Lanterna Verde: Onde O Excluído É Sistematicamente Punido

Lanterna Verde foi um fracasso, mas qual a relação deste grande fiasco com movimentos sociais e com o ideal do bom homem?

Lanterna Verde não é só um filme ruim. É um filme péssimo que traduz o cinema hollywoodiano de maneira crua: não há história, só efeitos especiais. Não quero dizer que hollywood seja puramente efeitos especiais, mas o apelo visual é o que guia o negócio.

Este apelo visual é aquilo que, na rapidez do cinema, na rapidez da troca de cenas, na troca de imagens a cada milissegundo, prende a atenção de cada espectador. O cinema hollywoodiano não foi feito para ser pensado: as cenas são rápidas e simples o bastante para não darem tempo nem necessidade de reflexão. O negócio é saber qual é o estereótipo cinematográfico e seguir a onda.

Hal Jordan é um inconsequente piloto de avião (de caças, não de aviões comerciais) que tem uma vida fracassada – como assim?, você pode perguntar. Eu sei, parece idiota, é porque é realmente idiota. A vida dele é fracassada pois ele é irresponsável, porque não liga para a família, porque é um galinha e um convencido. Ele tem as características de tudo que deve ser evitado para se tornar um bom cidadão.

Exatamente por isso o prestígio de sua profissão de nada vale. Seu caráter é corrompido e sua vida não é melhor do que a vida do ajudante de engraxate (mas seu apartamento é muito maior que o apartamento do ajudante, com certeza). Ao ser escolhido como Lanterna Verde, não entende, mas ao longo do filme fica claro – ele foi escolhido porque tem a capacidade de “superar os medos”. Tem coisa mais romântica do que esta? O fato de estar em posição social hierarquicamente superior é colocado como irrelevante… O que importa é que sua posição existencial não corresponde ao que deveria ser. Só uma forma de encobrir desigualdades materiais e colocar mais importante o “bem interior”, aquilo que qualquer um pode ter.

Qualquer um pode ser bom o bastante para viver a vida honestamente, mas desde que obedeça às regras de vivência da posição social em que se localiza. O que o filme faz é expressar que não importa quais são as regras, não importa que elas são formadas como relação de dominação ou que são sujeitas à estrutura econômica, às classes e à dominação de classe. Tudo se passa como se este tipo de questão não fosse tão importante, como se o que realmente é cabal fosse a paz interior, a moral individual, a construção do caráter.

O filme suprime as desigualdades políticas e econômicas ao cobri-las com uma áurea de irrelevância. É como se estes problemas fossem fáceis de se resolver: basta ter força de vontade! Já problemas existenciais, ah, estes merecem atenção de um filme.

No fim, o mal perde, o bem ganha depois de muita perseverança e o mocinho fica com a mocinha. Nada inesperado. Mas para quê fazer um texto sobre um filme tão medíocre? Eu creio que esse filme é a indústria cultural mais porca possível.

Ele nem foi um sucesso de bilheteria. Foi um subproduto de um estúdio milionário, foi um investimento em pura tecnologia. Foi a demonstração de que a imagem se passa como realidade. Quando o espetáculo tomar a vida como um todo, estaremos em um mundo sem saída.

O que ocorre é que todos esses cacoetes e trejeitos que cada personagem e que a história transmite não são apenas invenções: são formas também de ensinar como agir e o que esperar em dadas situações. São maneiras de ensinar que a vida precisa de honra e bom comportamento cristão. Que mesmo os bonitões, fortes e bem empregados podem ser fracassados.

No filme, o rejeitado se torna malvado e morre – exatamente como na vida real! O rejeitado não ganha, não fica bom, não se igualda ao nível do mocinho, ele se volta contra o mocinho. Hector é como aquela parte do sistema que os grupos dirigentes tentam esconder ou suprimir, mas sempre se volta contra eles. Hector é o movimento sem-teto, é o Occupy, e como todo Estado planeja, é morto no fim da história. É o fim perfeito que todo Estado deseja de sua população: os rejeitados suprimidos violentamente pela polícia (no filme, representada pela tropa dos Lanterna Verde) sem qualquer reação.

Em um dado momento, Hal admite que só se encanta pela mocinha do filme por sua beleza, e pergunta se Hector não poderia ser igual ele é – ou seja, pergunta se hector não poderia se colocar em posição privilegiada que Hal se encontra.

Nada parece ser tão simples: todo o condicionamento do filme é a retratação do modus operandi sexista, racista, xenófobo pós-moderno: não há nada ali que se salva e sua simplicidade só deixa isto mais cru ainda. Não há história, mas muita história pode ser contada.

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