Jacques Derrida: biografia, principais ideias e obras

Índice

Introdução

Jacques Derrida, o filósofo da desconstrução.
Jacques Derrida, o filósofo da desconstrução.

Jacques Derrida (1930–2004) foi o fundador da “desconstrução”, uma maneira de criticar não apenas textos literários e filosóficos, mas também instituições políticas. Embora Derrida às vezes expressasse arrependimento quanto ao destino da palavra “desconstrução”, sua popularidade indica a ampla influência de seu pensamento, na filosofia, na crítica e teoria literária, na arte e, em particular, na teoria arquitetônica e na teoria política.

De fato, a fama de Derrida quase alcançou o status de uma estrela da mídia, com centenas de pessoas lotando auditórios para ouvi-lo falar, com filmes e programas de televisão dedicados a ele, com inúmeros livros e artigos dedicados ao seu pensamento.

Além da crítica, a desconstrução derridiana consiste em uma tentativa de reconceber a diferença que divide a autoconsciência (a diferença do “de” na consciência de si mesmo). Mas, mais do que a reconceituação da diferença, e talvez mais importante, a desconstrução tenta fazer justiça. De fato, a desconstrução é implacável nessa busca, já que a justiça é impossível de ser alcançada. As informações são de LAWLOR (2006) e REYNOLDS (2022).

Biografia

A biografia de Jacques Derrida começa com seu nascimento 15 de julho de 1930 em El-Biar (um subúrbio de Argel), na Argélia (então parte da França), em uma família judia sefardita. Como a escrita de Derrida aborda a auto-bio-grafia (escrever sobre a própria vida como uma forma de relação consigo mesmo), muitos de seus escritos são autobiográficos.

Por exemplo, em Monolinguismo do Outro ou a Prótese de Origem (1998), Derrida relata como, quando estava no “lycée” (ensino médio), o regime de Vichy na França proclamou certas interdições concernentes às línguas nativas da Argélia, em particular o berbere.

Derrida chama sua experiência com a “interdição” de “inesquecível e generalizável” (1998, p. 37). Na verdade, as “leis judaicas” aprovadas pelo regime de Vichy interromperam seus estudos no ensino médio.

Imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, Derrida começou a estudar filosofia. Em 1949, ele se mudou para Paris, onde se preparou para o exame de admissão em filosofia para a prestigiada École Normale Supérieure.

Derrida falhou em sua primeira tentativa neste exame, mas passou na segunda tentativa em 1952. Em um dos muitos elogios que escreveu para membros de sua geração, Derrida relata que, ao entrar no pátio em direção ao prédio onde faria a segunda tentativa, Gilles Deleuze passou por ele, sorrindo e dizendo: “Meus pensamentos estão com você, meus melhores pensamentos”.

De fato, Derrida entrou na École Normale em um momento em que uma geração notável de filósofos e pensadores estava amadurecendo.

Já mencionamos Deleuze, mas havia também Foucault, Althusser, Lyotard, Barthes e Marin. Merleau-Ponty, Sartre, de Beauvoir, Levi-Strauss, Lacan, Ricœur, Blanchot e Levinas ainda estavam vivos. Os anos cinquenta na França foram o período da fenomenologia, e Derrida estudou de perto as obras publicadas de Husserl, bem como alguns dos materiais arquivísticos então disponíveis.

Jacques Derrida: biografia

O resultado foi uma tese de mestrado do ano acadêmico de 1953-54 intitulada O Problema da Gênese na Filosofia de Husserl; Derrida publicou este texto em 1990. Mais importante ainda, na École Normale, Derrida estudou Hegel com Jean Hyppolite.

Hyppolite (junto com Maurice de Gandillac) foi o orientador da tese de doutorado de Derrida, “A Idealidade do Objeto Literário“; Derrida nunca completou essa tese. Seus estudos com Hyppolite, no entanto, levaram Derrida a uma leitura notavelmente hegeliana de Husserl, já em andamento através das obras do assistente de Husserl, Eugen Fink. Derrida afirmou em seu discurso de 1980 “O Tempo de uma Tese” (apresentado na ocasião de finalmente receber seu doutorado) que nunca estudou Merleau-Ponty e Sartre e que especialmente nunca subscreveu às suas leituras de Husserl e da fenomenologia em geral.

Com tanto material arquivístico de Merleau-Ponty disponível, é possível agora, no entanto, ver semelhanças entre os estudos finais de Merleau-Ponty sobre Husserl e os primeiros estudos de Derrida.

No entanto, mesmo que alguém conheça bem o pensamento de Merleau-Ponty, fica surpreso com a longa Introdução de cento e cinquenta páginas de Derrida à sua tradução francesa de “A Origem da Geometria” de Husserl (1962). A Introdução de Derrida parece ser uma compreensão radicalmente nova de Husserl, na medida em que Derrida enfatiza o problema da linguagem no pensamento de Husserl sobre a história.

A década de 1960 é uma década de grandes realizações para essa geração de pensadores franceses. Em 1961, é publicada a monumental História da Loucura na Idade Clássica de Foucault. Nessa época, Derrida participa de um seminário ministrado por Foucault; com base nele, ele escreverá “Cogito e a História da Loucura” (1963), no qual critica o pensamento inicial de Foucault, especialmente a interpretação de Foucault sobre Descartes.

“Cogito e a História da Loucura” resultará em uma ruptura entre Derrida e Foucault, que nunca se curará totalmente. No início dos anos 60, Derrida lê Heidegger e Levinas atentamente.

Jacques Derrida e a desconstrução

O recentemente publicado curso de palestras de 1964–1965, Heidegger: A Questão do Ser e a História, permite-nos ver como Derrida desenvolveu suas questões para Heidegger. Em 1964, Derrida publica um longo ensaio em duas partes sobre Levinas, “Violência e Metafísica“. É difícil determinar qual dos primeiros ensaios de Derrida é o mais importante, mas certamente “Violência e Metafísica” deve ser um forte candidato.

O que se destaca claramente em “Violência e Metafísica” é a grande simpatia de Derrida pelo pensamento de alteridade de Levinas, ao mesmo tempo em que Derrida toma alguma distância do pensamento de Levinas.

Apesar dessa distância, “Violência e Metafísica” abrirá caminho para uma amizade vitalícia com Levinas. Em 1967 (aos trinta e sete anos), Derrida tem seu “annus mirabilis”, publicando três livros de uma vez: Writing and Difference, Voice and Phenomenon e Of Grammatology. Em todos os três, Derrida usa a palavra “desconstrução” (à qual retornaremos abaixo) em passagem para descrever seu projeto.

A palavra pega imediatamente e passa a definir o pensamento de Derrida. Desde então, até o presente, a palavra é amplamente utilizada, especialmente no mundo anglófono. Ela passa a ser associada a uma forma de escrever e pensar que é ilógica e imprecisa.

Deve-se notar que o estilo de escrita de Derrida contribuiu não apenas para sua grande popularidade, mas também para a grande animosidade que alguns sentiam por ele. Seu estilo é frequentemente mais literário do que filosófico e, portanto, mais evocativo do que argumentativo.

Certamente, o estilo de Derrida não é tradicional. No mesmo discurso de 1980, na época em que foi premiado com um doutorado, Derrida nos conta que, nos anos setenta, dedicou-se a desenvolver um estilo de escrita. O exemplo mais claro é seu Glas de 1974 (“Sino de Morte” seria uma tradução aproximada em inglês; a tradução atual em inglês usa simplesmente a palavra “glas”); aqui Derrida escreve em duas colunas, com a esquerda dedicada a uma leitura de Hegel e a direita dedicada a uma leitura do romancista-dramaturgo francês Jean Genet.

Outro exemplo seria seu Postcard from Socrates to Freud and Beyond, de 1980; as duzentas páginas iniciais deste livro consistem em cartas de amor dirigidas a ninguém em particular. Parece que em algum momento por volta dessa época (1980), Derrida voltou ao estilo mais linear e um tanto argumentativo, o próprio estilo que definiu seus textos dos anos sessenta. No entanto, ele nunca renunciou a uma espécie de evocação, um chamado que realmente define a desconstrução. Derrida toma a ideia de um chamado de Heidegger.

