Modernidade Líquida, o que é? Resumo – Zygmunt Bauman

O conceito de modernidade líquida nasce de um diagnóstico de época, em que a contemporaneidade é construída através dos pilares frágeis da insegurança e do consumo. Assim, a vida se torna líquida, ausente de referenciais morais e político, um mundo de consumidores, de indivíduos atomizados responsáveis solitários pelo sucesso e fracasso de suas próprias vidas.

Índice

Modernidade líquida: introdução

Zygmunt Bauman é um sociólogo polonês nascido em 1925 que tem como ideia mais popular o conceito de modernidade líquida.

Fugiu de seu país de origem em 1939, foi para a Rússia durante toda a Segunda Guerra Mundial, após retornar à Polônia se filiou ao Partido Comunista e estudou na Universidade de Varsóvia.

Nesta universidade, chegou a ser professor, teve artigos proibidos e, após o retorno forte do antissemitismo, acabou sendo expulso de seu cargo e, anos mais tarde, comandou o departamento de sociologia da Universidade de Leeds.

É um autor de trabalho extenso, mas que aumentou substancialmente sua produção após a aposentadoria, em 1990. De lá pra cá, tem se dedicado ao tema da modernidade líquida e seus desdobramentos[1].


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Modernidade sólida e líquida

Modernidade Líquida em Bauman

Podemos dizer que a modernidade líquida é a época atual em que vivemos.

É o conjunto de relações e instituições, além de sua lógica de operações, que se impõe e que dá base para a contemporaneidade. É uma época de liquidez, de fluidez, de volatilidade, de incerteza e insegurança.

É nesta época em que toda a fixidez e todos os referenciais morais da época anterior, denominada pelo autor como modernidade sólida, são retirados de palco para dar espaço à lógica do agora, do consumo, do gozo e da artificialidade.

Antes de Bauman criar o conceito de modernidade líquida, Karl Marx e Friedrich Engels já caracterizavam a modernidade como o processo histórico que derretia todas as instituições de outras épocas, como a família, a comunidade tradicional (culturalmente peculiar e fechada para forasteiros) e a religião (vide a secularização dos Estados-nação no século XX)[2].

O objetivo do derretimento proposto pela modernidade era questionar cada ponto da vida, descartando a irracionalidade e a falta de justificativa plausível que cada objeto de crítica continha, mas mantendo ou realocando no projeto racional e iluminista suas características ainda aproveitáveis.

A destruição da modernidade sólida, portanto, era criativa, na medida em que desenraizava o velho e o enraizava no novo, o colocando em outra gama de relações. É este o mote de Zygmunt Bauman para entender que a configuração atual da modernidade é qualitativamente diferente daquela descrita acima e vigente até a década de 60 (que é tomada como marco simbólico da mudança de época que trataremos aqui).

A modernidade líquida, nos dirá Bauman, é o momento em que os referenciais que possibilitavam o desenraizamento e reenraizamento do velho no novo são liquefeitos e, assim, perdidos[3].

Quando não há mais tais referenciais, a vida passa a ser entendida como projeto individual. E quais são esses referenciais? A classe, a religião, a família, a nacionalidade, a ideologia política. Todos eles foram solapados por uma crescente tendência ao consumo, à transformação das relações sociais em mercadoria, portanto, da própria identidade em mercadoria.

Isso pode ser visto principalmente no “processo de desregulamentação política, social e econômica que se manifesta na expansão livre dos mercados mundiais, no desengajamento coletivo e esvaziamento do espaço público”, diz Tiago de Oliveira Fragoso[4].

Fragoso complementa, “Na modernidade líquida os indivíduos não possuem mais padrões de referência, nem códigos sociais e culturais que lhes possibilitassem, ao mesmo tempo, construir sua vida e se inserir dentro das condições de classe e cidadão. Chega-se no entender de Bauman a era da comparabilidade universal, onde os indivíduos não possuem mais lugares pré-estabelecidos no mundo onde poderiam se situar, mas devem lutar livremente por sua própria conta e risco para se inserir numa sociedade cada vez mais seletiva econômica e socialmente”[5].

