Como você pode ver, Aloysio Nunes, senador por São Paulo e candidato a vice-presidente na chapa do PSDB, usou o Twitter para desabafar. O cidadão de bem veio a público manifestar sua indignação com a implantação de ciclovias por toda a cidade de São Paulo. Nem as redondezas de onde reside, no charmoso bairro de Higienópolis, foram poupadas de mais essa medida autoritária da gestão petista de Fernando Haddad à frente da prefeitura paulistana. Pobres moradores de Higienópolis: não vão mais poder circular tranquilamente em seus carros importados e SUVs, sem serem importunados pelos indesejáveis ciclistas!
É claro que estou brincando. Muito embora, a julgar pelo teor da declaração, quem parece estar brincando é Aloysio. Primeiro, porque o delírio autoritário não deve ser atribuído ao prefeito da capital. Em seguida, a “revolta dos moradores de Higienópolis” não é provocada pelas ciclovias no bairro, mas por toda e qualquer tentativa de integrá-lo ao espaço urbano — e, sejamos justos, não são todos os moradores de Higienópolis que ficam revoltados, mas aqueles que não querem que “gente diferenciada” circule na sua vizinhança.
Sim, porque autoritário é não reconhecer o problema da mobilidade urbana na capital. E, assim, se opor a toda e qualquer tentativa de melhorar a circulação das pessoas na cidade. O modelo baseado no transporte individual motorizado está fadado ao fracasso. Os congestionamentos quilométricos de cada dia estão aí para atestar a falência do modelo. Além disso, autoritária é essa postura xenofóbica de recusar que pessoas fora de um determinado padrão possam circular em um espaço público. Manifestação nefasta do privatismo que marcou a formação da nossa sociedade: toma-se o público como uma extensão do privado, e o corolário é que as ruas do bairro são tratadas como parte do quintal de casa.
Mais que isso, a fala de Aloysio é a voz da classe que ele representa. Classe que tem interesse em que continue a existir um abismo entre ricos e pobres, e que estes últimos continuem longe, bem longe – isto é, a menos que estejam ocupando o lugar de serviçais em suas casas.
Assim, a defesa de um modelo de mobilidade totalmente falido só se explica nesse contexto. Como bem apontou André Gorz, o modelo do transporte individual motorizado está plenamente em sintonia com os ideais burgueses. O sujeito, isolado em seu carro, é um indivíduo concorrendo com outros no trânsito da cidade. Por outro lado, sustenta a ilusão da potência ilimitada, de poder vencer grandes distâncias em poucos segundos. O outro, portanto, só pode ser visto como um obstáculo para a consecução do meu objetivo de chegar, o mais rápido possível, ao meu destino. Não há melhor metáfora para o funcionamento do capitalismo do que o trânsito.
Do mesmo modo que as crises recorrentes pelas quais passa o modo de produção capitalista revelam sua desfuncionalidade, a crise de mobilidade das grandes cidades mostra a insustentabilidade do paradigma do transporte individual a motor. Gorz resume a disfuncionalidade desse paradigma da seguinte forma: “Quando todos reivindicam o direito de dirigir na velocidade privilegiada da burguesia, tudo para, e a velocidade do tráfego da cidade cai vertiginosamente.” Eis o problema com que nos deparamos hoje.
Problema para o qual as ruas exigem soluções imediatas. As manifestações de junho de 2013 são a prova mais contundente de que a questão da mobilidade não pode esperar. Não é admissível que se desperdice tanto tempo de vida no trajeto de casa para o trabalho e vice-versa – sobretudo para os menos afortunados que não residem em Higienópolis.
Nesse contexto, a bicicleta se apresenta como uma importante alternativa. Não é uma panaceia, que há de resolver sozinha o nó da mobilidade nas nossas cidades. Mas com uma rede decente de ciclovias, integrada a outras modalidades de transporte, pode melhorar sensivelmente o caos que se tornou o trânsito nos grandes centros urbanos. Isso sem falar na melhoria da qualidade de vida e da convivência entre as pessoas.
Portanto, neste 22 de setembro, que marca o Dia Mundial Sem Carro, só posso lamentar pelo delírio autoritário do senador Aloysio e da classe que ele representa. Sinto informar-lhes que a bicicleta veio para ficar. E pede passagem aos que ficaram parados no tempo, na contramão da cidade.