A partir de 1968, com “The Ends of Man”, Derrida dedicou vários textos ao pensamento de Heidegger. Mas é realmente com a publicação de The Truth in Painting, em 1978, e depois ao longo da década de 1980, que Derrida intensificou sua leitura de Heidegger. Em particular, ele escreveu uma série de ensaios sobre a questão do sexo ou raça em Heidegger (“Geschlecht I–IV”). Embora frequentemente críticos, esses ensaios frequentemente fornecem novos insights sobre o pensamento de Heidegger. O ensaio culminante na série de Derrida sobre Heidegger é seu Aporias, de 1992.

Enquanto o trabalho intensivo de Derrida sobre Husserl e a fenomenologia foi principalmente limitado ao final da década de 1960, e à publicação de Voice and Phenomenon em 1967, este único livro produziu muitas críticas à sua leitura de Husserl. A mais notável é Strategies of Deconstruction: Derrida and the Myth of the Voice, de J. Claude Evans, em 1991.

Embora ao longo de sua carreira Derrida mencionasse Husserl de passagem, ele surpreendentemente escreveu um capítulo sobre Husserl em seu Touching: Jean-Luc Nancy. Um dos lugares onde ele menciona Husserl é seu discurso de 1971 em uma conferência de comunicação em Montreal, “Signature Event Context”. Ele publica este artigo como o capítulo final de Margins of Philosophy em 1972.

Embora “Signature Event Context” contenha uma breve discussão sobre Husserl, seu foco real é a teoria dos atos de fala de Austin. A conexão que Derrida faz entre a fenomenologia de Husserl e a teoria dos atos de fala de Austin é que ambos rejeitam citações do reino da significância (Husserl) ou do performativo (Austin). (A teoria dos atos de fala teve uma influência substancial na filosofia francesa neste momento, e Derrida continuaria a se referir à distinção constativa/performativa ao longo de sua carreira.)

Em qualquer caso, a tradução em inglês de “Signature Event Context” apareceu no primeiro volume da nova revista Glyph em 1977. O editor de Glyph, Sam Weber, convidou John Searle a escrever uma resposta a “Signature Event Context”. Em sua resposta, “Reiterating the Differences: A Reply to Derrida”, Searle aponta uma série de falhas na argumentação de Derrida e em sua compreensão de Austin.

Jacques Derrida e a biografia

Para o segundo volume de Glyph (também publicado em 1977), Derrida contribuiu com uma resposta à “Reply” de Searle chamada “Limited Inc a b c”. Em contraste com a resposta de dez páginas de Searle, “Limited Inc” de Derrida tinha noventa páginas. “Limited Inc” de Derrida é uma crítica quase impiedosa a Searle, a quem ele chama de “Sarl”. Por exemplo, ele aponta que Searle em sua “Reply” mal menciona assinatura, evento ou contexto. “Limited Inc” indica a crescente frustração de Derrida com a recepção de seu trabalho, especialmente no mundo anglófono.

Sua frustração chegou ao ápice quando lhe foi oferecido um doutorado honorário na Universidade de Cambridge em 1992. Um grupo de filósofos analíticos escreveu uma carta aberta ao Times de Londres, na qual se opunham a Derrida receber este doutorado honorário. Apesar da carta, a Universidade de Cambridge concedeu a Derrida o diploma.

Durante a década de 1960, convidado por Hyppolite e Althusser, Derrida lecionou na École Normale. Em 1983, tornou-se “Diretor de Estudos” em “Instituições Filosóficas” na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris; ele ocupou essa posição até sua morte. A partir dos anos setenta, Derrida teve muitos cargos em universidades americanas, em particular na Universidade Johns Hopkins e na Universidade de Yale.

Desde 1987, Derrida lecionou um semestre por ano na Universidade da Califórnia em Irvine. A estreita relação de Derrida com Irvine levou ao estabelecimento dos arquivos Derrida lá. Também durante os anos setenta, Derrida associou-se ao GREPH (“Le Groupe de Recherche sur l’Enseignement Philosophique“).

Como o nome sugere, este grupo investigou como a filosofia é ensinada nas escolas secundárias e universidades na França. Derrida escreveu vários textos com base nessa pesquisa, muitos dos quais foram coletados em Du droit à la philosophie (1990, uma parte desse livro foi traduzida para o inglês como Eyes of the University, Right to Philosophy 2). Em 1982, Derrida também foi um dos fundadores do Collège Internationale de Philosophie em Paris e serviu como seu primeiro diretor de 1982 a 1984.

Nos anos 1990, as obras de Derrida seguiram duas direções simultâneas que tendem a se cruzar e se sobrepor: política e religião. Essas duas direções provavelmente foram evidentes pela primeira vez em “Force of Law” de 1989. Mas elas podem ser vistas melhor em Specters of Marx de 1993, onde Derrida insistiu que um pensamento marxista desconstruído (ou criticado) ainda é relevante no mundo de hoje, apesar da globalização, e que um marxismo desconstruído consiste em um novo messianismo, um messianismo de uma “democracia por vir”.

Mas, mesmo com Derrida se aproximando do fim de sua vida, ele produziu muitos textos interessantes nos anos noventa e no novo século. Por exemplo, o texto de Derrida sobre Levinas de 1996, “A Word of Welcome“, expõe a lógica mais penetrante do mesmo e do outro através de uma discussão sobre hospitalidade. Em suas obras finais sobre soberania, em particular, Rogues (2003), Derrida mostra que a lei sempre contém a possibilidade de suspensão, o que significa que até mesmo as nações mais democráticas (os Estados Unidos, por exemplo) se assemelham a um “estado marginal” ou talvez sejam os mais “marginais” de todos os estados.

Baseado em palestras apresentadas pela primeira vez durante o verão de 1998, The Animal that Therefore I am apareceu como a primeira obra póstuma em 2006; tratando da animalidade, indica o contínuo interesse de Derrida na questão da vida. Vemos esse interesse pela vida também nas palestras de Derrida sobre a pena de morte, onde ele questiona o significado da crueldade (o que é mais cruel, a pena de morte ou a prisão perpétua?). A vida animal e o poder são o tema dos últimos cursos de palestras de Derrida sobre “The Beast and the Sovereign“.

Em algum momento de 2002, Derrida foi diagnosticado com câncer pancreático. Ele morreu em 8 de outubro de 2004. Desde sua morte, duas biografias foram publicadas (Powell 2006 e Peeters 2013).

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Principais ideias

Entre as principais ideias de Jacques Derrida, um dos mais influentes filósofos do século XX, está a teoria da desconstrução, que desafia as estruturas fixas do pensamento ocidental. Derrida argumenta que a filosofia e a linguagem ocidental estão fundamentadas em uma série de oposições binárias, como presença/ausência, ser/nada, e discurso/escrita.

Ele sugere que essas oposições são hierárquicas e que um termo é sempre privilegiado sobre o outro. A desconstrução busca, portanto, expor as instabilidades e as contradições internas dessas dicotomias, revelando que nenhum termo pode existir independentemente do outro e que essa relação é inerentemente instável.

Outra ideia principal na obra de Derrida é o da “diferença” (différance), um neologismo que indica tanto o ato de diferir como o de adiar. Derrida utiliza esse conceito para mostrar como o significado nunca é fixo ou presente em si mesmo, mas sempre diferido através de um jogo infinito de significantes. Isso leva à ideia de que o significado é sempre contingente e nunca plenamente realizável, desafiando, assim, a noção tradicional de que a linguagem pode capturar a essência das coisas.

Além disso, Derrida critica a “metafísica da presença”, a tendência da filosofia ocidental de privilegiar a presença como o fundamento da verdade e do significado. Ele argumenta que essa ênfase na presença ignora a complexidade da ausência, do traço e do suplemento, elementos que ele considera fundamentais para entender a construção do sentido.

Derrida também questiona a noção de autoria e a originalidade do texto, propondo que todo texto é um intertexto, constituído por uma rede de referências a outros textos. Essa visão desafia a ideia de uma obra fechada e autossuficiente, abrindo espaço para uma leitura mais fluida e dinâmica.

Essas ideias centrais de Derrida têm profundas implicações para a filosofia, a teoria literária e a crítica cultural, levando a uma reconsideração dos fundamentos do conhecimento e da interpretação.

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Os incorruptíveis

Como mencionamos, Derrida tornou-se famoso no final da década de 1960, com a publicação de três livros em 1967.