É nesta época que as relações de trabalho cada vez mais se desgastam e que a própria esfera do trabalho se transforma num campo fluido desregulamentado. Então, empregos temporários, meia jornada, empregos em que as relações de empregado-empregador são constituídas somente pelos dois (como os trabalhadores que são Pessoa Jurídica), se tornam situações fáceis de observar e consideradas legítimas pela sociedade. Nisto, emerge a figura do desempregado crônico[6].

Nas relações pessoais, as conexões predominam. Conexão é o termo que Zygmunt Bauman usa para descrever as relações frágeis. A grande sacada desta palavra envolve a noção de que, em uma conexão, a vantagem não está só em ter várias conexões, mas, principalmente em conseguir desconectar sem grandes perdas ou custos.

A relação frágil tem como pressuposto a transformação dos humanos em mercadorias que podem ser consumidas e jogadas no lixo a qualquer momento – a qualquer momento eles (os humanos) podem ser excluídos. A conexão é frágil porque o sujeito líquido lida com um mundo de consumo e opções, mas esse mundo nunca é objetivo e frio, ele ainda causa frustrações e, como já dito, insegurança. O sujeito líquido não tem mais referenciais de ação: toda a autoridade de referência é coloca em si e é sua responsabilidade construir ou escolher normas a serem seguidas – tudo se passa como se tudo fosse uma questão de escolher a melhor opção, com melhores vantagens e, de preferência, nenhuma desvantagem[7].

Isso tudo é coberto por uma mentalidade que, não só valida as instituições e as normas, mas também dá base para a vida dos sujeitos: os imperativos de consumo são inscritos naquilo que há de mais fundamental na constituição do sujeito líquido. Até mesmo no sexo.

Na modernidade líquida, o sexo é uma força de atomização, não de união. As conexões sexuais fortalecem a noção do indivíduo isolado, porque elas não são muito mais que o acúmulo de sensações que os sujeitos pós-modernos foram construídos para buscar. O sexo é sempre a satisfação instintiva individual sem qualquer responsabilidade ou ligação com o outro, sempre a acumulação de prazeres[8].

No entanto, para além da prática sexual, a própria noção da sexualidade foi modificada. Percebe-se isso nas crianças: atualmente, a expressão da sexualidade na criança é tida como produto do abuso de adultos – os adultos as abusam e este ato criminoso seria refletido na criança em ações simples, como quando começa a mexer nos próprios órgãos genitais. Antes desta conceituação da sexualidade infantil, as crianças eram tidas como sujeitos sexuais, elas tinham interesse pelo prazer sexual e se masturbaram em busca destas sensações (basta ler Freud).

Portanto, o autor chega a conclusão que essa nova significação da sexualidade infantil é o oposto da sexualidade, digamos, “sólida”: nela, a sexualidade era parte do instinto incontrolável que deveria ser vigiado constantemente pelos pais. A criança passou de sujeito sexual a objeto sexual.

Se os pais, quando próximos, podem ser considerados abusadores sexuais (o autor dá um ótimo exemplo no Mal Estar da Pós-Modernidade sobre um caso em que a escola de uma criança processou seus pais por abuso, mas eles acabaram sendo inocentados, porém não antes de recebem um grande linchamento moral), então a atitude correta é se afastar. Logo, o filho cresce sem a relação íntima e profunda (e vigilante, autoritária) que era sempre construída na modernidade sólida. é importante dizer que nada disso é meramente consciente e intencional – esse afastamento se dá “naturalmente”, daí a característica de qualquer época ser marcada por um véu de naturalidade.

Modernidade líquida é pós-modernidade?

Não! Este é um ponto importante: o conceito de modernidade líquida, fruto da análise de Bauman, não é um conceito análogo ao de pós-modernidade. Na verdade, é um conceito crítico.

Para Bauman, não há uma pós-modernidade, há uma continuação da modernidade com pontos diferentes. Aqui, o autor tem uma certa afinidade com Manuel Castells, que, ao falar da sociedade informacional, afirma que a sociedade industrial (no sentido de ter como base de produção as indústrias), ainda existe, mas com lógica diferente[9]. Não se trata de uma ruptura de época, mas de uma transformação dentro de uma estrutura, digamos, contínua. O mesmo aconteceria na sociedade líquida.

