível em <<https://bit.ly/2SD6jJZ>>. Acesso em 4 jan 2019.

[24] DIMITROV, Georgi M. Sobre as Medidas de Luta Contra o Fascismo e os Sindicatos Amarelos…

[25] THALHEIMER, August. O Fascismo, A Pequena Burguesia e a Classe Operária…

[26] PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo… p. 358-359.

[27] TROTSKY, Leon. The collapse of bourgeois democracy…

[28] POULANTZAS, Nicos. Fascismo e ditadura: a III Internacional face ao fascismo… p.63-64.

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