Nessa época, outros grandes livros apareceram: As palavras e as coisas de Foucault em 1966; Diferença e repetição de Deleuze em 1968. É difícil negar que as publicações filosóficas dessa época indicam um tipo de momento filosófico (um momento talvez comparável ao do Idealismo Alemão no início do século XIX). Hélène Cixous chama essa geração de filósofos franceses de “os incorruptíveis”.

Na última entrevista que Derrida deu (ao Le Monde em 19 de agosto de 2004), ele forneceu uma interpretação dos “incorruptíveis”: “Por meio de metonímia, eu chamo essa abordagem [dos ‘incorruptíveis’] de um ethos intransigente, até mesmo incorruptível, de escrita e pensamento…, sem concessão nem mesmo à filosofia, e sem deixar que a opinião pública, a mídia ou o fantasma de um público intimidador nos amedrontem ou nos forcem a simplificar ou reprimir. Daí o gosto rigoroso pelo refinamento, paradoxo e aporia.” Derrida proclama que hoje, mais do que nunca, “essa predileção [pelo paradoxo e pela aporia] continua sendo uma exigência.” Como devemos entender essa exigência, essa predileção pelo “refinamento, paradoxo e aporia”?

Em um ensaio de 1998, “Typewriter Ribbon,” Derrida investiga a relação da confissão com os arquivos. Mas, antes de iniciar a investigação (que tratará principalmente de Rousseau), ele diz: “Vamos colocar em prática as premissas da nossa questão.” Ele diz: “Isso será possível para nós? Seremos um dia capazes, e em um único gesto, de unir o pensamento do evento ao pensamento da máquina? Seremos capazes de pensar, o que se chama pensar, ao mesmo tempo, tanto o que está acontecendo (chamamos isso de evento) quanto a programação calculável de uma repetição automática (chamamos isso de máquina).

Para isso, seria necessário no futuro (mas não haverá futuro exceto sob essa condição) pensar tanto o evento quanto a máquina como dois conceitos compatíveis ou até mesmo indissociáveis. Hoje, eles nos parecem antinômicos” (Without Alibi, p. 72). Esses dois conceitos nos parecem antinômicos porque concebemos um evento como algo singular e não repetível. Além disso, Derrida associa essa singularidade ao vivo.

O ser vivo passa por uma sensação e essa sensação (um afeto ou sentimento, por exemplo) é inscrita em material orgânico. A ideia de uma inscrição leva Derrida ao outro polo. A máquina que inscreve é baseada na repetição; “Ela é destinada, ou seja, a reproduzir impassivelmente, imperceptivelmente, sem órgão ou organicidade, as ordens recebidas. Em um estado de anestesia, obedeceria ou comandaria um programa calculável sem afeto ou autoafeição, como um autômato indiferente” (Without Alibi, p. 73). A natureza automática da máquina inorgânica não é a espontaneidade atribuída à vida orgânica. É fácil ver a incompatibilidade dos dois conceitos: singularidade orgânica e viva (o evento) e universalidade inorgânica e morta (repetição mecânica).

Derrida diz que, se conseguirmos tornar esses dois conceitos compatíveis, “pode-se apostar que não apenas (e insisto no não apenas) se teria produzido uma nova lógica, uma forma conceitual inédita. Na verdade, contra o pano de fundo e no horizonte de nossas possibilidades presentes, essa nova figura se assemelharia a um monstro.”

A monstruosidade desse paradoxo entre evento e repetição anuncia, talvez, outro tipo de pensamento, um pensamento impossível: o evento impossível (deve haver semelhança com o passado, o que cancela a singularidade do evento) e o único evento possível (pois qualquer evento, para ser digno do nome, deve ser singular e não semelhante). Derrida conclui essa discussão dizendo: “Não abdicar nem do evento nem da máquina, não subordinar um ao outro, nem reduzir um ao outro: talvez seja essa uma preocupação do pensamento que tem mantido certo número de ‘nós’ trabalhando nas últimas décadas” (Without Alibi, p. 74).

Esse “nós” refere-se à geração de pensadores de Derrida: “os incorruptíveis”. O que Derrida diz aqui define um projeto geral que consiste em tentar conceber a relação entre repetibilidade mecânica e singularidade insubstituível não como uma relação de externalidade (externa como nas duas substâncias de Descartes ou nos dois mundos do platonismo) nem como uma relação de homogeneidade (qualquer forma de reducionismo bastaria aqui para elucidar uma relação homogênea).

Em vez disso, a relação é uma na qual os elementos são internos uns aos outros e ainda assim permanecem heterogêneos. O termo famoso de Derrida, “différance” (ao qual retornaremos abaixo), refere-se a essa relação na qual a repetibilidade mecânica está interna à singularidade insubstituível e ainda assim os dois permanecem heterogêneos um ao outro.

Jacques Derrida principais ideias

Claro, Cixous pretende, com a palavra “incorruptíveis”, que a geração de filósofos franceses que atingiu a maioridade na década de 1960, o que escreveram e fizeram, nunca decairá, permanecerá eternamente nova e interessante. Essa geração permanecerá pura. Mas o termo é particularmente apropriado para Derrida, pois seu pensamento diz respeito precisamente à ideia de pureza e, portanto, de contaminação.

Contaminação, em Derrida, implica que uma oposição consistindo em dois polos puros separados por uma linha indivisível nunca existe. Em outras palavras, tradicionalmente (remontando aos mitos de Platão, mas também à teologia cristã), pensamos que houve um estado original puro de ser (contato direto com as formas ou o Jardim do Éden) que acidentalmente se corrompeu. Em contraste, Derrida tenta mostrar que nenhum termo, ideia ou realidade é jamais puro dessa forma; um termo sempre e necessariamente “infecta” o outro.

Ainda assim, para Derrida, um tipo de pureza permanece como um valor. Em seu livro de 1992, Monolingualism of the Other, Derrida fala de sua “intolerância vergonhosa” por qualquer coisa que não seja a pureza da língua francesa (em oposição ao francês contaminado com palavras inglesas como “le weekend”). Derrida diz: “Ainda não me atrevo a admitir essa demanda compulsiva por uma pureza de língua exceto dentro de limites dos quais posso ter certeza: essa demanda não é ética, política ou social.

Não inspira nenhum julgamento em mim. Simplesmente me expõe ao sofrimento quando alguém, que pode ser eu mesmo, não a atende. Sofro ainda mais quando me pego ou sou pego ‘em flagrante’ no ato. … Acima de tudo, essa demanda permanece tão inflexível que às vezes vai além do ponto de vista gramatical, chegando a negligenciar ‘estilo’ para se curvar a uma regra mais oculta, para ‘ouvir’ o murmúrio dominante de uma ordem que alguém em mim se lisonjeia de entender, mesmo em situações em que ele seria o único a fazê-lo, em um tête-à-tête com o idioma, o alvo final: uma última vontade da língua, em suma, uma lei da língua que confiaria apenas a mim. … Portanto, admito uma pureza que não é muito pura. Qualquer coisa, exceto um purismo. É, pelo menos, a única ‘pureza’ impura pela qual ouso confessar um gosto” (Monolingualism, p. 46).

O gosto de Derrida pela pureza é tal que ele busca os idiomas de uma língua. Os idiomas de uma língua são o que tornam a língua singular. Um idioma é tão puro que parece impossível traduzi-lo para fora dessa língua. Por exemplo, Derrida sempre conecta o idioma francês “il faut,” “é necessário,” a “une faute,” “uma falta” e a “un défaut”, “um defeito”; mas não podemos fazer essa conexão linguística entre necessidade e falta em inglês.

Esse idioma parece pertencer apenas ao francês; parece que não pode ser compartilhado; até agora, não há uma mistura de várias línguas no único idioma francês. E, no entanto, mesmo dentro de uma língua, um idioma pode ser compartilhado. Aqui está outro idioma francês: “il y va d’un certain pas.” Mesmo em francês, esse idioma pode ser “traduzido”. Por um lado, se alguém toma o “il y va” literalmente, tem-se uma frase sobre movimento para um lugar (“y”: lá) em um certo ritmo (“un certain pas”: um certo passo). Por outro lado, se alguém toma o “il y va” idiomaticamente (“il y va”: o que está em questão), tem-se uma frase (talvez mais filosófica) sobre a questão da negação (“un certain pas”: “um certo tipo de não”).

Essa indecidibilidade em como entender um idioma dentro de uma única língua indica que, já no francês, na única língua francesa, já há tradução e, como diria Derrida, “babelização”.