Apesar de ser confundido erroneamente como pós-modernista (e por isso que tem colocado o termo “modernidade líquida” em seus livros recentes), sua obra é, como já dito, completamente crítica àquilo que chama de pós-modernidade. O autor chega ao ponto de ser rígido com isso, afirmando:

Uma das razões pelas quais passei a falar em “modernidade líquida” em vez de “pós-modernidade” (meus trabalhos mais recentes evitam esse termo) é que fiquei cansado de tentar esclarecer uma confusão semântica que não distingue sociologia pós-moderna de sociologia da pós-modernidade, entre “pós-modernismo” e “pós-modernidade”. No meu vocabulário, “pós-modernidade” significa uma sociedade (ou, se se prefere, um tipo de condição humana), enquanto que “pós-modernismo” se refere a uma visão de mundo que pode surgir, mas não necessariamente, da condição pós-moderna.

Procurei sempre enfatizar que, do mesmo modo que ser um ornitólogo não significa ser um pássaro, ser um sociólogo da pós-modernidade não significa ser um pós-modernista, o que definitivamente não sou. Ser um pós-modernista significa ter uma ideologia, uma percepção do mundo, uma determinada hierarquia de valores que, entre outras coisas, descarta a idéia de um tipo de regulamentação normativa da comunidade humana e assume que todos os tipos de vida humana se equivalem, que todas as sociedades são igualmente boas ou más; enfim, uma ideologia que se recusa a fazer julgamentos e a debater seriamente questões relativas a modos de vida viciosos e virtuosos, pois, no limite, acredita que não há nada a ser debatido. Isso é pós-modernismo.[10]

A pós-modernidade, portanto, é uma fatia no tempo e no espaço, mas é uma fatia que nem mesmo pode ser chamado de “pós”, pois não há superação de nada, o que há é uma sequência contínua de modernidade sólida para modernidade líquida, com algumas características diferentes, mas ainda com o núcleo capitalista intocável. Essa mudança seria muito bem adaptável ao capitalismo (ou o capitalismo seria muito bem adaptável a essa mudança), mas dessa vez, ele se torna muito mais voraz que em épocas anteriores.

Modernidade líquida: resumo

Modernidade líquida é a contemporaneidade, comumente chamada de pós-modernidade. A classificação não anula o entendimento de que ainda estamos na modernidade, mas insere um elemento novo: a modernidade sólida se liquefez em um período de relações fluidas, incerteza social e econômica, insegurança existencial e completa falta de referências para projetos de vida e projetos de sociedade.

Exemplos de modernidade líquida

  • A qualquer momento, uma nova tecnologia pode ser inventada e modificar completamente o mercado em que for aplicada;
  • A qualquer instante, com qualquer mudança econômica, é possível que a posição de um sujeito na estrutura econômica seja modificada, aumentando a insegurança e relação à pobreza;
  • Como não há projetos de vida ou de sociedade, a estrutura econômica parece eterna ao mesmo tempo em que é liquefeita: para os empresário, eterna, pois o capitalismo aparece como horizonte último; para os trabalhadores, líquida, pois o risco da demissão em massa ou da abolição dos postos de trabalho é constante.

Modernidade líquida: mapa mental

Abaixo, um mapa mental da @med_rabiscos em que sintetiza as características da modernidade líquida a partir do trabalho de Zygmunt Bauman.

Mapa Mental: Zygmunt Bauman – Mapa 10

Outros textos do Colunas Tortas sobre modernidade líquida e Zygmunt Bauman

Amor Líquido: uma resenha

“A relação social, pautada em uma responsabilidade mútua entre as partes que se relacionam é trocada por um outro tipo de relação que o autor chama de conexão.

Ele tira esta palavra das análises de relacionamentos em sites de encontros. Em suas pesquisas ele percebe que o grande agrado dos sites de encontros está na facilidade de deixa o outro de lado”.

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Medo Líquido: uma resenha

“É na cidade onde pode-se encontrar os resultados da exclusão: os mendigos, as favelas e seus moradores, todos estes estranhos são seres que provocam o desprezo e a repulsa dos cidadão ditos normais.

A mixofobia (a repulsa pelo estranho) é vista materialmente de forma peculiar”.

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O que é “liquidez” em Bauman?

“O líquido é mais do que frágil. A relação líquida não é uma escolha entre ambas as partes que, coincidentemente, é uma escolha pela dificuldade em firmar laços profundos.

