Após o suicídio do rapaz em Rondônia, homossexual, soropositivo e rejeitado pela família evangélica, a gente começa a perceber que determinadas ações e determinadas estratégias de grupos evangélicos tem como função manter uma áurea de liberdade e amor sobre sua face autoritária e homofóbica.
Cura Gay
Não há muito o que discutir, já que se trata de um tema muito explorado, mas me parece uma coisa: a cura gay, “legitimada” pela psicologia – de Silas Malafaia e Marisa Lobo – e pela filosofia e direito – liberdade de escolha em uma país democrático e livre – coloca a homossexualidade como algo que, além de ser simplesmente um comportamento e uma preferência, é possível de ser revertida (sem impedimento legal ou científico nenhum) e só precisa da vontade do sujeito. Em outras palavras: a responsabilidade em ser curado está nas mãos dos homossexuais, a oportunidade está dada.
É muito provável que digam que esta família de Rondônia, ao rejeitar o garoto, não foi realmente cristã. Errou. Quais eram as alternativas desta família para ajudar seu membro pecador? Persuadi-lo de que se trata de um pecado e de que ele pode muito bem ser curado disto. A família obrigaria o rapaz a admitir que sua sexualidade não é legítima, caso contrário, ele seria tratado como um pedaço do pecado para sempre.
Há como viver desta maneira? Há como viver oprimido pela própria família e carregar a culpa por esta opressão?
O rapaz não escolheu ser gay, não se trata de uma opção, de uma conclusão racional em torno de opções a serem racionalmente escolhidas. Ele se matou, de modo que era impossível não ser homossexual.
Bancada Evangélica
Tratar a homossexualidade como um ato errado sob a vista de um deus e, ao mesmo tempo, promover a recuperação deste ato, retira o caráter de exclusão essencialista da religião. Para isso, é necessário defender que a homossexualidade se trata de uma escolha e que, sendo uma escolha, pode ser revertida por outra escolha. Não poderia ser de outra forma.
Me parece que, caso os grupos evangélicos estivessem pouco se ferrando por um espaço na democracia atual, a cientificidade atribuída a teoria da cura gay não seria nem considerada. É pecado, ponto final. Essa teoria só existe enquanto há espaço efetivo para grupos evangélicos tomarem decisões dentro do esquema político democrático atual.
Mas até que ponto isso é válido? Digo, as posições destas personalidades evangélicas não são ilógicas, são posições que tentam fazer a força de sua participação político não ser minada – Mas e daí? Até que ponto essa mistura de cristianismo com ideologia vigente pode se manter? Deve se manter pelo bem da democracia? Mesmo se não tiver muita lógica, mesmo se se pautar em conceitos científicos já ultrapassados, deve ser levado em consideração porque representa uma parte grande da população?
Convenhamos, a população que é representada pela bancada evangélica aceita com felicidade os argumentos supostamente científicos e filosóficos a favor da cura gay e de tudo que a ronda, mas não faria a menor diferença se este argumentos não existissem. Então, até que ponto a crença pode ser escondida enquanto crença e legitimada/universalizada sob um manto de ciência? Não é algo assim que se passa atualmente?
Instagram: @poressechaopradormir
Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudo do biopoder nos textos foucaultianos.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.
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