Portanto, para Derrida, “uma língua pura” significa uma língua cujos termos necessariamente incluem uma pluralidade de sentidos que não podem ser reduzidos a um único sentido que é o significado próprio. Em outras palavras, o gosto pela pureza em Derrida é um gosto pela impropriedade e, portanto, pela impureza. O valor da pureza em Derrida significa que qualquer pessoa que conceba a língua em termos de significados próprios ou puros deve ser criticada.

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Argumentação e suas implicações: o tempo, a soberania e o segredo

Estamos, então, muito próximos da argumentação básica de Derrida. A argumentação central tenta demonstrar que ninguém é capaz de separar a singularidade insubstituível da repetibilidade mecânica (ou “iterabilidade”, como Derrida frequentemente denomina) em duas substâncias que existam independentemente uma da outra; tampouco é possível reduzir uma à outra de forma que resultasse em uma substância pura (com atributos ou modificações). Para Derrida, a repetibilidade mecânica e a singularidade insubstituível são como duas forças que se atraem através de um limite que é ao mesmo tempo indeterminado e divisível. No entanto, para compreender essa argumentação básica, devemos ser, como o próprio Derrida afirma em Rogues, “guardiões responsáveis da herança do idealismo transcendental” (Rogues, p. 134; ver também Limited Inc, p. 93). Kant, é claro, abriu a possibilidade desse modo de filosofar: argumentar a partir (dedução) da experiência dada para as condições necessárias que fundamentam a forma como a experiência é apresentada. Essas condições funcionariam como uma base para toda a experiência. Seguindo Kant (mas também Husserl e Heidegger), Derrida, então, interessa-se sempre pelas condições necessárias e fundacionais da experiência.

Comecemos com o argumento mais simples que podemos formular. Se refletirmos sobre a experiência em geral, o que não podemos negar é que a experiência é condicionada pelo tempo. Toda experiência, necessariamente, ocorre no presente. No presente da experiência, há o núcleo ou ponto do agora. O que acontece neste momento é um tipo de evento, diferente de todos os outros “agoras” que já experimentei. No entanto, também no presente, eu lembro do passado recente e antecipo o que está prestes a acontecer. A memória e a antecipação consistem na repetibilidade. Como o que eu experimento agora pode ser imediatamente recordado, ele é repetível e essa repetibilidade me motiva a antecipar que a mesma coisa aconteça novamente. Assim, o que acontece agora também não é diferente de todos os outros “agoras” que já experimentei. Ao mesmo tempo, a experiência presente é um evento e não é um evento, pois é repetível. Esse “ao mesmo tempo” é o ponto crucial para Derrida. A conclusão é que não podemos ter experiência alguma que não contenha essencial e inseparavelmente essas duas agências de evento e repetibilidade.

Essa argumentação básica de Derrida contém quatro implicações importantes:

Primeira, a experiência como experiência do presente nunca é uma experiência simples de algo presente diante de mim, como uma intuição direta. Há sempre outra agência envolvida. A repetibilidade abrange o que já passou e não está mais presente e o que está por vir e ainda não está presente. Portanto, o presente está sempre entrelaçado com a não-presença. Derrida denomina essa repetibilidade mínima em cada experiência de “traço”. Esse traço é uma espécie de proto-linguagem (ou “arqui-escrita”, como Derrida também a chama), uma vez que a linguagem, em sua determinação mais mínima, consiste em formas repetíveis.

Segunda, o argumento desestabiliza a estrutura tradicional da filosofia transcendental, que é linear, consistindo numa relação entre condições fundacionais e a experiência fundada. Na filosofia transcendental tradicional (como em Kant, por exemplo), um evento empírico (como o que ocorre agora) é derivado de condições que não são empíricas. No entanto, a argumentação de Derrida demonstra que o evento empírico é uma parte inseparável das condições estruturais ou fundacionais. Na filosofia tradicional, o evento empírico é visto como um acidente que afeta uma estrutura essencial, mas, no argumento de Derrida, vemos que esse acidente não pode ser removido. Podemos descrever essa segunda implicação de outro modo: na filosofia tradicional, sempre se fala de um princípio ou origem primeiro e autoidêntico (algo como um princípio do Jardim do Éden). Aqui, a origem é imediatamente dividida, como se a “queda” para a divisão e os acidentes já tivesse ocorrido. Em De l’Esprit, Derrida chama esse tipo de origem de “origem-heterogênea” (Of Spirit, pp. 107–108).

Terceira, se a origem é sempre heterogênea, então nada é dado como tal com certeza. Tudo o que é dado é dado como algo outro de si mesmo, como já passado ou ainda por vir. O que se torna fundacional, para Derrida, é esse “como”: origem como “como” heterogêneo. Esse “como” implica que não há conhecimento como tal, verdade como tal, percepção ou intuição de algo como tal. Fé, perfídia e linguagem já estão presentes na origem.

Quarta, se algo como uma queda já ocorreu, essencial ou necessariamente, então toda experiência contém um aspecto de tardança. Parece que estou sempre atrasado para a origem, pois ela já parece ter desaparecido. Cada experiência, então, nunca está exatamente “no tempo”; como Derrida cita de Hamlet, o tempo está “fora de seu eixo” (out of joint). No final de sua carreira, Derrida chamará esse desalinhamento temporal de “anacronismo” (veja, por exemplo, On the Name, p. 94). Esse anacronismo é o outro lado do que ele chama de “espacamento” (espacement); o espaço também está “fora do lugar”. Além disso, é importante ter em mente que a frase “fora de seu eixo” alude à justiça: estando fora do eixo, o tempo é necessariamente injusto ou violento.

Derrida desenvolve o conceito de auto-afecção, ou auto-afetividade, para explorar a relação do eu consigo mesmo e a inevitável influência do outro nessa dinâmica. Esse conceito, que remonta à filosofia grega antiga, especialmente à definição aristotélica de Deus como “pensamento que pensa a si mesmo”, refere-se ao processo em que o eu afeta a si mesmo, em que o agente e o afetado são o mesmo. Derrida discute a auto-afecção como uma espécie de autobiografia ou autorrelato, em que o eu reflete sobre si mesmo, mas essa reflexão é sempre permeada por uma “hetero-afecção”, uma afetação pelo outro.

No livro The Animal That Therefore I Am, Derrida argumenta que a auto-afecção nunca é pura; ela carrega sempre uma influência irredutível do outro. O “eu”, nesse sentido, nunca pode ser completamente autônomo ou isolado, pois, ao se afetar, o eu também acolhe, involuntariamente, uma alteridade dentro de si. Isso significa que a autonomia do “eu” nunca é completa, nem pode servir como base para uma diferenciação simples entre o humano e o animal, conforme Derrida sugere.

Para entender melhor essa argumentação, Derrida revisita três “lugares” onde ele tenta demonstrar essa contaminação da auto-afecção pela hetero-afecção. O primeiro ocorre em Voice and Phenomenon (1967), sua análise da fenomenologia de Husserl. Husserl defendia que a evidência perceptual deveria ser fundamentada em uma intuição pura, uma percepção direta e não mediada por signos. No entanto, Derrida identifica nesse princípio fenomenológico uma tensão entre a presença pura (ou intuição) e a mediação pela significação. Husserl tenta unificar as múltiplas adumbrations (ou perfis) de um objeto percebido através de um sentido intencional, idealizando um horizonte teleológico para a percepção, uma presença pura ou uma “dádiva” sem contaminação. Derrida critica essa busca por uma intuição pura, argumentando que ela é inevitavelmente mediada por elementos de significação, o que torna impossível uma auto-afecção totalmente isolada e direta, pois está sempre imersa em uma rede de significados e interpretações que remetem ao outro.

Derrida explora o conceito de auto-afecção em Voice and Phenomenon para questionar a ideia husserliana de uma experiência absolutamente imediata. Husserl considera a experiência de “ouvir-se falar” como uma forma única de auto-afecção, em que o sujeito parece estar em proximidade completa consigo mesmo, sem mediações externas entre o ouvir e o falar. Ao falar e ouvir-se simultaneamente, o sujeito parece alcançar uma experiência de proximidade e unidade consigo. No entanto, Derrida argumenta que essa aparente imediatez é, na verdade, ilusória.

