Da série Friedrich Nietzsche.
A igreja é o lugar dos mentirosos, dos desonestos e dos ingênuos. Nela, nada pode crescer, lá a decadência impera. Para Nietzsche, os eclesiásticos são os grandes covardes, os conscientemente falsos: são aqueles que se utilizam de uma filosofia ressentida para imperar, que tinham o poder de falar a mentira como se fosse verdade.
Segundo Nietzsche, a igreja é a arma do cristianismo: é lá que a moral dos fracos é cristalizada como uma realidade. É na igreja que a vida e a ilusão se efetivam, onde a moral decadente impera:
“O ‘povo eleito’ que para todas as coisas adotou valores sacerdotais e nomes sacerdotais, e que, com aterrorizante lógica, rejeitou tudo que era terrestre como ‘profano’, ‘mundano’, ‘pecaminoso’ – esse povo colocou seus instintos em uma fórmula final que era conseqüente até o ponto da auto−aniquilação: como cristianismo, de fato negou mesmo a última forma da realidade, o ‘povo sagrado’, o ‘povo eleito’, a própria realidade judaica.” [1]
Para o autor, a decadência é a negação da vida, negação dos instintos, e a constante tentativa de fazer com que ilusões niilistas (como a crença no paraíso após a morte, a crença na sociedade comunista utópica e etc) guiem a existência do indivíduo, retirando todo instinto de dominação, domando seu corpo e reduzindo sua vontade ao rebanho.
E o ser decadente por excelência é o santo de deus, “O santo, junto ao qual Deus sente prazer, é um castrado ideal… A vida chega ao fim, onde o ‘Reino de Deus’ começa…”, revela Nietzsche no Crepúsculo dos Ídolos. O castrado é aquele que perde seu falo, sua energia de viver, seu tesão pela vida, sua vontade de potência, seu instinto de dominação, de subjugação, enfim seu impulso de gozar a vida, a enfrentando de peito aberto. Ele é um ótimo exemplar da moral antinatural, da moral que nega os sabores (e dissabores) da vida. Nas palavras do próprio autor:
“Toda e qualquer posição naturalista na moral, isto é, toda e qualquer moral saudável, é dominada por um instinto de vida. – Um mandamento qualquer de vida é preenchido por um cânone determinado de “tu deves” e “tu não deves”; um entrave e uma hostilidade quaisquer são assim postos de lado no caminho da vida. A moral antinatural, ou seja, quase todas as morais que foram até aqui ensinadas, honradas e pregadas, remete-se, de modo inverso, exatamente contra os instintos vitais. Ela é uma condenação ora secreta, ora tonitruante e insolente destes instintos” [2]
A moral “natural”, segundo Nietzsche, é a moral da afirmação da vida sobre tudo e todos, ou seja, é exatamente o contrário da moral cristã, e deve viver em um lugar que seja exatamente o contrário da igreja. A moral naturalista é o modo de viver grego dos banhos públicos, “a Igreja distancia−se até da limpeza (– a primeira providência cristã após a expulsão dos mouros foi fechar os banhos públicos, dos quais havia 270 apenas em Córdoba)”, afirma o autor no Anticristo.
O cristianismo também é o espaço perfeito para a negação de si mais extrema, “também é cristã uma certa crueldade para consigo e para com os outros; o ódio aos incrédulos; o desejo de perseguir”. A igreja, como instituição que foi transvalorada na dominação cristã da Europa, também é o lugar que passou de negação ao poder à braço de exercício do mesmo. O cristianismo, que seria uma negação da organização eclesiástica, diz o autor, passou a tomar a sua forma – Jesus, o suposto promotor da insurreição contra a organização judaica, “contra ‘os bons e os justos’, contra os ‘Santos de Israel’, contra toda a hierarquia da sociedade – não contra a corrupção, mas contra as castas, o privilégio, a ordem, o formalismo”, foi traído pela instituição que dizia o representar.
É por isso que Paulo é tão odiado pelo autor alemão, “o Deus que Paulo inventou, um Deus que ‘reduz ao absurdo’ a ‘sabedoria deste mundo’ (especialmente as duas grandes inimigas da superstição, a filologia e a medicina), é em verdade uma indicação da firme determinação de Paulo para realizar isto: dar o nome de Deus à sua própria vontade”. Paulo é o corruptor máximo no cristianismo, é aquele que mentiu mais forte e que usurpou a vida de milhares de pessoas unicamente para exercer sua vontade.
Referências
[1] NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos. São Paulo: Escala, 2008. p.46.
[2] NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos… p.46.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.
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