Casagrande tem razão!

Aos que acompanham as últimas polêmicas do meio esportivo, não é novidade a tensão existente entre Walter Casagrande e Tiago Leifert. O primeiro, ex-jogador e membro da democracia corinthiana; o segundo, ex-apresentador de destaque da Rede Globo.


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Leifert foi responsável por adicionar, de maneira sutil mas consistente, o entretenimento no jornalismo esportivo da emissora carioca. É necessário lembrar que o jornalismo esportivo é um campo sério de produção jornalística: o humor ou a irreverência sempre foram vistos como elementos popularescos, sem valor jornalístico. Leifert foi o responsável por unir o entretenimento com o jornalismo sério.

No entanto, num mundo de finitudes (como a duração de um programa televisivo), não se adiciona de um lado sem tirar de outro. O jornalismo foi substituído por uma cobertura pobre e baseada em situações e assuntos divertidos. Já era raro assistir reportagens sérias, que conduziam um ponto através de seus conflitos e de suas contradições: o programa jornalístico esportivo sob a batuta de Leifert se transformou em um programa de entretenimento esportivo. Já não havia valor jornalístico que sustentava de fato o status jornalístico do programa: a roupagem jornalística não sustentava o conteúdo de entretenimento.

Há quem tenha gostado ou desgostado da mudança, mas o ponto não é esse. Tiago Leifert é a representação do sapatênis encarnado em um ser humano. Não é à toa. Já foi responsável por defender a separação completa do futebol e da pauta política, além de ter defendido também o desaparecimento das torcidas organizadas.

É como um consumidor: não respeita a história, não respeita a instituição, só respeita o fato de ter pago pelo ingresso. Quem paga a banda escolhe a música. É relevante citar que Tiago Leifert é filho do diretor de marketing da Globo: é de discussão pública sua ascensão na emissora através de impulsos nepotistas. É filho de quem “paga a banda”.

Através de Tiago Leifert, o futebol é um conjunto de brincadeiras feitas para divertir. A competição se perde, o esporte se perde. Todos são suportes para a existência da diversão, do entretenimento. Se o formato “competição” não for adequado para agradar o máximo de consumidores, então será um prazer sua mudança para um formato mais agradável. Este movimento que eu chamarei nesta coluna de leifertismo cultural é o movimento da despolitização da vida e sua transformação em uma vida de puro consumo individual.

O leifertismo cultural não compreende que a política é parte integrante do futebol enquanto instituição e enquanto mercado. Mais que isso, a política, de modo geral, é parte da vida de cada jogador. Mas o leifertismo cultural não compreende que esta esfera da vida, a esfera política, atravessa todas outras. O leifertismo cultural compreende que a esfera da vida é reduzida à ética individual, assim, transforma o outro em uma fantasia. O outro é algo que não existe ou que é indecifrável. Mais que isso, o outro individual é a única realidade possível. Numa acepção biológica e psicológica do sujeito, este outro individual é reduzido a um pobre princípio do prazer… É a satisfação individual que determinaria, nesta visão, a legitimidade da existência do objeto que satisfaz. Ou seja, se o jornalismo esportivo precisa ser entretenimento para conquistar audiência e vender anúncios num programa esportivo de meio-dia, então assim será. A função social do jornalismo é ignorada, afinal, se a audiência é baixa, então a informação não tem sua existência legitimada.

O leifertismo cultural é esta prática de ocultamento da política e, acima de tudo, do conflito. Num mundo de indivíduos e nada mais, a supressão do conflito constitutivo da política deixa aberta as portas para uma concepção fantasiosa e idealista de um sujeito livre sob a forma de consumidor. Não há conflito nesta dinâmica, pois o movimento do consumo é solitário.

Por fim, o leifertismo cultural é essa maneira amena de conduzir assuntos sérios, mas sem abordar pontos relativos ao seu status de sério. A seriedade de um assunto é posta através de sua apresentação (a lesão do jogador, por exemplo), mas não através do próprio conteúdo (piadas sobre o dia a dia na fisioterapia, por exemplo). Desta forma, a pauta jornalística é supostamente atendida enquanto o conteúdo jornalístico é esquecido.

No mais, Casão tem razão.

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