G 0 – A desconstrução de uma liderança global

Nem G 7, G 8, ou G 20. Para Ian Bremmer, quando os líderes globais se reúnem para discutir o bem público da humanidade e o futuro do planeta, temos, na verdade, uma sala vazia.

Nem G 7, G 8, ou G 20. O cientista político Ian Bremmer argumenta que estamos absolutamente à deriva dos objetivos da política interna de cada nação, indiferentes às necessidades estruturais de sustentabilidade e dignidade ao pensarmos em escala mundial. Os citados grupos – emblemáticos – de líderes globais que se reúnem para discutir, em termos econômicos, o bem público da humanidade e o futuro do planeta, são, na verdade, uma sala vazia. Sem sala.

Ian Bremmer (1969)

Ao conceder uma entrevista para a Harvard Business Review (2012)[1], Ian Bremmer explana que com o final da segunda guerra mundial os E.U.A. tomaram o papel de líder global, onde o autor também os confere o título de “policiais do mundo”. Em 1975 ocorreu a fundação do G 7, nada que mudasse a hegemonia dos E.U.A. em um mundo pouco globalizado. Para Bremmer, o grande signo de ruptura da liderança global dos E.U.A. ocorrerá com a crise financeira de 2008: naquele momento foi necessário oferecer um lugar à mesa aos ditos países emergentes (especialmente o BRICS), e no mesmo ano ocorreu a primeira reunião do G 20. Com este grupo, esperava-se que as principais economias do planeta alinhassem os países emergentes às suas estratégias para que fosse preservado o crescimento do PIB – importante pilar de sustentação do capitalismo. Em outras palavras, queria-se o que quer quem detêm o poder: status quo. Também é verdade que os países emergentes angariariam benefício econômico para possível reversão em bem público.

Ex positis, vamos à pergunta: este grupo fez do nosso mundo um lugar melhor? Se esta pergunta perniciosa nos leva para o mundo das ideias do que seria o “melhor”, abraçamos Platão da mesma maneira e voltamo-nos para o mundo factual da economia, refazendo a pergunta: este grupo melhora a economia? Para Bremmer a resposta é tanto faz, pois não existe G 20. O autor afirma que:

“In reality what we have is a G-Zero. And that’s very clear to the Europeans as they go through their financial crisis. It’s very clear to the Syrians as they go through a civil war. It’s very clear to the Iranians, as it rarely is, as they face off against each other. I mean, you just look at global climates, global trade, there is a vacuum, a creative destruction that we’re experiencing of the geopolitical space”.

Pense na principal pauta que requer comprometimento internacional. Não haverá dúvida: aquecimento global. Não é o câmbio, o PIB, ou qualquer outro indexador inventado pelo homem. Se o mundo se dividiu durante a Guerra Fria o fez ideologicamente. O mundo enquanto matéria é o mesmo: sólido e até então indivisível, absolutamente indiferente para qualquer joguete de poder ou as linhas imaginárias que marcam as divisas das nações. Bem, o G 20 não pode nos ajudar com esta pauta. Conforme Bremmer: “fixing the climate is a rich nation’s game. It’s not a poor nation’s game. And pretty soon the world’s largest economy will be a poor country”.

Pintura de Catherine Tafur.

O G 20 acaba se tornando um grupo demagógico, o vácuo da união, algo que parece estar na essência da sua constituição, bem como ocorreu quando passou de G 7 para G 8 ao acolher a Rússia: apenas queria criar um senso de pertencimento para que ela não se voltasse ao comunismo[2]. Eis o ponto principal que explica a ineficiência dos G qualquer coisa: Capitalismo é um jogo entre nações que se volta para dentro, não para fora. Cada nação que o constitui sentará à mesa buscando obter o máximo de benefício para si. Qualquer ato que tenha um resultado positivo para o globo sempre será de forma indireta, eis o motivo do fracasso perante os problemas que necessitam ser resolvidos em conjunto: no capitalismo não há um autêntico esforço em união, pois os louros são colhidos individualmente; está enraizado no modelo mental de qualquer competidor (e com quem se compete jamais se une) a visão pragmática e instrumentalista sem a qual sucumbiria perante o adversário. Portanto, seja como jogo (economia de mercados) ou como ato político, o modelo de pensamento resultará em atos que se voltam para dentro. Por fim, concluo esse parágrafo já um pouco extenso dizendo que é na recessão econômica que os males realmente afloram e as atrocidades acontecem. O recesso econômico potencializa o medo e evidencia nossa desamabilidade. Basta pensar o mundo: falsas tragédias são apresentadas para que não possamos identificar ou sentir as verdadeiras.

