WOW! BUSINESS IN KANAPALI BEACH

Boto fé Free. Gatinhos com corpos sarados, cervejas extremamente geladas em um grande pote deixado em um espaço reservado para os turistas…

Anne! Cala a boca e acende logo esse cigarro!

Porra! Tive um dia daqueles… E, você continua com essas mesquinharias de sempre.

Preciso relaxar essa noite. Não quero saber qual é o homem da vez. O que ele faz se é divorciado, se tem 10 filhos…

To puta com isso! Os homens são todos iguais. Exceto o Padre José! Só ele é santo, mesmo ele quando teve um deslize de identidade.

– Ah Free! Isso faz muito tempo… Quem nunca teve uma crise de identidade na adolescência? Quem não experimentou o mesmo sexo na flor da idade? É normal. Acontece. E, tá mais que provado quanto aos religiosos.

Foda Anne! A Igreja tá cheio de pedófilos pervertidos.

Peraí vou engatar a primeira. Simbora pra Over Days?

Tenho umas coisas a se fazer por lá no fim de semana. A gente aproveita e vai à Kanapali Beach. É verão, a melhor época para se fazer uma visita ao mar de águas límpidas e cristalinas.

Boto fé Free. Gatinhos com corpos sarados, cervejas extremamente geladas em um grande pote deixado em um espaço reservado para os turistas…

Qual é Anne, tem três verões seguidos que vou pra lá. Negócios.

To ligada! E tu nem pra me botar nessa parada…

Já te falei, não depende de mim. Se fosse, tu tava dentro. Mas, oh! Quero lhe contar algo que o Padre José me disse noite passada.

Aposto que vocês estavam no Bar Blue Janes!

Claro. Lá tem a melhor cerveja da cidade a um preço ínfimo.

Me promete que vai ficar caladinha, pra te contar? Não quero interrupções hein!

(Anne balança a cabeça afirmando. Prossiga – diz.).

Massa. Deixe-me pegar um som pra me ajudar na narrativa. Vê se tá aí o CD do The Police no banco de trás…

Esse aqui?

Yeah! Obrigada.

Roxanne começa a rolar. Dia sereno com ventos fortes a 100 km por hora.

Então, fui à Igreja falar com o Padre José pra dar uma olhada lá em casa. Meu irmão não está passando bem. Brigou com aquele grupo skinhead de novo e um carinha de cabelo espetado o esfaqueou.

(Anne faz cara de surpresa e antes que ela interrompa… Free faz cara feia e diz pra ficar calada)

Não é nada grave Anne. To cansada do meu irmão também. Luke só me dá problema. Não cresce. Tá chegando nos 30 e parece um garotão de 20. Tem que levar uma facada mesmo pra ver se ganha maturidade! Se acha que não to agora pensando nele? Ainda bem que Padre José ficou lá pra me dar uma força… Com ele lá, não preciso me preocupar. Quando voltarmos se vai ver que Luke vai tá aprontando.

Como eu ia dizendo, fui à Igreja no horário livre do Padre José. O convidei para irmos ao Bar Blue Janes e ele não hesitou.

Engraçado que ninguém se espanta em ver um Padre vestido a caráter tomando conhaque no bar… Também me afundei no conhaque, por isso to com essa cara de porre… A noite foi longa.

Falei previamente do que tinha acontecido com Luke e Padre José logo me deu apoio. Fui confessar com ele que tava cansada dessa minha vida… Não ter rotina é legal. Há anos to assim. Quero uma vida normal Anne. Uma casinha no mato, uma hortinha, cavalos… Chega dessa correria doida! Fui franca com Padre José, mas, antes deu começar a confissão lhe fiz uma pergunta íntima.

Sobre o boato que rola na cidade… Que o Padre José tinha se apaixonado por um homem de mesma idade na sua juventude…

Você sabe como o Padre José é sério. Poucas vezes sorri. A vida dele parece que foi um erro…

Padre José ao olhar fixamente para mim disse que o boato não é boato, que ocorreu sim, há mais de 20 anos. Só que foi antes de fazer os votos… Ele disse que o cara que ele comeu era bem parecido com meu jeito livre de ser. Que ele não tava nem aí para nada. E que, o invejava dessa liberdade do qual ia ser privado… Esse amor impossível foi um choque para a família dele. Se sabe que a família de Padre José é uma das mais tradicionais aqui dessa cidadezinha de merda. Em qualquer lugar do mundo quando acontece o que aconteceu com Padre José, eles logo tentam acobertar. Foda de sistema hipócrita do caralho…

