Acaba de sair no Operamundi que a Monsanto patenteou o Brócoli. Por mais que isso pareça bizarro, infelizmente, parece ser real. Um alimento popular foi patenteado por uma grande empresa.
Fica, então, a possibilidade de, num futuro talvez próximo, o monopólio dos alimentos por empresas privadas.
Os alimentos são aquilo que Zizek, ao citar Hardt e Negri, diz ser a área comum da natureza externa. Cito o trecho de seu texto:
“[Comuns são] a substância partilhada do ser social cuja privatização é um ato violento a que se deve resistir, igualmente e se necessário, de maneira violenta:
• as áreas comuns da cultura, as formas imediatamente socializadas de capital “cognitivo”, sobretudo a linguagem, nosso meio de comunicação e educação, mas também a infraestrutura comum do transporte público, da eletricidade, dos correios etc. (se o monopólio fosse permitido a Bill Gates, chegaríamos à situação absurda em que um único indivíduo seria literalmente dono da tessitura do software de nossa rede básica de comunicação);
• as áreas comuns da natureza externa ameaçadas pela poluição e exploração (de petróleo a florestas e habitats naturais);
• as áreas comuns da natureza interna (a herança biogenética da humanidade): com a nova tecnologia biogenética, a criação do novo homem, no sentido literal de mudar a natureza humana, se torna uma perspectiva realista.”
Essas áreas comuns precisam ser protegidas a todo momento e com toda força, inclusive de maneira violenta. É necessário lembrar que a privatização do Comum é, por si só, um ato de violência contra o próprio ser social, contra a sociedade enquanto inter-relação entre sujeitos culturais. O grande problema é que:
“O que todas essas lutas têm em comum é a preocupação com os potenciais destrutivos, inclusive a autoaniquilação da própria humanidade, se fosse dada carta branca à lógica capitalista de enclausuramento dessas áreas comuns.”
A possibilidade de patentear um alimento popular, as plantas da amazônia ou qualquer obra puramente da natureza (ou de sociedades indígenas) é uma demonstração de como o poder se movimenta para as instituições liberais de maneira que, com hegemonia ideológica, estes pressupostos (que envolvem a propriedade privada, por exemplo) sejam aceitos sem debate.
São esses pressupostos que fundam a vida em sociedade e constituem um sujeito: dizer que vivemos em uma sociedade do hiperconsumo, que vivemos numa cultura narcísica (machista e etc), não é bobagem. É essa sociedade, é essa cultura que constitui a todos nós enquanto sujeitos. Não se discute porque não há como discutir aquilo que está funcionando antes mesmo da etapa de questionamento.
Em outras palavras, não se debate aquilo que nos diz o que se deve debater.
É nesse sentido que, provavelmente, muitos verão com indiferença o fato que a Monsanto patenteou o brócoli. Vai parecer bobagem, algo que não afeta o indivíduo, que não afeta a vida comum. Mas afeta, principalmente no sentido de dar vazão para que seja possível, no nosso universo simbólico, que ações de compra de alimentos populares sejam legitimas.
Sorrateiramente, patentar o uso de determinadas plantas (como a pariparoba), foi algo enfrentado de maneira miúda. Algumas reportagens e matérias, juntamente com a mídia alternativa (blogs e revistas fora do mainstream) tentaram trazer a discussão para a discussão pública, mas, parece, que isso não funcionou – Não digo que não tenha acontecido nenhuma ações a respeito, mas que, se essa ação da Monsanto aconteceu, então abriu-se uma porta imensa para a legitimação da patente para qualquer coisa.
Resta saber se esta situação, da Monsanto patentar o brócoli, será vista com uma grande reverência aos direitos dos empreendedores liberais, ou com luta.
Instagram: @poressechaopradormir
Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudo do biopoder nos textos foucaultianos.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.
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