A Condição Pós-Moderna de Jean-François Lyotard: Resumo

Para Lyotard, em A Condição Pós-Moderna, a ciência atingiu um limite autofágico: o ceticismo científico leva ao questionamento da resposta, que é uma linha infinita de questionamentos até o a priori.

Na idade pós-industrial e pós-moderna, a ciência conservará e sem dúvida reforçará ainda mais sua importância na disputa das capacidades produtivas dos Estados-nações. […]. Sob a forma de mercadoria informacional indispensável ao poderio produtivo, o saber já é e será um desafio maior, talvez o mais importante, na competição mundial pelo poder.[1]

Resumo de A condição pós-moderna, de Lyotard

Jean-François Lyotard, autor de A condição pós-moderna.
Jean-François Lyotard, autor de A condição pós-moderna.

A introdução do texto sobre A Condição Pós-Moderna, de Jean-François Lyotard, explora as profundas transformações na ciência e na universidade a partir da década de 1950. A narrativa destaca que essas mudanças não se limitam à substituição de uma concepção de ciência por outra mais adequada, mas refletem as alterações profundas impulsionadas pelas tecnologias da informação. Nesse novo contexto, a ciência e o saber não são mais vistos como práticas desinteressadas e autossuficientes, mas como processos dependentes das possibilidades técnicas das máquinas informáticas, que passam a definir o que é reconhecido como conhecimento científico.

O cenário contemporâneo é marcado por um ambiente cibernético-informacional, onde a linguagem e os processos cognitivos são estudados com o intuito de compatibilizá-los com as máquinas informáticas. A busca pela informatização da sociedade reflete essa nova forma de conceber o saber, em que a “informação” emerge como a fonte primordial de todos os conhecimentos.

Nesse sentido, a ciência deixa de ser um empreendimento especulativo e idealista voltado para a emancipação humana, como propunham os iluministas e os idealistas alemães, para se transformar em uma prática tecnológica subordinada ao capital e ao Estado. A noção de ciência como um conjunto de mensagens que podem ser traduzidas em quantidades de informação, ou bits, reflete essa nova realidade em que o conhecimento é cada vez mais dependente da capacidade de ser processado por computadores.

Essa transição também envolve uma deslegitimação dos discursos que tradicionalmente sustentavam a ciência. As narrativas que antes legitimavam o saber científico, como as do idealismo alemão e do iluminismo, são corroídas por novas linguagens que aceleram sua própria deslegitimação. A crise da ordem e o questionamento da desordem são manifestações dessa mudança, levando à valorização de conceitos como o acaso, o caos e a catástrofe. Nesse novo paradigma, as fronteiras entre os campos de saber são rompidas, e a universidade, antes uma produtora de conhecimento e ciência, passa a integrar o arsenal estratégico-político dos Estados.

No contexto pós-moderno, o saber adquire um novo estatuto. Ele é visto como um discurso entre muitos, sujeito às mesmas condições de produção e circulação que outras formas de conhecimento. Os estudos avançados focam nos problemas de linguagem e comunicação, buscando compatibilizar as linguagens humanas com as máquinas. Como resultado, o saber que não pode ser traduzido para a linguagem das máquinas é descartado, e a orientação das pesquisas é determinada pela capacidade de seus resultados serem expressos em termos computacionais. Essa mudança reflete a visão de Lyotard de que a aquisição do saber não está mais ligada à formação do espírito humano, mas à produção de mercadorias intelectuais destinadas à venda.

A ciência e o saber, outrora vistos como fins em si mesmos, perdem seu valor de uso intrínseco e são reduzidos a produtos de consumo. As distinções entre saber e ignorância são substituídas por diferenças entre “conhecimentos de pagamento” e “conhecimentos de investimento”, onde o conhecimento se torna uma moeda de troca na economia da informação. A ênfase pós-moderna no desempenho e na eficiência substitui o antigo ideal de buscar a verdade, impondo uma nova lógica onde a verdade e o poder estão inextricavelmente ligados. A universidade, em vez de formar indivíduos críticos capazes de buscar a verdade, se concentra na formação de técnicos competentes para garantir o funcionamento eficaz das instituições.

Lyotard, ao apresentar essas reflexões, oferece uma crítica profunda à condição pós-moderna, onde o saber e a ciência são reconfigurados à luz das demandas tecnológicas e econômicas contemporâneas. O livro é, assim, um convite para repensar as bases sobre as quais construímos nossas instituições e práticas científicas, questionando as implicações dessa nova condição para a sociedade e para o futuro da humanidade.