Segundo Derrida, a descrição husserliana do “presente vivido” (ou Augenblick) envolve temporalidades como a retenção (memória do passado imediato) e a protensão (antecipação do futuro próximo). Husserl vê o presente como algo “espesso”, pois sempre inclui traços do que acabou de ocorrer e do que está por vir, de modo que a experiência de um agora puro é constantemente interrompida e preenchida por esses fluxos temporais. Derrida concentra-se na retenção como um elemento que introduz diferença dentro do presente, pois, embora faça parte do agora, é uma memória, uma “quase percepção” que carrega algo do passado. Dessa forma, quando ouvimos a nós mesmos, existe um hiato infinitesimal entre o eu que fala e o eu que ouve, o que torna impossível uma total identidade entre os dois.

Esse hiato cria o que Derrida chama de traço, uma marca mínima de repetição que constitui a base de toda auto-afecção. A partir disso, Derrida expande o conceito de auto-afecção para incluir não apenas a audição, mas também a visão e o tato, descontruindo a suposta imediatez em cada uma dessas modalidades. Por exemplo, ao nos vermos no espelho, ocorre uma “distância invisível” que nos permite ser ao mesmo tempo o sujeito que vê e o objeto que é visto. Essa distância, ou espacement, é uma espécie de “cegueira” essencial: o reflexo no espelho é uma imagem de nós mesmos, mas ao mesmo tempo é outra — uma repetição diferida que impede a plena coincidência.

Assim, Derrida argumenta que qualquer forma de auto-afecção é inevitavelmente permeada por uma divisão interna, uma “alteridade” inerente ao eu. Essa alteridade estrutural revela que a auto-afecção nunca é pura, pois sempre envolve uma repetição diferida, uma espécie de intervalo ou espaço que, paradoxalmente, constitui a própria possibilidade de auto-relação.

Derrida, em “How to Avoid Speaking”, explora a complex estrutura da negação (ou dénégation) em relação ao segredo, especialmente no contexto da teologia negativa e da psicanálise. A ideia de dénégation, que remete ao termo freudiano “Verneinung,” aponta para uma forma de negação que, paradoxalmente, implica uma afirmação disfarçada. Na psicanálise, quando o paciente nega um desejo, essa negação revela, de forma inconsciente, o próprio desejo. Derrida vê nessa estrutura um reflexo da dualidade na relação com o segredo: como se pode negar algo e, ao mesmo tempo, não negar?

Derrida argumenta que manter um segredo envolve essencialmente um processo de auto-afecção: ao guardar um segredo, eu devo necessariamente dizê-lo a mim mesmo, isto é, representá-lo para mim. Esse processo de representação introduz uma tensão interna. A promessa de não revelar o segredo constitui a primeira negação (“não direi a ninguém”), mas, para realmente possuir o segredo, é preciso pensá-lo e formá-lo como uma ideia ou uma representação – uma “segunda” negação, onde o segredo é dito a mim como se eu fosse outro. Isso implica que o segredo, para ser mantido, deve ser “violado” em algum grau, pois é compartilhado comigo mesmo.

Essa necessidade de “re-dizer” o segredo a mim mesmo insere um traço de repetição e compartilhamento, sugerindo que, para ser guardado, o segredo precisa ser, em certo sentido, compartilhado. Derrida conclui, então, que o segredo, enquanto tal, não pode existir de forma absoluta, pois é sempre já compartilhado – com nós mesmos, ao menos. Esse ato de negação e “de-negação” cria uma estrutura onde o segredo é simultaneamente possuído e não possuído, pois sua essência exige que ele seja (e não seja) revelado. Assim, Derrida afirma que o segredo “não pode ser mantido como tal,” pois a própria estrutura do segredo exige uma negação que o torna, paradoxalmente, público em alguma medida.

Derrida, em “The Reason of the Strongest” no livro Rogues, explora a complexa relação entre soberania e democracia, mostrando como esses conceitos se entrelaçam e se contradizem ao mesmo tempo. Ele aponta que a soberania, em sua essência, implica um poder absoluto e indivisível. Para que o soberano exerça poder verdadeiramente soberano, ele não precisa justificar suas ações, nem compartilhá-las com ninguém; o exercício do poder soberano ocorre em segredo, sem dividir a responsabilidade ou a decisão. Isso reflete a estrutura da auto-afecção e do segredo: o soberano se promete a si mesmo a autonomia, buscando manter seu poder puro e instantâneo, sem mediação ou repartição.

Em contraste, a democracia exige compartilhamento e justificação. Em uma democracia, o uso do poder precisa ser discutido e universalizado – os governantes devem explicar e dar razões para suas decisões, participando de uma “mídia universalizável,” como Derrida coloca. Dessa forma, a democracia introduz uma divisão essencial no poder: ao comunicar-se e justificar-se, o soberano inevitavelmente compartilha e fragmenta sua autoridade.

Derrida vê nessa contradição uma característica essencial da democracia, pois ela exige a decisão soberana, mas também demanda tempo para deliberação e diálogo. Ele diz: “Assim que falo com o outro, submeto-me à lei de dar razões; compartilho um meio virtualmente universalizável, divido minha autoridade” (Rogues, p. 101). Ou seja, ao se comunicar, o soberano perde parte de sua autonomia ao precisar abrir espaço para a razão coletiva. Derrida ainda aponta que a soberania pura é, em última análise, precária e instável; ela tende a evitar o compartilhamento, mas apenas temporariamente. Essa precariedade define o que Derrida chama de “o pior” — um impulso para a dominação total e a aniquilação dos outros, o que se configura como uma tendência imperialista.

Esse conflito essencial entre soberania e democracia sugere que, para Derrida, a soberania nunca é completa e sempre carrega o potencial para o “abuso” – a ação absoluta que ignora as exigências democráticas de diálogo e justiça. Tal abuso de poder representa um perigo inerente à soberania: a possibilidade de que, em seu extremo, ela se torne um sistema de opressão total, onde “o pior” é uma constante ameaça ao equilíbrio democrático e à pluralidade.

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Desconstrução

Gramatologia, de Jacques Derrida.
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Para Jacques Derrida, a desconstrução é uma abordagem filosófica e crítica que visa revelar as complexidades e contradições ocultas nas estruturas de pensamento e textos. A ideia central é que os conceitos e textos são construídos por meio de uma série de oposições binárias (como presença/ausência, verdade/falsidade), e a desconstrução procura desestabilizar essas dicotomias.

Derrida argumenta que não há uma única interpretação definitiva ou um “sentido” fixo nos textos. Em vez disso, ele sugere que o significado é sempre relativo e dependente de um contexto mais amplo, e que os textos estão em constante fluxo e aberto a múltiplas interpretações. Assim, a desconstrução busca expor a instabilidade e a dependência desses conceitos binários, mostrando que eles não são tão fixos ou naturais quanto parecem.

Para Jacques Derrida, o “sentido” é uma construção complexa e dinâmica, não uma essência fixa ou um significado imutável. A concepção de sentido em Derrida está profundamente ligada ao seu conceito de “différance”, que combina as ideias de “diferença” e “adiamento”.

Différance

O conceito de “différance”, criado por Jacques Derrida, é fundamental para sua teoria da desconstrução. “Différance” é um termo que Derrida usa para destacar a natureza dinâmica e inacabada do significado na linguagem.

O termo é uma combinação das palavras “diferença” e “adiamento” em francês, e serve para sublinhar dois aspectos principais:

  1. Diferença: O sentido das palavras e dos conceitos é construído a partir das diferenças em relação a outros termos. Não há significado absoluto ou fixo; o significado emerge da relação entre termos e sua diferença em relação a outros.
  2. Adiamento: O significado de um termo nunca é totalmente presente ou fixo; ele está sempre sendo adiado e nunca completamente alcançado. O significado é constantemente protelado porque depende de uma rede de relações e contextos que estão em constante fluxo.

Portanto, “différance” sugere que o significado é sempre instável e dependente de um sistema mais amplo de diferenças, e que nunca pode ser completamente fixado ou definido de maneira definitiva. Em vez de encontrar um sentido fixo, o conceito de “différance” revela a natureza continuamente móvel e relativa do significado na linguagem.

Derrida argumenta que o sentido não é algo que está imediatamente presente ou totalmente fixado em um texto.

Em vez disso, o significado é sempre “adiado” porque depende de uma rede de diferenças e relações com outros termos. Cada palavra ou conceito ganha significado não por uma referência direta a uma realidade ou essência, mas pela sua relação e diferença em relação a outros termos.

