A política e o político, por Chantal Mouffe – DROPS #22

MOUFFE, Chantal. Sobre o Político. 1. ed. Tradução de Fernando Santos. São Paulo: Martins Fontes, 2015. 

[O princípio] mais importante refere-se à distinção que pretendo fazer entre a “política” e “o político”. Na verdade, na linguagem corrente não é muito comum se falar sobre “o político”; penso, porém, que essa distinção abre novos e importantes caminhos de reflexão, e muitos teóricos políticos a estão adotando.


Receba tudo em seu e-mail!

Assine o Colunas Tortas e receba nossas atualizações e nossa newsletter semanal!


A dificuldade, contudo, é que não há um acordo entre eles quanto ao significado atribuído aos respectivos termos, o que pode causar uma certa confusão. Não obstante, existem algumas coisas em comum que podem servir de referência. Por exemplo, o fato de fazer essa distinção sugere que existem dois tipos diferentes de abordagem: o da ciência política, que lida com o campo empírico da “política”, e o da teoria política, esfera de ação dos filósofos, que não investigam os fatos da “política”, mas a essência do “político”. Se quiséssemos expressar essa distinção de maneira filosófica, poderíamos dizer, recorrendo ao repertório heideggeriano, que a política se refere ao nível “ôntico”, enquanto “o político” tem a ver com o nível “ontológico”. Isso significa que o ôntico tem a ver com as diferentes práticas da política convencional, enquanto o ontológico refere-se precisamente à forma em que a sociedade é fundada.

Mas isso ainda deixa aberta a possibilidade de uma enorme discordância a respeito daquilo que constitui “o político”. Alguns teóricos, como Hannah Arendt, encaram o político como um espaço de liberdade e de discussão pública, enquanto outros o consideram um espaço de poder, de conflito e de antagonismo. Minha compreensão do “político” faz parte, evidentemente, da segunda perspectiva. Mais precisamente, é assim que diferencio “o político” da “política”: entendo por “o político” a dimensão de antagonismo que considero constitutiva das sociedades humanas, enquanto entendo por “política” o conjunto de práticas e instituições por meio das quais uma ordem é criada, organizando a coexistência humana no contexto conflituoso produzido pelo político.

A minha principal área de investigação deste livro diz respeito às práticas da política democrática, e está, portanto, localizada no nível “ôntico”. Não obstante, sustento que é a falta de compreensão do “político” em sua dimensão ontológica que está na origem da atual incapacidade de pensar de forma política. Embora uma parte significativa de minha argumentação seja de natureza teórica, meu objetivo principal é político. Estou convencida de que o que está em jogo na discussão acerca da natureza do “político” é o próprio futuro da democracia. Pretendo demonstrar como a abordagem racionalista que predomina na teoria democrática nos impede de fazer as perguntas que são cruciais para a política democrática. É por essa razão que precisamos urgentemente de uma abordagem alternativa que nos permita compreender os desafios que estão colocados hoje para a política democrática.

Deixe sua provocação! Comente aqui!