O texto discute como a informatização da sociedade impacta a formação do saber e suas consequências sobre o poder público e as instituições civis, alertando que o saber científico não é a única forma de conhecimento. O saber narrativo, que promove equilíbrio e convivialidade, contrasta com o saber científico, que atualmente é enfraquecido. A legitimação do saber segue o modelo da autoridade, onde o cientista atua como legislador, decidindo o que é ou não conhecimento científico, similar ao papel do legislador político. Essa relação entre saber e poder é antiga, remontando a Platão, onde decidir o que é verdade também envolvia decidir o que é justo.

No contexto atual, a subordinação do saber científico ao Estado torna o problema da legitimação mais complexo, revelando que saber e poder são inseparáveis. Na era da informática, o saber se torna uma questão de governo, envolvendo decisões sobre o que deve ser considerado conhecimento válido.

Lyotard utiliza a metáfora dos “jogos de linguagem” para explorar como diferentes tipos de enunciados, como os denotativos, performáticos e prescritivos, operam dentro da comunicação. Cada tipo de enunciado segue regras específicas, e essas regras definem a forma como o enunciado é utilizado e entendido. A interação social, então, é vista como um conjunto de “jogos de linguagem”, onde falar é uma forma de competir e negociar dentro de um contexto de regras acordadas.

O texto também aborda duas principais representações da sociedade no último século: a visão funcionalista, que vê a sociedade como um todo orgânico e auto-regulável, e a visão crítica marxista, que divide a sociedade em classes em conflito. O funcionalismo, particularmente na versão de Talcott Parsons, compara a sociedade a um sistema cibernético, focado na otimização do desempenho global. No entanto, essa visão é criticada por ser tecnocrática e desumana, ignorando o valor individual dos membros da sociedade. Já o marxismo, apesar de sua intenção crítica, muitas vezes também se conforma à lógica do sistema, como visto nas sociedades comunistas, onde as lutas de classe foram suprimidas.

A discussão é relevante para entender como a produção de saber na sociedade atual está entrelaçada com essas representações sociais e políticas, e como essas visões influenciam a forma como o conhecimento é legitimado e utilizado.

Lyotard desafia a tradicional divisão entre saberes opostos, argumentando que essa concepção já não reflete as manifestações pós-modernas. A transformação tecnológica e a evolução do capitalismo levam a mudanças na função do Estado. Os gestores políticos serão substituídos por autômatos, cuja eficiência dependerá da quantidade e da qualidade das informações que possuem. Nesse cenário, a classe dirigente se transformará em um grupo de “decisores”, especialistas em diversas áreas, substituindo políticos tradicionais, partidos, nações e outras instituições.

A desconstrução dos “grandes relatos” — as narrativas abrangentes que tradicionalmente unificaram as sociedades — é interpretada por muitos como uma dissolução dos laços sociais. Isso resulta na fragmentação das coletividades sociais em indivíduos isolados, vivendo em um estado de movimento aleatório, semelhante ao movimento browniano. No entanto, Lyotard sugere que esses “átomos” não estão realmente isolados, mas sim imersos em uma rede de linguagem e comunicação. Eles ocupam várias posições dentro dos “jogos de linguagem”, que transcendem a simples dicotomia entre manipulação e transmissão de mensagens.

Lyotard enfatiza que as mensagens não transmitem apenas informações; essa visão é limitada ao enfoque do sistema cibernético, que negligencia o aspecto agonístico (competitivo) da comunicação. Portanto, para entender plenamente as relações sociais, é necessária não apenas uma teoria da comunicação, mas também uma teoria dos jogos que inclua o componente agonístico.

O saber, na visão de Lyotard, não se reduz à ciência ou ao conhecimento puramente factual. Ele inclui também o “saber-fazer”, “saber-viver” e “saber-escutar”. Esse saber é mais amplo e inclui competências técnicas, éticas e estéticas. O saber narrativo, por exemplo, é associado a sociedades mais primitivas, onde as narrativas formam a base do conhecimento, legitimando a sociedade e permitindo a avaliação de competências. Essas narrativas seguem regras pragmáticas que formam o vínculo social, e sua transmissão transcende a simples comunicação de informações; elas estabelecem uma temporalidade imemorial que funde passado e presente.

