Assim seja – Michel Onfray

Texto original escrito por Michel Onfray e publicado em Abril de 2016 em seu site oficial.

Michel OnfrayNão sou cristão porque não creio em Deus, essa é a primeira razão e ela é importante. Deus não me ofereceu a graça de acreditar Nele. Isso é, não é porque eu não acredito em Deus, mas porque Deus não acredita em mim! Em seguida, há outra razão que é a de que a moral cristã se mostra impraticável e que uma moral impraticável é imoral.

Desde que existo, não vi muitos cristãos que tenham unido o gesto à fala quando se tratava de amar o próximo, perdoar seus erros, dar a outra face, vender seus bens para viver o Evangelho, compartilhar o que se tem com os desamparados. Não falo sobre fazer milagres, mas apenas de fazer aquilo a que o Evangelho convida.

O novo Papa é o queridinho da mídia. Essa é uma primeira boa razão para desconfiarmos. Outra razão é que ele escolheu os jesuítas como ordem quando era padre, mas escolheu o nome de Francisco de Assis no momento em que se tornou Papa. Essa tática de jesuíta permite ao Papa usar as roupas do poverello¹ (um bom ponto para a mídia) e de valer-se de seu exemplo estando na cabeça de um dos Estados mais ricos do mundo (um bom ponto para a Igreja). Encontre o erro.

Outro motivo de desconfiança é que, na presença dos jornalistas, a dez mil metros de altitude, no avio que o conduz de Colombo a Manila, mais perto do Senhor portanto, o Papa Francisco diz: “Se um grande amigo fala mal da minha mãe, ele pode esperar um soco”… Imagine! É difícil imaginar Jesus dizendo a Marcos ou Mateus: “Se você não curte minha mãe, você vai levar uma!”. É Zidane no Vaticano…

O mesmo Francisco, em sua mensagem de Páscoa, a partir da varanda da Basílica de São Pedro, criticou vivamente aqueles que queriam fechar as fronteiras aos imigrantes de países em que o Ocidente criou anarquia. Tudo bem, é seu papel. Mas seu papel jesuíta que fala mas não faz nada. “Grand diseux, p’tit faiseux “, “quem fala muito, faz pouco”, como dizem na zona rural da Normandia.

Pois um Papa verdadeiramente franciscano teria agradado Jesus declarando: a venda do patrimônio artístico do Vaticano para ajudar as famílias em dificuldade, tudo, sem exceção; a venda de todo os objetos de culto preciosos em ouro, prata dourada, prata, pedras preciosas para adicionar ao fundo coletivo; a venda do patrimônio da Igreja em todo o mundo – milhões de igrejas, presbitérios, catedrais, basílicas, mosteiros, dioceses; a disposição, no aguardo de tais vendas, de todos estes edifícios para abrigar os migrantes e suas famílias; a exigência de que padres e monges, freiras e bispos acolham, alimentem e abriguem os pobres, todos os pobres; a mesma obrigação para os cristãos que saem da missa para comer o cordeiro pascal em dar, compartilhar, vender, acolher, em suas casas, os desamparados, todos eles. Menos engraçado, não é? Difícil “curtir” Jesus até esse ponto, não?

Caso contrário, toda a pregação que vai nessa direção demagógica, incluindo outros além do Papa, é vento – um vento que alimenta substancialmente a mídia. Nietzsche estava certo ao escrever em O Anticristo: “Houve apenas um cristão, e ele morreu na cruz.” Que assim seja.

Notas

¹ Dotado de pouco ou nenhum recurso material.

Michel Onfray (1959) é um filósofo francês, fundador da Universidade Popular de Caen.

1 Comentários

  1. Mas, Senhor Onfray o senhor está julgando Deus pelo gestual, fala e ação de humanos, num sistema capitalista, dificílimo de se viver com humanidade! É muito fácil dizer que não se acredita naquilo em que não se vê. Deus é espírito, com todo respeito a vossa crença, sem querer entrar na discussão sobre esse assunto, mas dar minha opinião, de pessoa ignorante neste e, em muitos outros. Se falo é, porque quero, sempre, aprender com quem sabe.

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