Além disso, Derrida destaca que o sentido é constantemente instável e sujeito a mudanças. Ele rejeita a ideia de um significado definitivo e imutável, argumentando que o significado é sempre relacional e construído através de um jogo contínuo de diferenças. Em outras palavras, o sentido emerge do jogo de diferenças entre termos e é constantemente reconfigurado à medida que o contexto e as interpretações mudam.

Assim, na teoria de Derrida, o sentido é um fenômeno fluido e aberto, em constante processo de formação e transformação, que nunca pode ser totalmente fixado ou alcançado.

Na teoria da desconstrução de Jacques Derrida, as oposições binárias desempenham um papel central na análise crítica das estruturas de pensamento e linguagem.

Derrida argumenta que a tradição filosófica ocidental tem sistematicamente privilegiado certos pares de opostos, como presença/ausência, sujeito/objeto e verdadeiro/falso, onde um termo é hierarquicamente superior ao outro. Esse privilégio cria uma estrutura de poder que Derrida pretende questionar e desconstruir.

Jacques Derrida e suas principais ideias

A desconstrução, conforme elaborada por Derrida, busca desestabilizar essas hierarquias e mostrar que os termos binários são construídos de forma contingente e não têm uma base fundamental. O conceito de “différance” é fundamental para essa abordagem. Derrida utiliza o termo “différance” para indicar que o significado é sempre diferido e nunca totalmente presente. Assim, a compreensão dos textos e conceitos é sempre relativa e contextual, o que revela a instabilidade das oposições binárias.

Através da inversão hierárquica, Derrida demonstra que a estrutura de poder implícita nas oposições binárias pode ser invertida, revelando a dependência mútua dos termos. Por exemplo, ao desafiar a primazia da “presença” sobre a “ausência”, ele expõe como a ausência é igualmente crucial para a construção do significado.

Adicionalmente, a desconstrução revela que os textos e conceitos são construídos por estruturas que aparentam ser naturais, mas são, na verdade, contingentes e sujeitas a reinterpretações. Esta abordagem crítica não visa simplesmente destruir o texto, mas sim revelar suas contradições internas e a complexidade do significado.

A questão do poder

Na teoria da desconstrução de Jacques Derrida, a questão do poder se insinua através da análise crítica das estruturas discursivas e das oposições binárias que moldam o pensamento e a linguagem. Derrida não aborda o poder de maneira direta, mas suas ideias implicam uma crítica às formas como o poder é exercido e sustentado por meio da linguagem.

Derrida demonstra que as dicotomias binárias — como presença/ausência, sujeito/objeto — não são neutras, mas sim hierárquicas, com um termo frequentemente privilegiado sobre o outro. Essas hierarquias revelam e perpetuam relações de poder subjacentes que favorecem certos conceitos e grupos em detrimento de outros. Por exemplo, a primazia dada à “presença” sobre a “ausência” pode refletir uma dinâmica de poder que valoriza a immediacy e a autoridade direta.

A desconstrução expõe como essas estruturas não são naturais ou inevitáveis, mas construídas socialmente e sujeitas a mudança. Ao revelar a instabilidade e a contingência dessas oposições, Derrida desafia as formas estabelecidas de poder que são mantidas pela fixação desses conceitos. A desconstrução, portanto, serve como uma ferramenta para questionar e desestabilizar os discursos e as normas que sustentam e legitimam relações de poder, abrindo espaço para novas interpretações e possibilidades.

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Logocentrismo

O conceito de logocentrismo, central na crítica derridiana à tradição filosófica ocidental, descreve a tendência predominante de privilegiar o logos, entendido como palavra, razão ou discurso, em detrimento de outros modos de significação. Derrida identifica no pensamento ocidental uma hierarquia que eleva a fala à posição de forma mais autêntica e confiável de comunicação e transmissão da verdade, enquanto a escrita é relegada a uma função secundária e derivativa. A fala, ao ser associada à presença imediata do sujeito e à transparência do significado, é vista como uma expressão direta do pensamento, ao passo que a escrita, mediada pela ausência do sujeito que a produz, é entendida como um signo que distancia e obscurece o significado.

Derrida, no entanto, critica essa concepção tradicional, sustentando que o privilégio da fala sobre a escrita está intrinsecamente ligado àquilo que denomina metafísica da presença, a crença de que o sentido ou a verdade residem numa presença plena, acessível sem mediação. Essa metafísica da presença reflete-se na suposição de que, ao falar, o sujeito está plenamente presente, tanto em relação a si mesmo quanto em relação ao outro, e que o significado se dá de forma imediata e incontestável. Derrida, no entanto, desconstrói essa hierarquia, mostrando que a presença jamais é absoluta, pois o significado é sempre constituído a partir da ausência e de contextos que transcendem o ato de fala.

Em sua inversão da primazia tradicional da fala sobre a escrita, Derrida sugere que a escrita não é uma mera representação imperfeita da fala, mas desempenha um papel estrutural na constituição do próprio significado. Por meio do conceito de écriture, Derrida argumenta que toda linguagem, seja falada ou escrita, está sujeita a um processo de adiamento e diferenciação, o qual impede a fixação de um sentido pleno e definitivo. O significado, portanto, não pode ser reduzido a uma presença imediata e transparente, mas está sempre em um processo de construção e reconstrução, mediado pelas diferenças inerentes à linguagem.

A crítica de Derrida ao logocentrismo não se restringe à oposição fala-escrita, mas estende-se a toda a estrutura da filosofia ocidental, que, desde Platão, busca um acesso direto à verdade por meio do logos, perpetuando uma hierarquia que valoriza a razão, a presença e a estabilidade do sentido. Ao desconstruir essa lógica, Derrida revela que essa busca por certeza e verdade universal é, em última análise, ilusória, uma vez que o sentido está sempre em movimento, difuso e adiado. Em vez de uma presença plena e direta, Derrida enfatiza a importância da différance, termo que designa o adiamento contínuo e a produção de diferenças que caracterizam a linguagem e, por conseguinte, o pensamento.

Ao desafiar o logocentrismo, Derrida questiona as próprias bases da metafísica ocidental, desestabilizando não apenas a dicotomia entre fala e escrita, mas também uma série de outras oposições estruturais que sustentam o pensamento filosófico, como presença/ausência, verdade/erro e ser/não-ser. A implicação dessa desconstrução é profunda, não apenas para a filosofia, mas para todos os campos que dependem da linguagem e da interpretação, como a teoria crítica, a literatura e a política. O logocentrismo, ao ser desafiado, revela-se não como uma verdade inquestionável, mas como uma construção histórica e discursiva que deve ser continuamente reexaminada e reconfigurada.

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Livros

  • Gramatologia, 1967
    • Publicado em 1967, Da Gramatologia, de Jacques Derrida, é uma obra fundamental que introduz a desconstrução e desafia a hierarquia tradicional entre fala e escrita na filosofia ocidental. Derrida questiona o logocentrismo, que privilegiou a fala como forma superior de linguagem, argumentando que a escrita, historicamente marginalizada, possui autonomia e subverte essa hierarquia. Através do conceito de “diferance”, Derrida demonstra que o significado nunca é fixo, mas sempre adiado e mediado por diferenças. Assim, a escrita revela a instabilidade inerente à linguagem, desconstruindo a noção de presença plena do significado. *Da Gramatologia* redefine a leitura como um processo que explora as múltiplas camadas de sentido, refutando a ideia de um significado único e estável, e propõe uma nova abordagem filosófica que valoriza a fragmentação e a multiplicidade no pensamento e na linguagem.
  • Estrutura, Signo e Jogo no Discurso das Ciências Humanas, 1972.
    • “Estrutura, Signo e Jogo no Discurso das Ciências Humanas”, publicado em 1972 por Jacques Derrida, propõe uma crítica fundamental à concepção tradicional de estrutura, questionando a noção de um “centro” fixo que organiza o significado e garante a estabilidade dos sistemas. Derrida argumenta que esse centro é uma construção ilusória, e que, em vez de uma estabilidade absoluta, as estruturas estão sujeitas a um constante “jogo” de significações, onde o significado é sempre diferido e nunca totalmente presente. Ele desafia o estruturalismo, que tenta manter a fixidez das estruturas, mostrando que o significado está em fluxo contínuo, impossibilitando qualquer certeza ou centralidade definitiva. Assim, Derrida inaugura uma nova forma de pensar as ciências humanas, marcada pela indeterminação e pela abertura, ao invés de uma busca por fundamentos estáveis e verdades absolutas.
  • Margens da Filosofia, 1972
    • “Margens da Filosofia”, de Jacques Derrida, é uma obra que reúne uma série de ensaios onde o autor explora e desconstrói as bases da filosofia ocidental, particularmente o logocentrismo, que privilegia a palavra falada como a forma mais pura de expressão do pensamento. Derrida desafia essa tradição, argumentando que a filosofia ocidental marginalizou a escrita em favor da fala, criando uma hierarquia arbitrária. Ele demonstra como a linguagem e a escrita, que deveriam estar à margem da filosofia, são na verdade centrais para a construção do pensamento filosófico.Ao longo dos ensaios, Derrida examina textos de filósofos como Hegel, Heidegger, Saussure e Freud, introduzindo conceitos importantes, como o de “diferança” (différance), que sugere que o significado na linguagem nunca é fixo, mas sempre em fluxo, dependente das diferenças entre os signos. Essa obra é fundamental para a compreensão da desconstrução, a abordagem crítica desenvolvida por Derrida para questionar as dicotomias tradicionais da filosofia e revelar as contradições subjacentes ao pensamento filosófico ocidental.
  • Escritura e a diferença, 1979
    • A escritura e a diferença, Jacques Derrida.
      A escritura e a diferença, Jacques Derrida. Clique aqui e compre.