É uma relação que emerge em um conjunto de instituições, regras, lutas e sistemas simbólico, político e econômico definidos em uma estrutura social particular”.

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Fundamentalismo e modernidade líquida

“Citando Gilles Kepel, Bauman afirma que é impossível não concordar que os movimentos fundamentalistas são ‘verdadeiras crianças do nosso tempo: crianças não desejadas, talvez, bastardos da computação e do desemprego, ou da explosão demográfica e crescente alfabetização, e seus gritos ou queixas nesses anos de fechamento do século incitam-nos a buscar sua ascendência e a reconstituir sua desconhecida genealogia'”.

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Comunidade e identidade em tempos pós-modernos

“As elites podem ter a identidade que quiserem. Não se fixam em lugar nenhum, moram em todos os lugares e podem pertencer a todas as culturas.

Já a massa precisa se adaptar sozinha a um mundo sem uma linguagem cultural precisa e segura, em um mundo de insegurança que não lhes reserva um destino garantido. Todos estão jogados em uma competição louca e agressiva”.

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[E-BOOK] Modernidade líquida: uma introdução

E-book Modernidade Líquida: uma introdução.
E-book Modernidade Líquida: uma introdução foi produzido pelo Colunas Tortas.

O Colunas Tortas tentou responder a pergunta sobre o que é a modernidade líquida com um e-book introdutório baseado na obra homônima de Bauman.

Com este e-book, você entenderá os conceitos de Zygmunt Bauman de um jeito simples e rápido. O objetivo não é evitar que você tenha que compreender conceitos difíceis, mas lhe ajudar nessa trajetória.

Sobre o e-book:

  • 126 páginas;
  • Formato: PDF;
  • Otimizado para ler em computadores, tablets e celulares.

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Referências

[1] SIQUEIRA, Vinicius. Zygmunt Bauman: a biografia de uma lenda. Colunas Tortas, 2015. Disponível aqui. Acesso em 24 de set de 2017. Voltar ao texto.

[2] Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto do Partido Comunista10ª Edição, São Paulo: Global, 2006 [1848]. Voltar ao texto .

[3] BAUMAN, Zygmunt. O Mal Estar na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. Voltar ao texto .

[4] FRAGOSO, Tiago de Oliveira. Modernidade líquida e liberdade consumidora: o pensamento crítico de Zygmunt Bauman. Revista Perspectivas Sociais, Pelotas, Ano 1, N. 1, p. 109-124, março/2011. Voltar ao texto .

[5] FRAGOSO, Tiago de Oliveira. Modernidade líquida e liberdade consumidora: o pensamento crítico de Zygmunt Bauman… Voltar ao texto .

[6] BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Tradução de Carlos Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. Voltar ao texto .

[7] BAUMAN, Zigmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zorge Zahar Editor, 2004. Voltar ao texto .

[8] BAUMAN, Zygmunt. O Mal Estar na Pós-Modernidade… Voltar ao texto .

[9] CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. Voltar ao texto .

[10] PALLARES-BURKE, Maria Lúcia. A Sociedade Líquida – Zygmunt Bauman. Entrevista, Folha de S. Paulo, São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003. Voltar ao texto .

Anexo

Abaixo, trecho da entrevista de Bauman a Renato Nunes Bittencourt em que abordar a escolha pelo termo “modernidade líquida” em vez de “pós-modernidade”.

A “Modernidade Líquida”, como o senhor argumenta, representa a diluição do ideário universalista da Modernidade, que traz acima de tudo o conceito de progresso, considerado tanto em nível material como teleológico e moral. Todavia, podemos afirmar que, de alguma maneira, o projeto filosófico da Modernidade de fato se concretizou?

Bauman: A moderna “reavaliação de todos os valores” foi desencadeada e deslanchou a partir do sonho de paz e tranquilidade… Este era o tema subjacente de todas as semelhanças utópicas da “boa sociedade”. Como Jean-Claude Michéa explicou em L’Émpire du moindre mal [Climats, 2007], esse sonho era uma espécie de rea- ção instintiva às infindáveis guerras religiosas que dilaceraram a Europa e trouxeram uma indizível devastação material, física e moral (Blaise Pascal classificou a guerra como “o maior de todos os males”), bem como uma fragilidade cada vez mais visível do “Antigo Regime”, que já não era mais capaz de garantir o que veio à tona – em sua maior parte por meio de sua ausência! – como, por exemplo, a “ordem social”. O “Projeto Moderno”, se é que ele existiu, seguiu-se à exigência de ordem: firmeza e clareza das leis que governam a sociedade de alto a baixo e, com isso, garantir a previsibilidade, transparência e certeza tão nítida e dolorosamente ausente da condição humana.

