Livro da Semana: A era dos Extremos – Eric J. Hobsbawm

Hobsbawm analisa contextos de relações de poder no século XX e suas consequências para a nossa época nessa obra-prima da historiografia. Clique e leia mais.

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O século XIX foi um período marcado, de modo geral, pela solidez das certezas, de métodos, de dialéticas. De certa forma, cada área do conhecimento tinha seu deus, seu totem intocável. Os cientistas, por exemplo, acreditavam no progresso tecno-científico; os capitalistas, nas vantagens da expansão industrial, da desregulamentação; os românticos ufanistas, no valor da pátria e dos sentimentos nacionais; os socialistas, na construção do socialismo como solução para todos os problemas sociais. Até mesmo no âmbito da filosofia, muitos pensadores continuavam confiantes no poder da razão para resolver os dilemas do mundo e as as questões metafísicas inerentes a eles, mesmo diante de críticas.

Apesar dessa noção generalizada de solidez, quase nenhuma dessas certezas restaria ao fim do século 21. Os resultados não se mostravam coerentes com as ideias e começaram a gerar dúvidas. Daí surgiu o termo “era das incertezas” para caracterizar esse período histórico. Essa expressão consagrou-se a partir da publicação, em 1977, do livro A era da incerteza, de John Kenneth Galbraith. Pode-se dizer que essa mudança sociológica começou inicialmente no “plano das ideias”, na Academia. Nessa mesma época Freud fundava a psicanálise e surgiam, junto com ela, teorias psicológicas do inconsciente humano, mostrando que a razão não era, por si só, absoluta. Na física, maior influenciador do “Zeitgeist” – espírito do mundo – contemporâneo, Einstein formulava seus preceitos para a teoria da relatividade, que apesar de não ter afirmações nesse sentido deixou para muitos a noção de que “Tudo é relativo”, e Heisenberg enunciava seu princípio da incerteza. Era uma época progressista e de revoluções até mesmo nos paradigmas científicos.

Em suma, foi uma era de extremos, ou, como Hobsbawm chamaria, uma “era de ilusões perdidas”. É nesse contexto que o livro do mesmo será analisado: A era dos Extremos, análise histórica de 1914 a 1991.

Hobsbawm divide o século 20 em três etapas: A primeira foi intitulada “Catástrofe” (1914-1945), sendo a época das duas Guerras Mundias. A segunda foi a “Idade de Ouro” (1945-1973), quando se ergue um novo sistema, mais forte, com uma maior intervenção estatal em vários setores da sociedade, e o “Desmoronamento” (1973-1991), que mostra o fim dessa forma de governar a partir da queda do bloco socialista.

A “catástrofe” foi gerada, por assim dizer, pelo conflito entre os projetos de interesse das grandes potências europeias, como, por exemplo, divisão de territórios e concorrência econômica. Os inevitáveis conflitos acabam por decretar o fim de muitos territórios que ainda não eram tão “modernos”, como as monarquias feudais do Império Austro-Húngaro. Dos escombros dessa Guerra surgiram necessidades: Não só para a sobrevivência, como também garantias para o futuro: Nesse sentido os Estados tomaram para si essa função. Nos países capitalistas a intervenção estatal a partir de políticas “keynesianas” se tornaram norma, enquanto os países socialistas se ataram num grande bloco ideológico: A URSS. No bloco capitalista, vivia-se uma era de industrialização, de investimentos no setor público. Essencialmente uma revisão do modelo clássico, adaptada às necessidades da época. Já no bloco socialista, o avanço industrial apoiou-se no planejamento estatal, com políticas de redistribuição de renda e burocratização do Estado a partir da planificação das atividades produtivas. Houve um desenvolvimento econômico nas sociedades capitalistas, a formação do chamado Estado de Bem-Estar Social. Já as nações subdesenvolvidas apostaram em um modelo de grandes investimentos chamados Desenvolvimentismo. Do lado socialista, o Estado provedor mantendo-se como modelo. Essa foi a chamada “Idade de Ouro”. O “Desmoronamento”, como chama Hobsbawm, veio junto do fim do sistema socialista na URSS.

O comunismo, atado por seus próprios problemas internos, não superou suas contradições e não pode lidar com a corrida armamentista e com a competição com as potências capitalistas. O problema em sua raiz é que o modelo soviético não tinha chance contra o que é chamado de elasticidade do capital, ou seja, a adaptatividade a diferentes contextos que possui uma economia de mercado.

Falando brevemente sobre teoria da história, torna-se claro lendo a obra que Hobsbawm é um historiador marxista. Dessa forma, usa do materialismo histórico e dialético para buscar um sentido – direção e significado – na história, conforme o desenvolvimento de forças – materiais – e de relações – de produção -. Porém, por ter sido um período vivenciado pelo mesmo, não perdeu de vista a observação cultural e a análise artística ou do desenvolvimento da ciência.

A historiografia, em geral, desenvolveu-se muito no século 20, ao amparar-se mais fortemente no empirismo, na evidência, num formato e num método mais próximos de uma ciência exata. Existiam três grandes vertentes que consideravam a historiografia como ciência àquela época. A primeira pretendia legitimar a história como uma matéria que seguisse os paradigmas das ciências naturais de observação, experimentação e inferência. A segunda, que surgia na fundação dos Annales, é a mais empírica, não dando muita atenção a fenômenos epistemológicos em suas análises. A última deles tenta interdisciplinar a fundamentação teórica e a realização prática.

E para o futuro? É possível dizer que essa obra – bem como a do Galbraith – deixam a análise histórica do processo que nos trouxe até o movimento de descontrução conhecido como o pós-modernismo: Muitas filosofias de contestação de certezas, como o existencialismo, foram desenvolvidas naquele século, nos levando a romper com convicções antes arraigadas. Em suma, o livro do historiador britânico é de grande relevância para esse campo do conhecimento, lançando paradigmas e estabelecendo uma tradição de análise histórica dentro do marxismo não igualada até hoje.

Você pode fazer o download do livro aqui.

1 Comentários

  1. Li vários dos grandes clássicos mas Aindasinto que me falta muito dos GRANDES.
    Com a vida corrida e preguiça, busco pelo menos sínteses do que me falta. Esta de vocês da ERA DOS EXTREMOS é excelente. Pretendo buscar mais aqui. Parabéns!

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