O habitus, entendido como sistema de disposições práticas, tende a ser o conceito operatório de articulação entre o nível objetivo e o nível subjetivo, retirando a ingenuidade de uma apreensão primeira do mundo social e, ao mesmo tempo, recolocando a análise objetiva em sua responsabilidade de explicar as condições que permitem a expressão subjetiva.
Categoria: Pierre Bourdieu
Biografia de Pierre Bourdieu
Bourdieu conseguiu absorver Weber, Durkheim e Marx em sua teoria e desenvolveu conceitos como habitus, o sistema de disposições gerais de cada agente social; campo social, um local de relações de força e lutas internas pela legitimidade; e violência simbólica, violência do opressor internalizada pelo oprimido.
É necessário alguns aspectos específicos para compor sua sua biografia: Pierre Bourdieu nasceu no interior da França, em 1 de agosto de 1930, na família de um funcionário público de baixo escalão. Logo, Bourdieu foi guiado para manter seus estudos em Paris e entrou na prestigiada École Normale Supérieure. Ao contrário do esperado, o autor não fez sociologia, mas sim graduação em filosofia, e estudou epistemologia e história da ciência – o que o colocou em oposição à escola dominante na França, naquele momento, o existencialismo sartreano[1].
Sua mudança para o campo da sociologia ocorreu após ser chamado pelo exército francês à Guerra da Libertação da Argélia, de 1956 à 1962, aprofundando-se no estruturalismo de Claude Lévi-Strauss e produzindo uma etnografia da sociedade Cabila. Ao voltar para França, em 1960, foi assistente de Raymond Aron e no ano seguinte tornou-se professor da Universidade de Lille[2]. Em 1964, passou a ser institucionalmente um sociólogo, ocupando o cargo de diretor da École des Hautes Études en Sciences Sociales. Quatro anos mais tarde fundou também um centro de pesquisas sociológicas e lançou em 75 o Actes de la recherche en sciences sociales, revista interdisciplinar de sua responsabilidade[3].
Ainda assim, sua obra é objeto de grandes controvérsias, já que muitos o consideram um mero autor da reprodução das desigualdades sociais (reprodutivista). Uma leitura rasa pode gerar más interpretações e ocultar a complexidade de sua teoria já que, para Bourdieu, os agentes sociais estão sempre em constante jogo de forças que os empurra em cada campo social, desejantes dos troféus do campo em que participam, marcando seus corpos com trejeitos e lhes inculcando modos de ser e fazer.
O campo de forças insere, na sociologia de Bourdieu, a impossibilidade de se fazer o que quer, como se quer, na hora em que se quer – ao mesmo tempo; também nega a inferência de que a técnica seria um ‘dom’, afirmando ser fruto da origem dos indivíduos, segundo códigos que lhes são familiares – para ele, o filho de família rica teria ‘dom’ para entender música erudita não por ‘gênio’, mas porque conhece suas regras, revelando na verdade uma distinção social e cultural entre indivíduos. Estas conclusões nascem da própria vida de Bourdieu e das oposições que ele mesmo viveu: nasceu no campo, mas se profissionalizou em Paris; era de uma família pobre, mas se relacionou com a nata rica e a classe-média francesas[4].
Não se pode resumir uma análise social pelo montante de dinheiro de uma pessoa ou por seu diploma universitário, diria Bourdieu, mas sim através da interrelação de todos os fatores importantes nos campos sociais em que cada pessoa participa num dado momento e no espaço.
Como a sociedade é essencialmente relacional, o espaço social é importante para a sociologia de Pierre Bourdieu. Os diferentes capitais (econômico, simbólico, social, cultural etc) irão posicionar cada agente de acordo com o acúmulo de capital dos outros agentes – o todo define a parte, sendo que toda definição é exterior em Bourdieu – nada se define por si.
Isso significa que o privilégio ou não-privilégio de um sujeito não depende de uma essência, de uma marca corporal – nem mesmo de sua renda, mas sim do volume de cada tipo de capital (econômico, simbólico, social, cultural etc) acumulado e de seus campos de atuação na sociedade, pois só assim é possível entender se um grande volume de um dado capital de fato terá relevância para tornar seu possuidor um privilegiado dentro das relações de poder nas quais ele está envolvido.
Reunimos abaixo uma coleção de depoimentos e citações de intelectuais sobre a obra de Pierre Bourdieu, veja o que especialistas pensam da sociologia bourdiana e não deixe de baixar todas as teses, dissertações e artigos disponíveis em PDF no fim da matéria.
Opinião de intelectuais sobre quem foi Pierre Bourdieu
Abaixo a opinião de alguns intelectuais que buscam responder a seguinte questão: “quem foi Pierre Bourdieu?“:
Clóvis de Barros Filho, em matéria para a Folha:
“Discorrer sobre a importância de Marx para o estágio atual das ciências sociais é fazê-los perder tempo”, sentencia. Refuta, no entanto, com veemência, o rótulo de “neomarxista”, não só por ser redutor, mas por gerar equívocos. Alonga-se sobre a relação entre campo e classe, o que o afasta da sua literatura publicada até então. Critica o caráter substancialista do conceito de classe. Contrapõe-lhe a lógica reflexiva das posições do campo. Esclarece: se o burguês é objetivamente burguês, em razão dos meios de produção, as posições de dominante e dominado no campo só existem e têm sentido umas em relação às outras.
