As renegações da política: arquipolítica, parapolítica, metapolítica, ultrapolítica e pós-política

Os conceitos de arquipolítica, parapolítica, metapolítica, ultrapolítica e pós-política são explicados a partir de seus usos na discussão política atual. Enquanto a aquipolítica explica comunitarismos políticos, a parapolítica é um fluxo de concentração da política na democracia representativa, já a metapolítica não acredita na possibilidade de uma política eficiente a partir da representatividade popular. A ultrapolítica é a adequação da política em moldes militares e a pós-política considera que os conflitos estruturais foram superados.

Por Rodrigo Barros, em colaboração com o Colunas Tortas.

Os conceitos de arquipolítica, parapolítica, metapolítica, ultrapolítica e pós-política se tornaram presentes nas análises e nos discursos de filósofos, cientistas políticos, sociólogos e demais comentadores e observadores dos cenários políticos  –  tanto nacionais como internacionais.

Meu objetivo com esse texto é tentar explicar, de forma acessível, quais os sentidos desses conceitos.

Slavoj Žižek em seu apartamento na Liubliana, Eslovênia, 2010.

De início podemos dizer que esses conceitos são provenientes de uma mescla de teorias políticas: as do filósofo francês Jacques Rancière e do também filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Žižek. Ambos são sujeitos bastante atuantes dentro e fora da academia, cabendo ao segundo inclusive o título de “intelectual pop star”. Os trabalhos dos dois possuem referências diversas e interdisciplinares, sendo essa mescla capitaneada pelo Žižek, uma vez que Rancière é seu precursor.

 

Para Žižek, tais conceitos sintetizam as renegações (ou perversões, no sentido psicanalítico) da política em nosso tempo; seriam manifestações políticas predominantes em nossa sociedade e que, paradoxalmente, evitam a política por excelência — ou seja, evitam os conflitos que de fato importam, direcionando as atenções para uma outra cena e causando assim a despolitização. Comecemos então por descrever cada um deles.

Arquipolítica: designa os comunitarismos políticos, que procuram definir o social como um campo homogêneo, unificado e fechado, sem contradições, caracterizado por traços identitários fortes, tradições rígidas e mitos de fundação. Nos comunitarismos é comum a analogia da sociedade como um corpo orgânico que, para funcionar satisfatoriamente, cada parte pré-definida deve exercer suas funções sem questionamentos.

A dissidência é vista como sinal de doença ou invasão de corpos estranhos que ameaçam a totalidade da comunidade, tornando a extirpação necessária. Os movimentos neoconservadores da Europa, que buscam preservar identidades nacionais que estariam ameaçadas pela presença de estrangeiros, ilustram bem essa manifestação.

Parapolítica: aqui tratam-se das formas que almejam reduzir a política para o campo da democracia representativa, onde os conflitos são aceitos desde que sejam reformulados no âmbito da competição por votos e pela nomeação de representantes reconhecidos para ocupar o poder temporariamente. Seriam as maneiras de tentar domesticar a política pela lógica do consenso no Estado de Direito, dentro de regras claras, evitando que os antagonismos irrompam de modo que possam ser perigosos.

Encontramos a base teórica para isso em diferentes teóricos de diferentes correntes e escolas (Habermas, Rawls, Laclau e Mouffe). Os movimentos reformistas, que acreditam que mudanças graduais e consensuais são possíveis, poderiam exemplificar a parapolítica.

Metapolítica: ao contrário da parapolítica, a metapolítica não acredita que os antagonismos sociais possam ser resolvidos por meio dos representantes atuantes nas instituições do Estado de Direito — essas não seriam de fato relevantes. O importante não é o que acontece nas assembleias, mas na cena da economia. É a economia que determina o que realmente importa em todos os outros campos do social. Não é a toa que os modelos socialistas do passado (como o próprio stalinismo) são vistos como exemplos dessa metapolítica.

As opiniões e divergências de grupos são secundárias, o que importa é entender campo econômico e intervir, por meio de um líder, para que as reais mudanças aconteçam e as leis da História sejam seguidas (como nos moldes do materialismo dialético vulgar). A repressão política torna-se justificável para garantir que o objetivo maior e racional seja alcançado.

Ultrapolítica: a mais potente forma de renegação, já que trata da própria militarização da política nos moldes do conceito de política de Carl Schmitt, com o sendo uma guerra aberta dos aliados contra os inimigos ao ponto não somente de vencê-los, mas de eliminá-los completamente. Não haveria regulação alguma entre esse embate.

Os movimentos fascistas ou populistas que adotam os lemas de “nós contra eles” personificam bem esse tipo, criando símbolos chauvinistas e bodes expiatórios. Eles buscam condensar a variedade ideológica em apenas dois polos que devem se digladiar a todo custo.

No Brasil temos o a vivência diária da ultrapolítica na polarização de “coxinhas e mortadelas”, do Lula contra o Bolsonaro, não importando os meios para se garantir a vitória.

Pós-política: esse tipo adentra acompanhado do discurso da pós-ideologia, muito difundido por autores como Fukuyama, que defende que as ideologias não seriam mais presentes no nosso mundo, pois o mesmo teria superado tais embates ao final da Guerra Fria. Então não caberiam mais disputas políticas a respeito do econômico, do político e do social; no lugar disso caberia encontrar gestores e tecnocratas inteligentes, responsáveis e neutros (imparciais, sem ideologias) para gerenciar a sociedade; uma elite formada por déspotas esclarecidos. A pós-política também se anuncia como “nem de direita e nem de esquerda”, com um posicionamento difuso, mesmo quando claramente defende um ponto ideológico.

Um exemplo escancarado do que nos referimos aqui é a figura de João Dória, que mesmo representando um programa neoliberal, se apresenta como um gestor neutro e não como um político. Mas antes que se confunda, a pós-política não é exclusiva da direita política, tendo movimentos da esquerda aderido a essa lógica ao renunciar as pautas classistas e se concentrar em demandas rasas que seriam possíveis de se resolver com “boa gestão”.

Esses tipos não necessariamente existem isolados, de forma autônoma. Muitos grupos e atores políticos incorporam mais de um tipo em suas práticas, como o fascismo que faz a junção da arquipolítica com a ultrapolítica; a volksgemeinschaf do Terceiro Reich sintetizava bem a militarização da política e o sentido de comunidade pura que deveria ser preservada contra os corpos invasores.

Obviamente que essa “dissecação” de conceitos desperta questionamentos amplos, como o que é a política propriamente dita pra Rancière e para Žižek. Pretendemos fazer um texto futuro destinado a isso, mas as obras originais estão referenciadas e podem ser consultadas. Resta adiantar que a definição de política não é consenso entre eles.

Referências

RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. Paris: Editora 34, 1996.

ŽIŽEK, Slavoj. O sujeito incômodo: o sujeito ausente da ontologia política. São Paulo: Boitempo, 2016.

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