Do lado de dentro da janela 605

Crédito foto: Rodney Smith
Crédito foto: Rodney Smith

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Carros perpassam pela avenida com seus faróis piscando sem parar; a moça da banca de jornais, Mira (que significa Mel em tupi-guarani) fecha a pequenina porta de ferro, é fim de expediente. Da janela da área de serviço vejo uma mulher com cigarro na mão esquerda e na outra, segura firme em uma vassoura de piaçava e faz movimentos bruscos, frenéticos.

Um senhor chora ao telefone e afaga seu cão de pelugem amarronzada; um outro grita goooooollll. Uma pausa breve. Barulhos de cacos de vidros no chão da casa ao lado. O discurso interno que vem pronunciando ao mesmo tempo que presencio essas cenas me deixa inquieta. E tenho a vontade de gritar, como em muitas das madrugadas tentei fazer, e você sabe desses meus pesadelos. Sempre desperto com a saliva seca e o coração pulsante, a mil por hora. Tento gritar, mas nada sai, nunca sai! Apenas um ruído rouco que me assusta. O que eu poderia esperar? Vou ao quarto pegar um livro novo para ver o que tenho a descobrir e acabo chegando em vão. Me esqueci completamente que ainda não tenho uma mesa de cabeceira e parece que meus melhores livros se encontram em duas caixas de papelão que serviam para pôr ovos de galinha.

O espaço é novo, inconstante e abstrato. No entanto, é extremamente necessário estar em sintonia com o lugar, e isso requer algum tempo. Os objetos tomam forma… As roupas de cama possuem aroma de flores do campo, do qual não consigo me identificar mas adoro o perfume, e a cozinha é uma mistura de meus atrevimentos com canela, cominho, pimenta, curry, orégano, azeite e claro, sal grosso. Ingrediente jamais subestimado.

Como seria possível receber bons desejos em um ano que se começa pela metade? Somos todos espectadores do que ocorre no dia a dia, no passar das estações e na dança das nuvens. Alguns dias, somos protagonistas, em outros coadjuvantes…

Os pontos do relógio mostraram que já era tarde, então fui deitar. Porém, ao deitar não conseguia dormir e me debruçava de um lado para outro na cama que agora me pareceu tão grande, e você não está aqui para que eu possa disputar pelo edredom. Até lembrar que havia tomado chá em excesso e que talvez por isso, não conseguia pegar no sono. Abri um pouco a janela para tomar ar fresco e ali, debruçada de barriga para cima, com a cama colada na parede, senti a brisa gélida de um inverno seco e algumas estrelas piscavam, brilhantes. As nuvens passavam rápido. Me encontro em paz.

Provavelmente me encuentro em demasiado lejos al presente, lo admito. Estou surpreendida comigo mesma e dessa vez, não tenho para quem confessar ou recorrer.

“Yo te lo agradezo en voz baja después de tantos años y me descubro riendo – Mónica Beltrán Brozon”

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