Bem, gosto do Padre José. É da liga da renovação carismática. Ajuda os necessitados, faz o papel direitinho. Se os políticos fossem como ele… Padre José é humano. Não santo. As pessoas comuns distorcem as coisas. Acha que só porque o cara tem algum título na Igreja, o cara é o cara. Conversa fiada de merda…

Continuando Anne, pedi que Padre José me abençoasse porque o negócio que vou fazer a caminho é arriscado. To com um pouco de medo. Vou reencontrar umas pessoas que tramitei umas negociações falsárias há uns anos atrás. E, tinha que ser justamente agora que pretendo aposentar…

O Padre me disse que desde menino enxergava os outros meninos e que tinha um sentimento fraternal pelas meninas, bem longe de ser um sentimento próximo de homem-mulher. Pra ele, a sua mãe era a mulher que sempre o inspirava, que amava que nem a história de Pier Paolo Pasoli, grande mestre da cinematografia.

Padre José ao falar de seu amor, os olhos enchiam-se de lágrimas. Uma só desceu de seu olho esquerdo. Vi a cena como em câmera lenta, achei muito chique só ter saído uma lágrima só. Particularmente, nunca me ocorreu. Se sabe que por trás dessa durona aqui, tem uma manteiga derretida. Choro até quando to puta de raiva!

Padre José me disse que viveu um amor de outono em 1974. Seu amado tinha data de ida à Holanda. Ele era um artista, atuava em cinemas suecos e tinha recebido um papel de protagonista em um filme por lá… Uma oferta boa de trabalho que é impossível negar. A família dele o pressionava demais, queriam por queriam que ele seguisse a carreira de seu bisavô Antonio que chegou a ser cardeal e trabalhou junto com o papa em Roma.

– Não reclamo desta vida Free! Ela foi muito boa comigo e através dela conheci o Amor…

Depois dessa generosa afirmação, um sorriso enorme rasga de orelha a orelha. Pude perceber que o Padre José tem os dentes alinhados e branquinhos porque não gosta de café. Pedi pra garçonete trazer logo a garrafa. Tenho preguiça de pessoas que bebem de dose em dose. Não bebem porra nenhuma e acham que tão abafando Anne…

Isso é Free!

Cala a boa Anne! Já falei pra você não interromper…

(Anne põe a mão direita sobre a testa e se lamenta)

Pega o CD do Queen. The Police tá muito cansativo. Coloca aí “Bohemia Rhapsody” e me dá outro cigarro. Tu trouxe a garrafa de whisky que tava jogada lá na cozinha?

(Anne fica muda)

To te perguntando Anne. Pode falar agora?

Iiiii Free esqueci…

Porra Anne, nem pra isso tu presta. Fica quieta de novo!

Antes da música rolar, Free canta:

Mama, oh

Didn’t mean to make you cry

If I’m not back again this time tomorrow
Carry on, carry on
As if nothing really matters

Essa conversa que tive com Padre José foi a mais íntima. Ele falou que se não tivesse entrado para a Igreja estaria morto porque ele recebeu um telegrama de um amigo que trabalhava com seu amor. O telegrama veio da Suíça. A última gravação foi feita lá… Aí, o cara por quem ele amava teve uma overdose de heroína. A saudade o atormentou demais e a agulha o aliviava de seus temores…

– Graças a Deus tive força para suportar. Na Igreja encontramos refúgio Free. Você sabe muito bem disso – falou o Padre pra mim.

Puta! Que história Padre!

Pois bem minha filha, o que você quer confessar? – Pergunta Padre José.

Ahhhhhh Padre, o senhor bem sabe que nunca fui santa, nem pretendo ser. Mas, o passado voltou a me perseguir…

Sempre trabalhei com vendas e faturei muita grana vendendo aparelhos eletromedicais por todo o país. Viajava tanto que sabia onde estava pela cortina do lugar… Era uma boa vida! Mas, aí a porra do país sofreu uma grande inflação e os aparelhos que eu vendia acabaram ficando fora de moda. Tive que partir pra outro nicho de mercado. Atuei um tempo como vendedora de loja. Era horrível, principalmente a percentagem das comissões. Depois fui vender carros antigos numa concessionária de um chegado…

Mas, até os carros antigos perderam seu valor. As pessoas preferem os designers modernos 2.0. De fato, dirigir um desses é massa, quase não se sente a trepidação das rodas com o asfalto. No entanto, o ronco de um Ford motor V 8 é inigualável. Emoção pura pilotar um desses. Aguentam qualquer tranco.