Dito isto, devemos olhar para frente: e do G 0 seguimos para onde? Bremmer não dará algum alívio. É importante lembrar que seu livro Every Nation for Itself: Winners and Losers in a G-Zero World foi escrito em 2012, e que, infelizmente, o tempo decorrido só favoreceu suas ideias: Síria, Brexit, Trump, o crescente apelo nacionalista que ronda a Europa, etc. É justamente pela leitura assertiva que o autor fez do mundo que torna mais interessante seus apontamentos dos caminhos possíveis. Na verdade, os caminhos impossíveis:

1º: Um caminho que apresentaria uma possível solução, mas que não irá acontecer, seria um G 2 constituído de E.U.A. e China. Se em 2012 o autor desconsiderava esta possibilidade, hoje com Trump que atacou diretamente a China na sua campanha presidencial ela estaria descartada. Mesmo com essa maldita “pós-verdade”, um Trump governando o mundo abraçado com a China e algo que está além da imaginação de George Orwell. Conforme cita Bremmer, China tampouco quer o fardo da liderança.

2º: Outro caminho que apresentaria uma possível solução, mas que não irá acontecer, seria um G 3 constituído de E.U.A., Europa e Japão. Entretanto, Bremmer dirá que esses países não possuem o tempo e os recursos necessários para criarem uma verdadeira política internacional, e, mesmo que tivessem, precisariam do apoio dos países emergentes.

Mas, conforme mencionamos, Bremmer acredita que nada disso ocorrerá: “Indeed, because each government must work to build domestic security and prosperity to fit its own unique political, economic, geographic, cultural, and historical circumstances, state capitalism is a system that must be unique to every country that practices it. This is why, despite pledges recorded in G-20 communiqués to “avoid the mistakes of the past,” protectionism is alive and well. It is why the process of creating a new international financial architecture is unlikely to create a structure that complies with any credible building code”.

Aristóteles diz que a natureza tem horror ao vácuo. Vácuo = 0. Bremmer diz que vivemos no G 0, ou seja, no vácuo de uma ordem de líderes globais. É uma analogia um pouco descabida, mas se perguntarmos à natureza, talvez ela nos diga que nem tanto, quiçá responderá que sente horror maior por nossos líderes. Talvez a única forma de mudar isso, de fazer as pazes, seria começar pensando em nosso planeta. Descer a escada de prioridades que Deleuze explana em seu abecedário (disponível em PDF na biblioteca do Colunas Tortas) quando fala sobre a Esquerda (em sentido ontológico e apartidário):

Gilles Deleuze (1925-1995)

“Vou lhe dizer. Acho que não existe governo de esquerda. Não se espantem com isso. O governo francês, que deveria ser de esquerda, não é um governo de esquerda. Não é que não existam diferenças nos governos. O que pode existir é um governo favorável a algumas exigências da esquerda. Mas não existe governo de esquerda, pois a esquerda não tem nada a ver com governo. Se me pedissem para definir o que é ser de esquerda ou definir a esquerda, eu o faria de duas formas. Primeiro, é uma questão de percepção. A questão de percepção é a seguinte: o que é não ser de esquerda? Não ser de esquerda é como um endereço postal. Parte-se primeiro de si próprio, depois vem a rua em que se está, depois a cidade, o país, os outros países e, assim, cada vez mais longe. Começa-se por si mesmo e, na medida em que se é privilegiado, em que se vive em um país rico, costuma-se pensar em como fazer para que esta situação perdure. Sabe-se que há perigos, que isso não vai durar e que é muita loucura. Como fazer para que isso dure? As pessoas pensam: “Os chineses estão longe, mas como fazer para que a Europa dure ainda mais?” e ser de esquerda é o contrário. É perceber… Dizem que os japoneses percebem assim. Não vêem como nós. Percebem de outra forma. Primeiro, eles percebem o contorno. Começam pelo mundo, depois, o continente… europeu, por exemplo… depois a França, até chegarmos à Rue de Bizerte e a mim. É um fenômeno de percepção. Primeiro, percebe-se o horizonte”


Referências

[1] BREMMER, Ian. Welcome to the G-Zero World. Disponível em: <https://hbr.org/2012/05/welcome-to-the-g-zero-world>. Acesso em: 07 jan. 2017.

[2] BREMMER, Ian; ROUBINI, Nouriel. A G-Zero World: The New Economic Club Will Produce Conflict, Not Cooperation. Disponível em:<https://www.foreignaffairs.com/articles/2011-01-31/g-zero-world>. Acesso em: 07 jan. 2017.

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