O oposto e inimigo da “ordem” era o caos: a necessidade de ordem significou uma guerra de atrito declarada contra a contingência, a casualidade (ou improvisação) e a aleatoriedade do destino humano, culpadas de tornar a vida incontrolável em seu planejamento fútil. Presumiu-se que os objetivos dessa guerra exigiam submeter o mundo ao gerenciamento humano: com Deus notoriamente ausente e lavando suas mãos no que dizia respeito às questões humanas; e a natureza cega, caprichosa e descontrolada, e insensível às necessidades e aos desejos humanos, a “ordem” só podia ser estabelecida na Terra à força em vez de por meio da persuasão, por seres humanos armados de razão (como Marshall McLuhan sugeriria em Os meios de Comunicação como extensões do Homem, o século XIX foi a era da editoração, o que fez do século XX uma era do divã psiquiátrico depois que a “edição” provou ser ineficiente e insuficiente). O espírito moderno estava animado por um esmagador desejo de solidez e nutriu uma esperança de sólidos perfeitos, descartando novas improvisações e oferecendo descanso e tranquilidade onde a inquietude e o trabalho pesado, maçante, eram a norma.

Será que a utopia da Modernidade não era talvez uma distopia escamoteada?

Bauman: Ao nascer e durante sua juventude, a Modernidade pretendeu ser um esforço único e uma revisão definitiva do mundo; ela tinha esperança e esperava sair dessa função. O projeto original não incluía rigorosamente a possibilidade de a “modernização” tornar-se uma compulsão e obsessão, de fato, uma forma permanente de vida em nossa época. Isso foi antes uma sequela involuntária, não planejada e não prevista…

Atualmente, considera-se o conceito de “pós-modernidade” insuficiente ou inadequado para a compreensão e descrição de nossa atual conjuntura cultural, social e existencial. Gilles Lipovetsky propõe o termo “hipermodernidade”; você, por sua vez, criou o conceito de “Modernidade Líquida”. Haveria convergências entre ambos?

Bauman: Há muitos termos empregados para descrever nossa condição sociocultural contemporânea (a propósito, foi Georges Balandier quem primeiro sugeriu o nome “surmodernité”) – pós-modernidade, modernidade tardia, segunda modernidade – todos implicam que a realidade não é mais como ela costumava ser quando nós a descrevíamos como sendo apenas “modernidade”, sem um qualificador. Mas todas as designações chegam à beira de sugerir como a nossa realidade difere de sua antecessora. Esses termos afirmam explicitamente apenas uma coisa: este mundo aqui e agora não é idêntico ao mundo que existiu há uns 50 anos mais ou menos.

Optei pelo termo “Modernidade Líquida” por que desejei manifestar minha discordância das descrições de Lipovetsky, Balandier, Giddens ou Beck das atuais condições humanas. Procurei um termo que não nos diria apenas o que essa condição deixou de ser, mas também que qualidade ela adquiriu que a distingue da modernidade “clássica” e, por conseguinte, exige uma nova “caixa de ferramentas analítica” e uma nova agenda para estudos sociais e culturais. Julguei que o termo “liquidez” é o que melhor se adéqua ao meu propósito: o aspecto definidor de “liquidez”, a incapacidade de reter sua forma por muito tempo e sua propensão a mudar de forma sob a influência de mínimas, fracas e ligeiras pressões é apenas o traço mais óbvio e, em minha opinião, também a característica mais consequente de nossa atual condição sociocultural.

41 Comentários

  1. Belissimo artigo. Sou leitora de Baumann e acho que realmente o maior problema do seculo XXI é a falta de compromisso das pessoas com o outro. Trabalho com formação de professores e tento dialogar com eles sobre a vida neste mundo globalizado, a vida nas cidades onde vivemos, onde se percebe a ação dos poderes globais com nossa cultura local.O Bauman é um grande pensador que nos ajuda entender um pouco esta complexidade dos Tempos Liquidos.

