A heterotopia das colônias, por Michel Foucault – DROPS #39

Da série “As heterotopias“.

[As heterotopias] são a contestação de todos os outros espaços, uma contestação que pode ser exercida de duas maneiras: ou como nas casas de tolerância de que Aragon falava, criando uma ilusão que denuncia todo o resto da realidade como ilusão, ou, ao contrário, criando outro espaço real tão perfeito, tão meticuloso, tão bem disposto quanto o nosso é desordenado, mal posto e desarranjado; é como este último que funcionaram, ao menos no projeto dos homens, durante algum tempo – principalmente no século XVIII – as colônias.


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Seguramente, as colônias tinham uma grande utilidade econômica, mas existiam valores imaginários que lhes eram agregados e, sem dúvida, estes valores eram devidos ao prestígio próprio das heterotopias. Foi assim que, nos séculos XVII e XVIII, as sociedades puritanas inglesas tentaram fundar na América sociedades absolutamente perfeitas; foi assim que no final do século XIX e ainda no começo do século XX, nas colônicas francesas, Lyautey e seus sucessores sonharam com sociedades hierarquizadas e militares. Sem dúvida, a mais extraordinária dessas tentativas foi a dos jesuítas no Paraguai. Com efeito, no Paraguai, os jesuítas fundaram uma colônia maravilhosa onde a vida por inteiro era regulamentada, onde reinava o regime mais perfeito do comunismo, pois as terras e os rebanhos pertenciam a todos. Apenas um pequeno jardim era atribuído a cada família, as casas eram dispostas em fileiras ao longo de duas ruas que se cruzavam em ângulo reto. Ao fundo da praça central do vilarejo havia uma igreja; em um lado, o colégio; no outro, a prisão. Do entardecer ao amanhecer, do amanhecer ao entardecer, os jesuítas regulamentavam meticulosamente toda a vida dos colonos. O toque do angelus soava às cinco horas da manhã, para o despertar; depois, marcava-se o início do trabalho; ao meio-dia, o sino chamava as pessoas, homens e mulheres que trabalhavam nos campos; às seis horas, reunião para o jantar; e, à meia-noite, o sino soava de novo e era então o que se denominava sino do “despertar conjugal”, pois os jesuítas, empenhados que estavam em que os colonos se reproduzissem, todas as noites badalavam alegremente o sino para que a população pudesse proliferar, o que, aliás, ela fez, pois de 10.000 que eram no começo da colonização jesuíta, os índios tornaram-se 400.00 no meio do século XVIII. Temos aí o exemplo de uma sociedade inteiramente fechada em si mesma, sem laço algum que a ligasse ao resto do mundo, salvo o comércio e os consideráveis benefícios feitos pela Companhia de Jesus.

Com a colônia, temos uma heterotopia que, de certo modo, é ingênua demais para querer realizar uma ilusão.

 – Michel Foucault.

Figuras do desatino

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