      “A Escritura e a Diferença” é uma coletânea de ensaios de Jacques Derrida, publicada originalmente em 1967 e traduzida para o português em 1979. Nesta obra, Derrida continua a explorar temas centrais de sua filosofia, como a desconstrução, a linguagem, e a relação entre a escrita e o pensamento. Os ensaios abordam uma variedade de tópicos e autores, incluindo Freud, Lévi-Strauss, Artaud, e Foucault, e refletem sobre como a escrita e a diferença (conceito-chave de Derrida) desafiam as estruturas tradicionais do pensamento filosófico.Derrida argumenta que a escrita, historicamente subordinada à fala na tradição filosófica ocidental, deve ser revalorizada como um elemento fundamental do pensamento. Ele introduz a ideia de “diferança” (différance), que indica o movimento pelo qual o significado na linguagem é sempre diferido e nunca plenamente presente ou fixo. Com isso, Derrida desafia a ideia de que a linguagem possa ser um meio transparente de comunicação ou que o significado seja algo estável e imutável. “A Escritura e a Diferença” é, portanto, uma obra central para entender a crítica de Derrida às noções tradicionais de verdade, presença e representação na filosofia.

  • Heidegger e a Questão do Espírito, 1990.
    • “Heidegger e a Questão do Espírito”, de Jacques Derrida, é um ensaio publicado em 1990 no qual o autor examina a relação entre a filosofia de Martin Heidegger e o conceito de “espírito”, especialmente à luz das implicações políticas do pensamento de Heidegger. Derrida explora como Heidegger aborda o espírito em seus escritos, considerando suas conotações metafísicas, culturais e políticas, e questiona as possíveis conexões entre a obra de Heidegger e sua filiação ao nazismo. O ensaio é uma análise crítica que revela as complexidades e ambiguidades do pensamento de Heidegger, ao mesmo tempo em que reflete sobre as responsabilidades éticas e políticas da filosofia.
  • Do espírito, 1990
    • “Do Espírito: Heidegger e a Questão” é um ensaio de Jacques Derrida, publicado em 1987 e traduzido para o português em 1990. Neste livro, Derrida analisa o conceito de “espírito” na obra de Martin Heidegger, especialmente como ele é utilizado em textos filosóficos e no contexto do envolvimento de Heidegger com o nazismo. Derrida investiga como o “espírito” é tratado na filosofia de Heidegger, explorando suas dimensões metafísicas e políticas, e questiona as implicações desse conceito para a interpretação da obra heideggeriana. A obra é uma reflexão crítica sobre a relação entre filosofia e política, e sobre como certos conceitos filosóficos podem ser apropriados ou distorcidos em diferentes contextos históricos.
  • Paixões, 1993
    • Paixões (1993), de Jacques Derrida, é uma reflexão sobre a natureza do discurso filosófico e o conceito de “paixão”, entendida não apenas como emoção, mas como um estado de vulnerabilidade e exposição ao outro. Derrida explora a ideia de que todo discurso está marcado por uma abertura ao outro e, consequentemente, por uma paixão que desafia a lógica tradicional da autonomia e do controle racional. A obra também dialoga com a tradição filosófica ocidental, examinando como conceitos de verdade e subjetividade estão entrelaçados com essa dimensão passional. Derrida propõe que, longe de ser uma fraqueza, a paixão é central para a experiência da alteridade e do próprio pensamento filosófico, mostrando que a relação entre razão e emoção é mais complexa do que os paradigmas tradicionais sugerem.
  • Salvo o nome, 1993
    • Salvo o Nome (1993), de Jacques Derrida, é uma obra que aborda temas relacionados ao nome, à linguagem e à possibilidade de nomear o inefável, especialmente no contexto da teologia negativa. Derrida examina a questão de como a linguagem lida com aquilo que não pode ser plenamente nomeado, como o conceito de Deus ou o absolutamente transcendente. O texto explora a tensão entre a necessidade de nomear e a impossibilidade de capturar o “nome verdadeiro”, destacando a insuficiência das palavras para representar o que está além da compreensão humana. A obra também reflete sobre a desconstrução dos limites da linguagem, mostrando como o nome é tanto um ponto de referência quanto um símbolo da ausência. Derrida sugere que a linguagem, em sua tentativa de nomear o inominável, revela a fragilidade e a abertura inerentes ao ato de nomeação.
  • A voz e o fenômeno, 1993
    • Voz e Fenômeno (1967), de Jacques Derrida, publicado em 1993 em algumas edições, é uma análise crítica da fenomenologia de Edmund Husserl, com foco especial na relação entre linguagem e consciência. Derrida questiona a noção husserliana de que a voz, enquanto expressão da consciência, é a forma mais pura e imediata de presença. Para Husserl, a voz interior, ao articular o pensamento, garantiria uma proximidade entre o sujeito e o significado, sem mediação externa. Derrida, no entanto, desconstrói essa ideia, argumentando que mesmo a voz é sujeita à diferença e ao adiamento do sentido, como ocorre com a escrita. Derrida mostra que a suposta “presença” imediata da voz é ilusória, pois a linguagem, seja falada ou escrita, nunca pode oferecer uma transparência completa do significado. Ao criticar essa hierarquia entre fala e escrita, *Voz e Fenômeno* amplia o debate sobre o logocentrismo, central no pensamento ocidental, e inaugura muitos dos conceitos fundamentais que permeiam a desconstrução.
  • Espectros de Marx, 1993
    • Espectros de Marx (1993), de Jacques Derrida, é uma obra que revisita o pensamento de Karl Marx à luz do colapso do socialismo real e das novas configurações do capitalismo global. Derrida propõe uma leitura desconstrutiva de Marx, afirmando que, apesar da aparente “morte” das ideologias marxistas após o fim da Guerra Fria, os “espectros” de Marx continuam a assombrar o presente. Ele critica as tentativas de declarar o fim da história ou a superação do marxismo, sugerindo que as questões levantadas por Marx — como exploração, desigualdade e alienação — permanecem relevantes. Derrida utiliza o conceito de espectro para abordar a ideia de algo que, mesmo ausente, continua a ter efeitos e relevância. Ele também questiona a noção de herança, destacando que o legado de Marx não pode ser simplesmente rejeitado ou preservado intacto, mas deve ser constantemente reavaliado. *Espectros de Marx* é, assim, uma obra que desafia a narrativa triunfalista do capitalismo global e propõe um novo engajamento com a crítica marxista no contexto contemporâneo.
  • O Olho da Universidade, 1980
    • O Olho da Universidade (publicado no Brasil pela Estação Liberdade), de Jacques Derrida, é uma coletânea de textos que reflete sobre o papel e o lugar da universidade na sociedade contemporânea. Derrida examina criticamente a função da universidade como instituição, questionando as estruturas de poder e as dinâmicas que moldam a produção e transmissão do conhecimento. Ele problematiza a ideia de autonomia universitária, sugerindo que a universidade, longe de ser um espaço neutro e livre, está inserida em uma rede de influências políticas, econômicas e ideológicas. Derrida também discute o papel das humanidades na era moderna, defendendo a importância da crítica, da reflexão filosófica e do pensamento desconstrutivo para a renovação do saber acadêmico. Com isso, O Olho da Universidade oferece uma análise profunda da educação e da função social da universidade, desafiando tanto a sua instrumentalização quanto sua suposta neutralidade.
  • A Universidade sem condição, 2001
    • A Universidade Sem Condição é uma obra em que Jacques Derrida explora a função, a responsabilidade e a liberdade da instituição universitária em um contexto contemporâneo de globalização, tecnologia e política. Publicado originalmente em 2001, o texto se fundamenta em uma conferência proferida por Derrida na Universidade de Stanford, onde ele propõe uma universidade que se posicione como “sem condição” ou incondicional. Isso não significa uma instituição fora da realidade política e econômica, mas sim uma que se comprometa, de forma irrestrita, à busca pelo saber e pela verdade.Derrida argumenta que a universidade deve ter a liberdade de questionar tudo, incluindo suas próprias bases e o conceito de verdade. Para ele, a universidade deve ser um espaço de resistência ao poder político e econômico, funcionando como uma instância crítica que desafia as normas estabelecidas. Nesse sentido, a universidade incondicional está profundamente conectada com o conceito de “desconstrução”, central ao pensamento derridiano, pois é o espaço onde o pensamento crítico pode desconstruir as hierarquias de saber e poder.

