Como fazer análise do discurso: metodologia – DROPS #58

FERNANDES, Caroline. Análise do Discurso: o que é e como faz? | Capacitações PET. Canal do Youtube do Grupo PET – Letras. Disponível aqui. Acesso em 14 de novembro de 2023.

Como fazer análise do discurso?

Primeiramente, é necessário fazer algumas considerações acerca da metodologia na análise do discurso. O primeiro ponto é: Michel Pêcheux questiona o idealismo na ciência, questiona que de fato haja um corte epistemológico entre ideologia e conhecimento científico, que não se subtrai da ideologia.

Os objetos de pesquisa em uma dada época, a seleção das demandas sociais a serem atendidas, etc, são itens ligados à ideologia. Somos cientistas e estamos meramente amparados na ciência? Não. Questões acerca do fomento, por exemplo, são relevantes para entender os estudos científicos. O idealismo, então, que faz essa abstração científica por meio de construções lógicas, métodos reprodutíveis – em que, a partir do mesmo método se terá a mesma eficiência na aplicação em qualquer objeto – , enfim, por meio do positivismo. O funcionamento lógico e linguístico da ciência não é neutro ou indiferente à ideologia. Não há distinção entre o fora e o dentro.

A imagem da banda de Möbius pode ser utilizada para exemplificar a indistinção que a análise do discurso faz entre teoria e prática de análise. Não são separáveis. Em análise do discurso, a análise funciona com base na teoria. Com base num arcabouço teórico que dará sustentação à análise. A interpretação é relacionada à teoria para compreensão dos processos discursivos.

A partir dessa relação entre teoria e análise, temos uma teoria não-positiva que produz um dispositivo teórico-analítico. A análise de discurso de perspectiva materialistas, a AD, não separa os procedimento metodológicos do escopo teórico, por isso compreende-se que em cada trabalho há uma construção de um dispositivo teórico-analítico próprio. Para isso, tem-se os conceitos básicos: língua, sujeito, ideologia, formação discursiva, etc, mas a depender da análise, outros conceitos poderão ser utilizados.


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Por exemplo, em meu trabalho, eu utilizo o conceito de posição-autor e gesto de interpretação, que funcionam para fazer análise, mas que não foram necessários em minha dissertação de mestrado, em que lidei com a mídia. Os conceitos, assim, são elencados segundo a necessidade para a interpretação do corpus discursivo específico da análise.

Após o tema de pesquisa definido, a partir de um desejo do pesquisador, cabe ao profissional de pesquisa ler sobre o tema, conhecer sobre o assunto que será tratado, o que leva ao primeiro momento de construção no percursos para analisar discursos: a construção do arquivo de pesquisa, com textos, imagens, vídeos e materiais que podem contribuir com a análise. O corpus inicial pode ser coletado (por exemplo, ao se coletar reportagens produzidas pela imprensa) ou produzido (por meio de entrevistas) e, em seguida, deverá ser relacionado à literatura teórica.

O segundo momento é o de construção do corpus discursivo: procedimento de recorte discursivo do arquivo de pesquisa. Neste momento, todo o material coletado deve será filtrado, deve-se selecionar aquilo que de fato será objeto de análise. Muito do material coletado não representará tudo que a análise pode abordar, ele pode compor um corpus de apoio, com materiais secundários.

O terceiro momento é a própria análise do corpus discursivo. Trata-se da prática de analisar os dados coletados a partir da sustentação teórica.

Desta forma, tem-se as seguintes etapas do percurso de análise:

  1. Definir o objeto de análise;
  2. Delimitar o tema da pesquisa e as condições de produção no tempo e no espaço (a partir do tempo que o próprio pesquisador terá para fazer sua análise);
  3. Constituir o arquivo da pesquisa (com todo o material selecionado);
  4. Constituir o corpus discursivo;
  5. Do corpus discursivo, se recorta sequências discursivas, como uma frase, uma imagem, uma forma de dizer. Não se trata de analisar um texto do início ao fim, mas algo que realmente interesse para se analisar o discurso;
  6. Descrever a materialidade significante (se é verbal, não verbal… Como funciona produzindo efeitos de sentido) para entender o funcionamento discursivo;
  7. Verificar a tensão entre paráfrase e polissemia, ou seja, o que se mantém, o que rompe, o que desliza e desloca os sentidos, sempre relacionando ao funcionamento das formação discursivas, ao que é dito ou não dito, ao que é silenciado.

É necessário sempre considerar na análise do discurso: sua produção, sua formulação e seus modos de circulação. Faz diferença se nosso objeto é uma imagem estática, um meme, se tem linguagem verbal ou não verbal, se é um vídeo, uma música, se tem ou não som, se está nas redes sociais, se está em um panfleto impresso e entregue na rua, todos esses elementos produzem efeitos de sentido distintos.

A prática de análise

Gostaria de trazer como exemplo a análise do discurso materializado no trabalho da artista Raquel Votorelo que tem como título “coisas de mulher”. Ela presta homenagem a mulheres que fizeram história. E o “coisa de mulher” está entre aspas, afinal, o que seria “coisa de mulher”? Na ideologia dominante, coisa de mulher é limpar, passar, ter filhos, é o que cabe à mulher na sociedade. Ela traz este título para rebater tal ideologia e mostrar que a história é constituído por mulheres de todos os tipos. Ao colocar esta obra na internet, divulga para todos os que seria verdadeira coisa de mulher, termo que não deveria ter carga pejorativa.

A expressão “coisa de mulher” tende a ser colocada para designar coisas menores e seu trabalho pode ser utilizado para refletir sobre o papel da mulher na sociedade em sala de aula, além das redes. Se fosse um material somente impresso, preso à sala de aula, não teria tanta abrangência quanto sua distribuição nas redes.

Por exemplo, ao utilizar a figura da Frida Khalo, diz que “coisa de mulher é ser uma das maiores artistas do século XX”.

Em relação à produção do discurso: a ideologia dominante que determina o lugar social que a mulher deve ocupar é questionada pelo discurso de resistência das mulheres que querem ser reconhecidas por outras funções que não as de mãe e do lar. “Coisa de mulher” é também realizar outros feitos que qualquer ser humano pode e tem capacidade de fazer.

Em relação à formulação do discurso: o discurso é formulado em linguagem verbal com apoio do significante visual para chamar atenção na web.

Em relação à circulação da formulação: circula em sites e nas redes sociais, provocando interação com o sujeito leitor-digital que o promove por curtidas ou compartilhamentos. Também circula como material educativo impresso.

Em relação à produção de efeitos de sentido: produz efeito de sentido de resposta ao discurso machista que barra à ocupação de certos postos de trabalho por mulheres ou mesmo de dar-lhes o devido reconhecimento por seus feitos e talentos.

A compreensão do processo discursivo: temos aqui um sujeito-enunciador que se identifica com uma formação discursiva feminista cujo discurso de resistência combate a ideologia dominante que imputa às mulheres certa função de manutenção da família como um aparelho ideológico de Estado, conceito desenvolvido por Louis Althusser. A produção de sentidos aqui se realiza através do processo de polissemia que rompe com a repetição da formação discursiva dominante.

Nós temos a instauração de um novo olhar sobre a mulher, uma nova possibilidade de vê-la para além dos trabalhos de família ou de cuidados com a casa. Fazendo o que quiser. Neste trabalho, a liberdade dada à mulher é produzida a partir da formação discursiva feminista.

 – Caroline Fernandes.

Análise do discurso: conceitos fundamentais de Michel Pêcheux

Veja abaixo a fala da professora Carolina Fernandes:

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