David Hume – Experiência e Conhecimento

Para uma análise deste aspecto da teoria do conhecimento de Hume que diz respeito à experiência, é interessante conhecermos um pouco sobre o modo que pensavam os racionalistas que o precederam. Clique aqui e veja mais.

Para uma análise deste aspecto da teoria do conhecimento de David Hume que diz respeito à experiência, é interessante conhecermos um pouco sobre o modo  que pensavam os racionalistas que o precederam, em especial Descartes, para, assim, reconhecermos o que de novo ela traz em relação àquelas de seus predecessores.

David Hume (1711-1776)

Descartes, em seu “Discurso do método”, buscando livrar-se dos erros cometidos no processo de busca pela verdade de modo a obter bases seguras para ele, constata que nossos sentidos não são uma fonte segura de conhecimento pois, se eles nos enganam algumas vezes (como quando sonhamos e cremos estar acordados, ou quando vemos o Sol de um tamanho infinitamente menor que sua dimensão real), podem, portanto, nos enganar diversas outras. Deste modo, para o filósofo e matemático francês, as ideias provenientes dos sentidos não são inteiramente confiáveis e fogem ao propósito de seu método, que é o de não deixar margem para dúvidas. Mais seguras são as ideias mais distantes do que nos fornecem os sentidos, aquelas produzidas a priori, derivadas exclusivamente da razão.

David Hume, por sua vez, embora não ignore o papel crucial da razão neste processo de conhecimento, elabora uma teoria que fundamenta-se sobretudo nas ideias derivadas das percepções, isto é, dos sentidos. Em sua “Investigação sobre o entendimento humano”, o autor observa que as faculdades da mente, que consistem na memória e na imaginação, não permitem um mesmo nível de vivacidade que as percepções primeiras. A lembrança de uma dor experimentada não possui tanto vigor quanto a sensação mesma da dor no momento em que ela ocorre. Isto porque, diz Hume, “o mais vívido pensamento é ainda inferior à mais vaga sensação.”[1]

Tendo em vista isso, Hume diferencia em dois tipo as percepções da mente, de acordo com seus “diferentes graus de força e de vivacidade”, as menos vivazes sendo as ideias ou o pensamento, e as mais vivazes sendo as impressões, que se dão pontualmente por meio dos sentidos. As ideias são, assim, cópias “deficientes” de nossas impressões interiores (como o amor) ou exteriores. Mesmo no que tange à imaginação (à concepção de objetos ou seres jamais percebidos pelos sentidos), as ideias sempre terão sua origem em alguma sensação ou sentimento anterior. Se, para Descartes, a ideia de um ser mais perfeito que eu (Deus) não pode ter vindo do nada pois não tem correspondentes na realidade percebida, e tampouco pode ter surgido de mim mesmo, ela só pode ter sido posta em mim por uma natureza que fosse verdadeiramente mais perfeita, ou seja, por Deus, para Hume:

“A ideia de Deus, isto é, de um Ser infinitamente inteligente, sábio e bom, origina-se de nossa reflexão sobre as operações de nossa própria mente, e do aumento ilimitado das qualidades da bondade e da sabedoria.” [2]

Para confirmar isso temos, por um lado, a análise da origem de uma ideia, buscando a sensação da qual ela derivou e, por outro, podemos perceber que, não havendo experimentado uma sensação, alguém não tem como ter ideias correspondentes a ela, assim como um cego não é capaz de formar noção alguma das cores.

“Quando suspeitamos, portanto, que algum termo filosófico é empregado sem qualquer significado ou ideia que lhe corresponda (o que é demasiado frequente), precisamos apenas inquirir de que impressão deriva essa suposta ideia. E se não for possível assinalar nenhuma, isso servirá para confirmar nossa suspeita.” [3]

À exceção das ideias matemáticas que seriam dadas de modo independente da experiência, para Hume, a experiência é o campo no qual se delimita o conhecimento (enquanto conhecimento de causas e efeitos). Ela é precisamente onde vamos “além da evidência de nossa memória e sentidos”, pois é onde a razão exerce o papel de associar uma causa a seu respectivo efeito. É a razão que estabelece “uma conexão entre o fato presente e o que dele se infere”. Se tudo o que tivéssemos fossem as percepções, sem a associação entre elas feita pela razão, não seria possível produzir conhecimento. Também não é possível produzi-lo por meio de um raciocínio a priori: é apenas por meio da experiência que podemos conhecer as relações de causalidade.

“Nunca é possível para a mente, mesmo com o mais minucioso exame ou inspeção, encontrar na suposta causa seu efeito. Pois o efeito é totalmente diferente da causa, e, por consequência, jamais pode ser nela descoberto.” [4]

Desta forma, não havendo alguma instância além da experiência que o assegure, todo o conhecimento será sempre um conhecimento de probabilidades, não absoluto. Embora muito eficaz em um sentido prático, ele não nos traz segurança sobre sua imutabilidade, já que não é certo admitir que, porque um objeto sempre foi acompanhado de tal efeito, ele sempre o será. “De causas que parecem similares, esperamos efeitos similares. Eis o resumo de todas as nossas conclusões experimentais.” [5]

Por último, no que diz respeito aos assuntos que excedem a experiência, como por exemplo os que dizem respeito às coisas divinas, Hume diz que nos cabe apenas a solução cética: a suspensão de juízos quanto a eles, uma vez que extrapolam os limites de nosso conhecimento.

[1] HUME, D., Investigação sobre o entendimento humano, São Paulo: Hedra, 2011, p. 53
[2] Ibidem, p. 55
[3] Ibidem, p. 58
[4] Ibidem, p. 75
[5] Ibidem, p. 82

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1 Comentários

  1. Bom texto, eu só te criticaria em dois pontos:

    1. Quando você diz que: “À exceção das ideias matemáticas que seriam dadas de modo independente da experiência”.

    Dependendo de como eu interpretar essa frase ela produz um erro, basicamente, que é pensar que a matemática não é empírica para o Hume. A diferença da matemática para os outros conhecimentos é que, embora sua origem seja igual a de todas as ideias, as relações que as ideias matemáticas estabelecem entre si necessitam apenas do princípio de não contradição e do terceiro excluído para serem resolvidas, ou seja, quando associo uma ideia matemática a outra para produzir um cálculo, por exemplo, eu não preciso de uma verificação empírica de nenhuma dessas duas ideias para pensar o resultado dessa associação. Mas em termos causais ela é tão somente uma derivação de uma impressão original, como toda e qualquer ideia.

    2. Quando você diz que: “não havendo alguma instância além da experiência que o assegure, todo o conhecimento será sempre um conhecimento de probabilidades”.

    Acho que a palavra absoluto leva a muitos problemas por não ser parte do pensamento do Hume, mas o que é realmente problemático aqui é a ideia de que todo conhecimento é provável. Creio que quando o conhecimento é apenas uma associação de ideias (no limite: só a matemática e a lógica) o Hume o entende como claro e distinto sim. Dois mais dois são quatro sem qualquer envolvimento da probabilidade.

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