O golpe militar foi lembrado. O passado não pode ser esquecido. Os 50 anos da ditadura precisam ecoar. As fotos dos famosos mortos, desaparecidos e torturados apareceram em todos os cantos e uma face já bem conhecida da ditadura se materializou com um pouco mais de força: a tortura passou a ter um local mais fácil de se ver. A tortura ficou mais palpável.
É difícil perceber que a tortura parece ser coisa de filme. Mas parece. A tortura só tomou sua expressão material quando veio à tona com declarações vivas e protestos de rua que exigiam o julgamento de torturadores, quando os escrachos passaram a ter mais frequência e a denunciar velhos ranzinzas que não pareciam ter culpa de nada.
Segundo Zizek, a tortura é algo que não pode nunca ser regulamentada. Não pode haver possibilidade legal de tortura, pois então ela perderia seu status de violação terrível do corpo humano. A regulamentação seria uma forma de normatiza-lá, de retirá-la de uma esfera moral e simbólica para colocá-la na esfera fria e racional do direito.
A tortura, enquanto uma violação do corpo, se mostra como a afirmação do poder do Estado sobre os corpos. Melhor, do poder do coletivo sobre os corpos individuais. A tortura só tem um espaço na cultura enquanto a emancipação do corpo ainda não for plena. Se ela for plena, a tortura fica impensável. Se a emancipação do corpo for plena, a tortura se torna um crime tão duro quanto a violação da propriedade privada em um sistema capitalista.
Que todos os Rubens Paiva, Herzogs e Angels sejam lembrados para sempre.
Instagram: @poressechaopradormir
Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudo do biopoder nos textos foucaultianos.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.