Por que estamos cada vez mais sós nos centros urbanos?

E por que tratamos suas consequências psicológicas de forma alienada às causas; “despolitizada”, por assim dizer? Pois reduzimos à esfera individual um problema coletivo.

Em julho de 2013, a OMS (Organização Mundial de Saúde) relatou que a região metropolitana de São Paulo é a que possui maior índice de transtornos mentais no mundo, com cerca de 30% da população afetada pela ansiedade, por mudanças comportamentais, pelo abuso de substâncias químicas, entre outros. É fácil compreender como estes problemas derivam, em grande parte, da forma com que estamos organizados nas cidades, além da forma com que nossa relação com o outro, presente o tempo todo ao nosso redor, é frequentemente distante e fria.

O filme argentino “Medianeras – Buenos Aires na Era do amor virtual”, de 2011, fala, dentro de sua proposta, sobre como a organização dos espaços urbanos afetam nossas relações pessoais, resultando em um isolamento que, por sua vez, resulta em diversos problemas psicológicos. Olhando para nós, no entanto, percebemos que frequentemente o diagnóstico e o tratamento para estes problemas se dão de uma forma totalmente alienada à sua causa. “Despolitizada”, por assim dizer, pois reduzem à esfera individual um problema coletivo.

Veja também: Somos Abelhas – Análise de Medianeiras

Cena do filme “Medianeras” (2011)

“Buenos Aires cresce descontrolada e imperfeita. É uma cidade superpovoada num país deserto. Uma cidade onde se erguem milhares e milhares de prédios sem nenhum critério. Ao lado de um muito alto tem um muito baixo. Ao lado de um racionalista, tem um irracional. Ao lado de um em estilo francês, tem um sem estilo. Provavelmente essas irregularidades nos reflitam perfeitamente. Irregularidades estéticas e éticas. Esses edifícios que sse sucedem sem nenhuma lógica demonstram falta total de planejamento. Exatamente assim é a nossa vida que construímos sem saber como queremos que fique. Vivemos como quem está de passagem por Buenos Aires. Somos os criadores da cultura do inquilino. (…) Os prédios, como todas as coisas pensadas pelo homem, servem para diferenciar uns dos outros. (…) O que se pode esperar de uma cidade que dá as costas ao seu rio? Estou convencido de que as separações e os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais a cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, os suicídios, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, a tensão muscular, a insegurança, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo são culpa dos arquitetos e incorporadores. Esses males, exceto o suicídio, todos me acometem.”

Neste ínterim, a proliferação dos condomínios, sejam eles verticais ou horizontais, tem um papel fundamental para a compreensão da maneira com que decidimos nos organizar socialmente: segregados e de forma artificial. O espaço público é cada vez mais reduzido, e nossa existência e interação social são cada vez mais limitadas a simulacros. O que une aqueles que moram em condomínios é o medo, e é este o fator que passa a fazer com que eu aceite o outro como semelhante. Não é terrível?

Centro de São Paulo

O viver coletivo; o contato com o outro que, embora diferente, é meu semelhante, configura certa ordem à cidade que, apesar do caos, acaba por naturalmente criar certos padrões de sociabilidade e certos “modos de viver” consequentes a eles. Hoje, de volta à realidade dos condomínios, pensamos nosso “viver coletivo” a partir da escolha de um “modo de viver”, quando, na verdade, é o modo de viver que é consequente ao viver coletivo.

Por fim cabe relatar uma experiência pessoal: lembro-me de, quando criança, sempre me sentir desconfortável (e, ironicamente, com uma sensação de insegurança) dentro de condomínios em que viviam alguns amigos. Eu já os compreendia (embora não nesses termos, é claro) como uma tentativa de isolamento da realidade.

O medo, assim como nosso estranhamento com o outro, são institucionalizados e lucrativos. Vivendo em uma cidade onde há um grande contraste entre periferia e inúmeros condomínios horizontais de luxo, posso afirmar: Um condomínio horizontal não é um “complexo de casas”, assim como um condomínio vertical não é uma maneira de melhor aproveitar o espaço. Um condomínio, qualquer que seja ele, é um ambiente perfeitamente projetado para a vida, não fosse sua inegável feição de morte.

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1 Comentários

  1. Texto saudável rsrs, definitivo.

    Boa escolha! Medianeras é uma obra muito interessante a se analisar, bem explícita. Caracteriza bem, didaticamente, a realidade pós-moderna apresentada por diversos filósofos contemporâneos.

    Gostei bastante do tema e de como voce escreveu, parabéns!

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