Já o saber científico é distinto, caracterizado pela predominância dos enunciados denotativos, que descrevem o mundo de forma que possam ser verificados ou falsificados. A investigação científica é um jogo de linguagem próprio, onde o emissor deve provar suas afirmações e o destinatário deve ser capaz de avaliar sua validade. O ensino, por sua vez, é um processo que visa formar pares de iguais que possam participar desse jogo de linguagem, assegurando a continuidade do conhecimento científico.

Lyotard conclui que, embora os saberes narrativo e científico sejam essenciais, eles não podem ser comparados ou julgados por critérios comuns. Cada um opera segundo suas próprias regras e critérios de legitimidade. No entanto, existe uma tensão entre eles, com o saber científico frequentemente desprezando o saber narrativo como algo primitivo e ultrapassado. Essa relação desigual é um reflexo do imperialismo cultural, centrado na questão da legitimação do conhecimento.

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Lyotard argumenta que a transição de um tipo de saber para outro não ocorre de forma definitiva, pois o saber científico ainda depende da narrativa. A ciência, ao ser comunicada, especialmente na mídia, não pode escapar de um certo grau de narração devido às suas implicações econômicas e políticas. O próprio trabalho de Lyotard exemplifica essa dependência, sugerindo que, para a ciência afirmar sua legitimidade como verdadeiro saber, precisa recorrer ao saber narrativo, que por vezes é considerado como “não-saber”.

Essa relação entre saberes é antiga e já aparece nos diálogos de Platão. A ciência moderna, ao se distanciar da busca metafísica por uma prova primeira, como a ideia de Deus, reconhece que as regras do jogo científico são estabelecidas internamente, através do consenso dos especialistas. No entanto, essa legitimação do saber científico depende da aceitação de que essas regras são boas porque são consensuais entre os experts, mas não há outra prova externa para validar isso.

A dignidade das culturas narrativas populares foi resgatada em diferentes momentos da história, como no humanismo renascentista e no idealismo alemão, diferenciando-se do Iluminismo. A narrativa, que antes era vista como uma falha na legitimação, torna-se central na emancipação da burguesia das autoridades tradicionais como a igreja e a realeza. Nesse contexto, o saber narrativo fornece legitimidade às novas autoridades, representadas pelo povo, que agora debate o que é justo, assim como o cientista debate o que é verdadeiro. Essa dinâmica revela a conexão entre o saber científico e o poder político.

No entanto, Lyotard aponta que a legitimação do saber narrativo pode seguir dois caminhos: o sujeito do relato pode ser representado como um herói do conhecimento ou como um herói da liberdade. Isso se manifesta em dois tipos de relatos de legitimação.

O primeiro é um relato político, onde a humanidade é o herói da liberdade, defendendo o direito universal ao conhecimento e à ciência, dos quais foram privados pela religião e tiranos. Exemplos disso podem ser vistos nas políticas napoleônicas que visavam equipar o Estado com técnicos, democratizando o acesso ao conhecimento.

O segundo relato, mais filosófico, é o idealismo alemão, exemplificado na fundação da Universidade de Berlim e nas ideias de Humboldt. Este relato busca legitimar o saber científico como um componente do desenvolvimento espiritual e moral da nação. Aqui, o saber científico se legitima dentro de um sistema filosófico especulativo, onde a ciência não serve diretamente aos interesses do Estado ou da sociedade civil, mas sim a um princípio unificador e divino. Nesse sistema, o saber se auto-legitima, e o Estado e a sociedade participam dessa “vida do espírito”.

Finalmente, Lyotard sugere que a legitimação do saber pode ser abordada de outra forma, onde o sujeito não é a ciência em sua autolegitimação, mas a humanidade em sua busca por liberdade e autogestão. Para esse sujeito pragmático, as leis são justas porque emanam de legisladores-cidadãos que decidem o que é melhor para todos. Aqui, a legitimidade do saber é determinada por sua moralidade e justiça, destacando a função crítica do saber na avaliação das políticas do Estado e seu impacto sobre os cidadãos.

Referências

[1] ↑ LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. São Paulo: José Olympio, 2002.

4 Comentários

  1. Bom site, excelentes resenhas. Infelizmente não consigo baixar o livro do Lyotard (o link vai dar a um outro site onde preciso de ter cartão de crédito). Se pudesse facultar outro modo de obter um link para download grátis ser-lhe-ia imensamente grato. Abraço de Moçambique!

    1. Olá, Edgar!

      Você consegue fazer o download gratuito ao realizar um upload de algum outro arquivo que você tenha em seu computador.

      No fim da tela, em letra menores está escrito que você pode começar a fazer upload para depois realizar o download.

      Abraços à Moçambique!

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