Como tinha uma grana guardada, viajei pra umas bandas desconhecidas lá pro lado de Miami. Num dia quente pra caralho conheci um cara que tava precisando de um help. Ele falou que o trabalho era simples e que dava pra tirar grana alta. Perguntei o que seria aí… Aí ele me pediu que fosse a um lugar à noite um tal de Bronxy. Era a casa de um cafetão velho de guerra envolvido em vários tipos de negociações. Ele disse que meu trabalho era passar por despercebido e carregar uns malotes de coca no porta-malas do meu carro. Já que o meu possante é velho e passaria batido pela polícia rodoviária federal. O percurso era pequeno, cerca de 120 km. Topei!

Fui trancando né Padre José, sabia que se pegassem eu tava lascada. Tanto pela polícia quanto pelo Bronxy. O cara sabe tudo a meu respeito, fiquei de cara… Sabia que o negócio era certo, que ele não tava blefando ao dar sua palavra.

Graças a Deus foi tudo na paz Padre. Deus estava comigo no percurso.

(Padre José segura nas mãos de Free e diz que Deus não é condizente com atitudes levianas).

Ah Padre José então quem foi que me ajudou? O Capeta? O anjo da guarda?

O senhor sabe muito bem que estava tentando ser honesta. Mas, como é difícil ser! As contas não paravam de chegar. Era o funeral do Bino, a universidade de Luck… O senhor bem sabe que não tenho ajuda de ninguém. Mamãe sofre de Alzheimer e o filho da puta do meu pai só me fez e saiu fora… Sou uma perdida como tantas outras por aí.

Ah Padre! Acho que pequei foi depois… Porque o trabalho não era difícil, mas era coisa errada eu sei. Juro que nunca quis sequer provar… Já basta eu ser viciada nos cigarros, álcool e nos remédios para dormir.

– Free, então é isso que você tá carregando no porta-malas? – indaga Anne.

– É sim. Não toca nessa merda não! – pondera Free.

Voltemos. Falei com Padre José que o trabalho acabou ficando divertido e tinha que viajar bastante. Me fez recordar a época em que vendia os equipamentos eletromedicais. Algumas vezes, até perdi a noção do perigo. Teve um dia, que o John (acho que ele sentia inveja de mim). Ele, me encostou na parede e apontou uma R-45 na minha cabeça. Perdi a voz! Tremia igual vara de bambu. Ele me disse que o Bronxy tava querendo me colocar no lugar dele… Pra mim, o John era o único cargo de confiança do Broxy. Realizar as entregas já era suficiente.

Disse isso que acabei de te dizer pro John. Ele falou pra eu me despedir e nunca mais voltar.

Por isso que vim parar nessa cidadezinha de merda. Estou fugindo do meu passado há 2 anos, mas agora os caras me acharam! Tô fudida Anne… Não se preocupe que você não tem nada a ver com a história. Tu é minha protegida. Confia!

Free estaciona o carro debaixo de uma árvore grande. A sombra da árvore é bem provocativa aos olhos. Ela dá um sorriso sacana para Anne. Pega o último cigarro do maço e joga fora. Diz que agora vai mudar de vida realmente… – Me espera aqui. Ela afirma pra Anne e segue em direção de uma casa rústica a uns 20 metros dali carregando a encomenda. – Ah! O que tá na bolsa rosa é presente meu a você! – indica Free.

– Adeus – diz Anne.

Free acena com a mão estando de costas, caminha em direção da casa.

No há música no ar. O céu é límpido e cristalino como Kanapali Beach. Pássaros locais alegram a paisagem bucólica. Discussões altas começam. Logo depois barulho de tiros…

Anne entra em disparada para o carro e assume o volante com as mãos trêmulas. Pega a bolsa rosa e a coloca no banco da frente. Abre a bolsa. Tem dinheiro em espécie, uns $$ 300.000,00.

Anne coloca os olhos escuros, solta o cabelo e começa a cantar “Drive my car” dos Beatles. Vai para Liverpool conhecer a cidade.

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