Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
– Parágrafo Único do Art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Se as eleições são a “festa da democracia”, então estamos vivendo uma ressaca. E das bravas.
Logo após a divulgação dos resultados finais do 2º turno, o ódio tomou conta das redes sociais. O alvo foram os nordestinos, “culpados” pela reeleição de Dilma. Houve também quem quisesse dividir o Brasil em dois. O Bolsa Família, cuja “paternidade” foi disputada pelos candidatos até o último debate, virou compra de votos institucionalizada, na visão de mundo daqueles que não conseguiram aceitar a derrota nas urnas.
O parlamento não ficou atrás. O discurso de reeleição da presidenta deve ter deixado certos políticos de cabelo em pé, por ter mencionado o plebiscito para a reforma política. Tradicionais congressistas se apressaram em atacar a ideia do plebiscito – em que o povo dá as cartas – e defender a proposta do referendo – em que o povo só corta o baralho. Afinal, financiamento público de campanha, voto em lista, distrito eleitoral, cláusula de barreira, etc., é tudo matéria muito complicada para o povo dizer o que quer, entende? Melhor deixar que os políticos profissionais se encarreguem disso: assim as coisas mudam para continuar do jeito que estão – o poder político subordinado ao poder econômico e às elites.
Mas não foi só isso. A Câmara dos Deputados foi célere para derrubar o decreto presidencial que instituía a Política Nacional de Participação Social. E o presidente do Senado, Renan Calheiros, também adiantou que o decreto não deve ter melhor sorte na casa que ele preside. Todo esse empenho para defender o povo dele mesmo. Ora, os conselhos são uma ameaça à democracia, já que tiram autoridade do Poder Legislativo. Muito embora o poder dos parlamentares, representantes eleitos, venha do povo. O mesmo povo que compõe os conselhos. Entendeu? Eu também não entendo a democracia desses parlamentares.
E quando parecia que a ressaca tinha passado, eis que vem a recaída.
Com base em “evidências” veiculadas nas redes sociais, o nobre deputado Carlos Sampaio, do PSDB, entrou com pedido de auditoria do processo eleitoral. Em termos práticos, não fará qualquer diferença: se a urna não emite uma via impressa do voto, não há como fazer uma recontagem. O problema já é conhecido de outras eleições, mas nem por isso os tucanos apontaram esse problema antes da derrota. Assim, fica claro que o pedido é só mais uma demonstração de falta de respeito pela vontade da maioria e, por conseguinte, pela democracia.
Por fim, para fechar com chave de ouro (só que não), uma passeata ocorreu nesse sábado na Avenida Paulista, com o suprassumo do golpismo e do desprezo pela democracia. Impeachment da presidenta, recontagem dos votos, secessão de São Paulo e – como não podia faltar – apelos pela volta dos militares ao poder foram algumas das “demandas” dos manifestantes, que protestavam contra a “ditadura comunista” do PT. Fico imaginando que ditadura aceitaria com tamanha passividade esse carnaval dos seus opositores, mas tudo bem.
O que não imagino é que os defensores da democracia brasileira, reconquistada a duras penas, se calem diante desses constantes ataques contra a vontade popular – não importa se expressa nas urnas ou em outros canais de participação. É preciso dar a resposta nas ruas. É necessário combater o golpismo. É urgente lutar pelo plebiscito da reforma política. Afinal, todo poder emana do povo.