    1. Achei a ideia do texto bem oportuna no momento atual em que vivemos, onde as relações se transformam a cada momento e trazem com isso questões que interferem diretamente nas nossas vidas e percebemos que apenas somos parte integrante de um jogo político-econômico-social e sem muito espaço para sermos nos mesmo, acabamos nos perdendo e buscamos formas alternativas de ser, sem contudo lograr o encontro consigo mesmo.

  2. Boa noite! Primeiro, parabéns pelo artigo. Ele tem sido muito esclarecedor para mim. Descobri ele através do tema que pretendo trabalhar na minha tese de mestrado. Quero falar acerca das relações liquidas contemporâneas e foi através desta questão que tive conhecimento da página e de trabalhos ligados a Bauman.
    Gostaria de saber se vocês poderiam me indicar outros pensadores relacionados ao tema.Ou pontuar o que eu deveria priorizar na obra de Bauman na pesquisa. Pois tenho que entregar meu pré-projeto até sexta e gostaria de uma luz para fundamentá-lo da melhor forma possível apesar do curto prazo ( dia 30/set ).

    Obrigada!

  3. Estou encantado com os artigos deste site. Muita informação interessante para mim que gosto de temas relacionados as relações na sociedade hodierna, sobretudo mediada pelas tecnologias de comunicação e informação. Parabéns pelos artigos sobre Bauman. Abraços

  4. Acabei de comprar Modernidade Líquida, acabei de receber e já fiz citações dele em meu trabalho sobre tecnologias. Parabéns Vinícius.

  5. Eu sou Kiaku-Mbuta Martinho, nascido em Kinshasa/RDC de nacinalidade Angolana, mestrando na Universidade Onze de Novembro em Cabinda. Concordo com penssamentos de Prof.doutor Bauman e tambem de Michel Pécheux , a cerca de Liquidaçao de Modernidade.baseando sobre a Aculturaçao que muito estao importar para entergrar na suas vidas individuais,Familias, sociedades enteira. Gostaria que este livro seja considerado com uma pagina na folha inicial de todos os computadores. porque, logo o utilizador liga o seu cptor, ja esta o refrescamento educativo de Prof. Bauman. Eu esto preparar o minha dissertaçao sobre Endomarketing educacional«Valorizaçao de CApital humano e desenvolvimento FAmilial.» Esta aula é um fundamento de meu tema.

  6. PARABÉNS!
    por compartilhar o conhecimento de forma democrática e clara.. Para eu que estou voltando aos bancos de escola depois de décadas foi uma grata surpresa me deparar com este site. Espero que mais pessoas sigam este exemplo, estam9os precisando e muito.
    Eu ainda estou no primeiro degrau e quem sabe uma hora mdestas eu possa contribuir de alguma maneira.
    VALE!!!!

  7. Boa Tarde a todos

    Os possíveis caminhos para as organizações sobreviverem de acordo com as características
    apresentadas e o raciocínio de ” Zymunt Bauman “, Modernidade Liquida é a atualidade em
    que se vive cuja a construção mostra uma vida sem referência moral e politica, dando aos
    consumidores as responsabilidades pelo próprio sucesso ou fracasso que venha ocorrer em
    suas vidas. Com esse entendimento podemos seguir os passos : Identificar se as organizações
    são dinâmicas, se acompanham as mudanças, se respondem sempre com ação , observar que
    seguindo ainda esse raciocínio , na modernidade líquida , os indivíduos são livre em seus questío-
    namentos e reflexões procurando sempre a atualidade , considerar que ideias podem surgir e trocas
    podem ocorrer , visto que a falta de segurança e incertezas diante das mudanças não permitem
    mobilidade Tal modelo social econômico e cultural proporciona o crescimento da organização em
    que a informação circula de forma conectada ,tecnológica e atualizada. Quanto ao planejamento
    estratégico a longo prazo faz sentido uma vez que é um instrumento dinâmico de gestão e é através
    dessa ferramenta que se observa o caminho para ser seguido e a oportunidade de antecipar as decisões
    uma vez que se espera sempre um futuro incerto, diferente de um passado já conhecido.

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