Loic Wacquant, em artigo:
Os maiores pensadores de qualquer época são aqueles que não apenas “fazem descobertas” importantes – essa é a tarefa de qualquer cientista, como, aliás, afirmou Émile Durkheim –, mas também são aqueles que causam naqueles à sua volta uma mudança no modo de pensar, indagar e escrever. Pierre Bourdieu pertence a essa categoria, pois ele alterou para sempre a maneira como os estudiosos da sociedade, da cultura e da história em todo mundo, de Tóquio a Tijuana e a Tel Aviv, concebem e exercem seus ofícios. Para ser fiel ao espírito de sua vida sociológica e para continuar seu legado, devemos seguir aplicando suas idéias e testando seus achados a fim de produzir novos objetos de pesquisa.
Marco Weissheimer, em artigo:
Um dos pontos mais originais da obra de Bourdieu reside na vontade de superar o que ele chamava de “falsas antinomias” da tradição sociológica – entre interpretação e explicação, estrutura e história, liberdade e determinismo, indivíduo e sociedade, objectivismo e subjetivismo. Pierre Bourdieu não era apenas um pesquisador excepcional, reconhecido pela comunidade acadêmica internacional, mas um intelectual empenhado nas lutas sociais e no debate público, na tradição francesa que reúne nomes como Émille Zola e Jean-Paul Sartre.
Maria da Graça Jacintho Setton, em matéria para a revista Cult:
Pierre Bourdieu é um dos mais importantes pensadores do século 20. Sua produção intelectual, desde a década de 1960, estende-se por uma extensa variedade de objetos e temas de estudo. Embora contemporâneo, é tão respeitado quanto um clássico. Crítico mordaz dos mecanismos de reprodução das desigualdades sociais, Bourdieu construiu um importante referencial no campo das ciências humanas.
Veja abaixo nossa lista de artigos sobre o autor!
Referências
[1] Pierre Bourdieu. Oxford Bibliographies. Acessado em 09 de agosto de 2016, http://goo.gl/BaL7W3.
[2] GRENFELL, Michael. Pierre Bourdieu: Agent Provocateur. Estados Unidos da América: Editora Continuum, 2004, pag.8.
[3] Pierre Bourdieu, A Biography in Brief. About Sociology, Acessado em 09 de agosto de 2016, http://goo.gl/9QoDQ1.
[4] GRENFELL, Michael. Pierre Bourdieu: Agent Provocateur. Estados Unidos da América: Editora Continuum, 2004, pag.9.
O espaço social – Pierre Bourdieu
A representação do espaço social construído, se tem a base para uma análise social, propostas de projetos políticos, econômicos ou sociais a partir de um mapeamento científico da estrutura social. Trata-se de um espaço estrutura por posições relacionadas. A propriedade de cada posição depende das relações firmadas com outras posições, sendo assim, o sistema se faz como negatividade, em que a propriedade de uma posição é justamente tudo aquilo que as outras não são. A distinção, assim, assume uma importância maior na análise.
o sentido da inveja [pierre bourdieu] – Citações #5
BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Para quem duvidasse de que o fato de “saber se fazer servir”, de acordo com o discurso burguês, é uma das componentes da arte de viver burguesa, basta evocar os operários ou os pequenos empregados que, tendo entrado por ocasião de um grande evento em um restaurante…
A distinção: crítica social do julgamento, de Pierre Bourdieu: resenha
A distinção: Crítica social do julgamento é um livro de Pierre Bourdieu publicado em 1979 pela editora Minuit na França. O livro revela a preocupação de Bourdieu com a constituição de uma sociologia “estruturalista-construtivista” em que o elemento do habitus passa a ser central no entendimento dos campos sociais. Segundo Patrícia Mattos: Uma das preocupações…
O campo social – Pierre Bourdieu
O campo se faz como espaço de lutas, espaço que, visto em sua diacronia, se faz como um campo em transformação, em disputa. Esta disputa se faz através de estratégias que não precisam ser conscientes para que sejam aplicadas. O habitus é o elemento que, ao fornecer disposições práticas, fornece também formas de interpretação do mundo e de relação com os diferentes elementos do campo, ou seja, mesmo sem intenção de fazer, a estratégia do agente social tem relação com as disputas específicas do campo.
O fenômeno Bolsonaro aos olhos de Bourdieu
A “base mais fiel de Bolsonaro”, neste momento, usa lentes muito específicas para observar o mundo: aquelas mesmas que, prontas para ver na indicação do filho do presidente à embaixada brasileira mais estratégica legitimidades tanto política e moral, só resolveu colocar estes óculos porque eles lhe permitiram validar o que, a olho nu, lhes era politicamente indefensável.
Pierre Bourdieu em A Sociologia É Um Esporte De Combate (2001)
“Eu digo frequentemente que a sociologia é um esporte de combate, um meio de defesa pessoal. Basicamente, você pode usá-la para se defender, sem ter o direito de utilizá-la para ataques covardes.” – Pierre Bourdieu. Pierre Bourdieu foi um sociólogo de grande produção acadêmica desde os anos 60, alcançando fama mundial nos anos 90 como…
Televisão, indústria da informação – Pierre Bourdieu
Entender a televisão como uma indústria permite que olhemos para seu processo de produção da informação e entender como ela funciona.
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Sujeito e objeto: uma falsa dicotomia
Sujeito e objeto fazem parte de uma dicotomia não existente na sociologia contemporânea. Veja como esta oposição se desdobra.