O enxame como substituição do grupo para Zygmunt Bauman – DROPS #61

Em uma sociedade líquido-moderna de consumidores, o enxame tende a substituir o grupo – com seus líderes, hierarquia de autoridade e estrutura de poder. Um enxame pode passar sem nenhum desses adornos e estratagemas sem os quais um grupo não se formaria nem conseguiria sobreviver. Os enxames não precisam arcar com o peso dessas ferramentas de sobrevivência. Eles se reúnem, se dispersam e se juntam novamente, de uma ocasião para outra, guiados a cada vez por relevâncias diferentes, invariavelmente mutáveis, e atraídos por alvos mutantes e móveis. O poder de sedução dos alvos mutáveis é suficiente para coordenar seus movimentos, de modo que cada ordem ou imposição “lá de cima” se torna redundante. Na verdade, os enxames não têm um “lá em cima”; é apenas a atual direção do vôo que coloca algumas unidades do enxame autopropelente na posição de “líderes” que são “seguidos” – durante determinado vôo ou parte dele, mas dificilmente por mais tempo.

Os enxames não são equipes; não conhecem a divisão do trabalho. São (tal como os grupos autênticos) nada mais do que a “soma de suas partes”, ou agregados de unidades dotadas de autopropulsão, unidas unicamente (para continuar revisitando e revendo Durkheim) pela “solidariedade mecânica”, manifestada na reprodução de padrões de comportamento semelhantes e se movendo numa direção similar. Podem ser mais bem visualizados como as imagens de Warhol sem original e infinitamente copiadas, ou com um original descartado após o uso e impossível de ser rastreado e recuperado. Cada unidade do enxame reproduz os movimentos feitos por alguma outra, do começo ao fim e em todas as suas partes (no caso de enxames de consumo, o trabalho realizado dessa forma é o de consumir).

Em um enxame não há especialistas nem detentores de habilidades e recursos distintos (e escassos) cuja tarefa seja capacitar e auxiliar outras unidades a completarem seus trabalhos, ou a compensarem as falhas ou incapacidades das mesmas. Cada unidade é um “pau para toda obra” e precisa do conjunto completo de ferramentas e habilidades necessárias para que o trabalho todo seja realizado. Num enxame não há intercâmbio, cooperação ou complementaridade – apenas a proximidade física e a direção toscamente coordenada do movimento atual. No caso de unidades humanas que sentem e pensam, o conforto de voar num enxame deriva da segurança que os números proporcionam: a crença de que a direção do vôo deve ter sido escolhida de modo adequado, já que um enxame impressionantemente amplo a está seguindo, a suposição de que tantos seres humanos capazes de sentir, pensar e escolher livremente não poderiam estar ao mesmo tempo enganados. Quando a autoconfiança e o sentimento de segurança se vão, os movimentos milagrosamente coordenados de um enxame são o melhor substituto para a autoridade dos líderes de grupos – e não menos eficazes.

Os enxames, de maneira distinta dos grupos, não conhecem dissidentes nem rebeldes – apenas, por assim dizer, “desertores”, “incompetentes” e “ovelhas desgarradas”. As unidades que se desviam do corpo principal durante o vôo apenas “ficaram para trás”, “perderam-se” ou “caíram pelo caminho”. Devem procurar seus próprios suprimentos, mas as vidas dos desgarrados solitários não costumam durar muito, já que a chance de encontrarem por si mesmos um alvo realista é muito menor do que no caso de seguirem um enxame, e quando os alvos que alguém persegue são fantasiosos, inúteis ou perigosos, os riscos de perecer se multiplicam. A sociedade de consumidores tende a romper os grupos ou torná-los eminentemente frágeis e fissíparos, favorecendo a pronta e rápida formação e a difusão de enxames.

O consumo é uma atividade um tanto solitária (talvez até o arquétipo da solidão), mesmo quando, por acaso, é realizado na companhia de alguém. Da atividade de consumo não emergem vínculos duradouros. Os vínculos que conseguem se estabelecer no ato do consumo podem ou não sobreviver ao ato; podem manter os enxames unidos pela duração do vôo (ou seja, até a próxima mudança de alvo), mas são reconhecidamente determinados pela ocasião, sendo frágeis e leves, com pouca influência, se é que possuem alguma, sobre os próximos movimentos das unidades, ao mesmo tempo em que iluminam muito pouco, se é que chegam a iluminar, suas histórias passadas. Com a sabedoria que vem da experiência, podemos especular que o que mantinha os membros da família em torno da mesa de jantar, e que fez desta um instrumento de integração e reafirmação da família como grupo permanentemente vinculado, era em grande parte o elemento produtivo do consumo. Na mesa de jantar, e apenas nela, era possível encontrar comida pronta para comer: a reunião na mesa de jantar comum era o último estágio (distributivo) de um longo processo produtivo iniciado na cozinha ou até fora dela, no campo ou na oficina da família. O que unia os comensais, transformando-os num grupo, era a cooperação, concretizada ou esperada, no processo precedente do trabalho produtivo, e compartilhar o consumo do que foi produzido derivava disso. Podemos supor que a “conseqüência indesejada” das “fast food”, “para viagem” ou “comida congelada” (ou talvez sua “função latente” e verdadeira causa da irresistível ascensão de sua popularidade) seja tornar as reuniões em torno da mesa de jantar da família redundantes, pondo um fim ao consumo compartilhado, ou endossar simbolicamente a perda, por um ato de comensalidade (o consumo em conjunto), das onerosas características de estabelecimento e reafirmação de vínculos que teve no passado, mas que se tornaram irrelevantes ou mesmo indesejáveis na sociedade líquido-moderna de consumidores. A “fast food” está aí para proteger a solidão dos consumidores solitários.

 – Zygmunt Bauman.

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