      A obra também discute a importância das ciências humanas e da literatura na preservação dessa liberdade incondicional. Derrida reconhece as pressões econômicas que reduzem a universidade a uma função meramente instrumental, voltada para a produção de conhecimento útil. No entanto, ele insiste que a universidade deve resistir a essa instrumentalização, mantendo-se um espaço para o pensamento livre e crítico.

      Em suma, A Universidade Sem Condição é uma reflexão profunda e crítica sobre o papel da universidade na sociedade contemporânea, defendendo a sua autonomia intelectual e a sua responsabilidade ética diante de desafios políticos e econômicos.

  • A Religião, 1996
    • A Religião, obra de Jacques Derrida escrita em colaboração com o filósofo italiano Gianni Vattimo, explora a relação entre religião, política e filosofia em um contexto pós-moderno e secularizado. Publicado em 1996, o texto surge a partir de um simpósio intitulado “A Religião”, organizado em Capri, e se insere no debate sobre o retorno da religião nas sociedades contemporâneas, tema que surpreendeu muitos intelectuais após a aparente secularização das sociedades ocidentais.Derrida desenvolve sua análise partindo de conceitos como “desconstrução” e “diferença”, que aplicados ao campo religioso, questionam a maneira como a tradição ocidental trata os fenômenos religiosos e suas implicações ético-políticas. Ele aponta para a tensão entre a religião institucionalizada e a dimensão incondicional da fé, sugerindo que a religião, assim como o saber e a filosofia, possui uma dimensão de abertura e incerteza que desafia as estruturas de poder. Derrida questiona a possibilidade de uma “religião pura”, que não seja instrumentalizada por interesses políticos ou econômicos.

      No livro, Derrida também introduz o conceito de “messianismo sem messias”, referindo-se a uma espera indefinida e incessante por justiça, sem a promessa de uma figura redentora específica. Para ele, esse messianismo indeterminado sugere uma ética de responsabilidade que não está subordinada a uma autoridade divina ou histórica, mas que mantém uma abertura radical para o futuro e para o outro.

      A Religião reflete sobre o impacto da globalização e da fragmentação das identidades religiosas, discutindo como a religião continua a influenciar as relações de poder, as leis e a ética contemporâneas. Derrida, em conjunto com Vattimo, propõe que a relação entre religião e filosofia é complexa e ambígua, resistindo a interpretações simplistas ou maniqueístas, e insistem na necessidade de repensar essa relação à luz dos desafios políticos e culturais do presente.

  • Papel-Máquina, Estação Liberdade
  • Jacques Derrida – Pensar a Desconstrução, Estação Liberdade
  • A Farmácia de Platão.
  • Força de Lei, 1994
    • Força de Lei (1994), de Jacques Derrida, é uma análise crítica da relação entre o direito, a justiça e a soberania, explorando a complexidade do conceito de lei em contextos jurídicos e filosóficos. Derrida examina como a lei é interpretada e aplicada, destacando a tensão entre a necessidade de uma lei universal e a particularidade das práticas jurídicas. Ele introduz a ideia de “força de lei” para discutir a maneira como o direito opera não apenas como um sistema normativo, mas também como um campo de poder e decisão que está sempre em jogo. A obra critica a concepção tradicional de lei como algo absoluto e impessoal, sugerindo que a lei é permeada por questões de subjetividade, interpretação e contexto histórico. Derrida também reflete sobre o papel da justiça, desafiando a visão de que a lei pode garantir uma justiça plena e imparcial, e propondo uma abordagem mais flexível e crítica para compreender a relação entre direito e ética. Força de Lei é, portanto, um exame profundo das implicações filosóficas e práticas do direito e da justiça, revelando as complexidades e contradições que caracterizam o campo jurídico.
  • O Animal que Logo Sou, 2002
    • O Animal que Logo Sou (2002), de Jacques Derrida, oferece uma análise crítica da relação entre humanos e animais, abordando questões de ética, linguagem e filosofia da animalidade. Derrida questiona a tradição filosófica ocidental que tende a reduzir os animais a objetos de estudo ou representações, ignorando suas formas de existência e sensibilidade próprias. Ele desafia a visão antropocêntrica predominante, explorando como a linguagem e a filosofia tratam a diferença entre humanos e animais. A obra propõe uma reavaliação das categorias usadas para entender o status dos animais e argumenta pela importância de reconhecer e respeitar a vida animal, ressaltando as implicações éticas de nossas interações com outras espécies.
  • Esporas – Os estilos de Nietzsche, 1978
    • Esporas – Os estilos de Nietzsche é uma obra de Jacques Derrida, publicada originalmente em 1978, em que o filósofo realiza uma leitura desconstrutiva da obra de Friedrich Nietzsche, com ênfase no modo como o estilo nietzschiano, particularmente a metáfora, desafia as categorias tradicionais de pensamento filosófico. Derrida, ao analisar a escrita de Nietzsche, foca na sua relação com a linguagem e a verdade, abordando questões centrais de seu projeto desconstrutivista, que visa revelar a impossibilidade de fixar significados estáveis.O título “Esporas” refere-se às sementes de certas plantas que se espalham ao vento, um simbolismo que Derrida associa à escritura de Nietzsche. Para Derrida, os textos de Nietzsche funcionam como essas esporas: não se enraízam em uma única verdade ou interpretação, mas se disseminam, desafiando qualquer tentativa de fixação ou de fechamento de sentido. Nietzsche, com seu estilo fragmentário, aforístico e muitas vezes ambíguo, permite que o pensamento filosófico escape das formas tradicionais da metafísica ocidental, o que se alinha diretamente à proposta derridiana de desconstrução.

      Um dos aspectos centrais da obra é a leitura de Nietzsche através da metáfora, que Derrida considera não como um simples ornamento da linguagem, mas como um dispositivo central na produção do pensamento filosófico. Em Nietzsche, a metáfora é um processo que evidencia a natureza figurativa da linguagem e, portanto, expõe a impossibilidade de uma verdade pura e transparente. Derrida explora como Nietzsche questiona a ideia de “verdade” ao desmascará-la como uma construção linguística, desestabilizando os fundamentos da metafísica tradicional.

      Esporas – Os estilos de Nietzsche é, portanto, uma obra em que Derrida elabora uma reflexão sofisticada sobre a relação entre linguagem, estilo e filosofia, mostrando como Nietzsche, com seu estilo provocador, abre caminho para novas formas de pensar e interpretar a verdade e a existência.

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Referências

LAWLOR, L. Jacques Derrida. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2006. Disponível em <<https://plato.stanford.edu/entries/derrida/>>.

REYNOLDS, J. Jacques Derrida (1930—2004). Internet Encyclopedia of Philosophy, 2022. Disponível em <<https://iep.utm.edu/jacques-derrida/>>.

Jacques Derrida biografia

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