Texto original escrito por Michel Onfray publicado em Março de 2015 em seu site oficial.
O politicamente correto recua, tanto melhor, mas ele tanto embebe as consciências há um quarto de século que é uma aposta segura a de que levará um pouco mais de tempo para que ele morra como uma besta imunda… A direita é menos sensível a isso. Normal, esta renúncia ao pensamento que se faz passar por um pensamento é a prerrogativa dos conceitualistas e dos ideólogos, a patologia da esquerda incapaz de pragmatismo, ao contrário da direita que é muito capaz e que, desse modo, permanece incapaz do ideal.
Um dos slogans do politicamente correto é que não haveria choque de civilizações. Invenção de Samuel Huntington, um pensador neoconservador americano, quer dizer: o diabo na filosofia… Mas pouco importa a política ou a religião de um filósofo quando ele pensa livremente. Fingir que não há um choque de civilizações entre o Ocidente circunscrito e moribundo e o Islã desterritorializado e saudável é uma tolice que impede de pensar o que aconteceu, o que acontece e o que vai acontecer.
O Islã é uma civilização, com seus textos sagrados, seus heróis, seus grandes homens, seus soldados, seus mártires, seus artistas, seus poetas, seus pensadores, seus arquitetos, seus filósofos. Ele assume um estilo de vida, uma maneira de ser e de pensar que ignora o livre árbitro agostiniano, o sujeito cartesiano, a separação kantiana de nôumeno e fenômeno, a razão laica das Luzes, a filosofia hegeliana da história, o ateísmo de Feuerbach, o positivismo de Comte, o hedonismo freudiano-marxista. Também ignora o iconófilo e o iconólatra (gosto e defesa de imagens religiosas) para preferir a matemática e a álgebra de formas puras de (mosaicos, entrelaçados, arabescos, caligrafia), necessário para entender porque a representação de Maomé é uma blasfêmia.
Negar a realidade do choque de civilizações não pode ser feita a não ser que ignoremos o que é uma civilização, se desprezamos o Islã ao rejeitá-lo como uma, se desprezamos a nossa por autodesprezo, se pensamos a história com o absurdo do sistema cristão e marxista que promete salvação ignorando as aulas de filosofia dadas por Hegel: as civilizações nascem, crescem, vivem, culminam, decaem, colapsam e desaparecem para abrir caminho para novas civilizações. Que reflitamos sobre o alinhamento de Stonehenge, as pirâmides de Cairo, o Parthenon em Atenas ou as ruínas de Roma como mais tarde refletiremos sobre as ruínas de catedrais!
Nosso Ocidente está se deteriorando: os adultos compram livros para colorir, se locomovem em patinetes elétricos, fumam cigarros eletrônicos, a mulher barbada é o horizonte último do progresso pós-moderno, levam seus animais de estimação ao psicanalista, negociam o útero de mulheres pobres para carregar fetos de ricos, eles migram para o equilíbrio como animais sedentos em uma pequena porção de água, mas nenhum deles está pronto para morrer por essas ninharias.
Enquanto isso, animado pela grande saúde nietzschiana, o Islã global oferece uma espiritualidade, um sentimento, uma conquista, uma guerra por seus valores, tem soldados, guerreiros, mártires que esperam à porta do Paraíso. Recusar, portanto, de uma civilização que propõe “o paraíso sob a sombra das espadas” um dito do Profeta, é persistir na ilusão. Mas de que outra forma poderia cer? A cegueira que faz dizer que o real não aconteceu (ou não acontece) é também um sinal de niilismo.
Michel Onfray (1959) é um filósofo francês, fundador da Universidade Popular de Caen.
Acredito que a palavra segue sendo meu ponto fraco.
Durante toda a leitura do texto, não nego que aguardei ansiosamente que em qualquer ponto Michael se redimisse deixando qualquer coisa que permitisse compreender grande parte dos seus argumentos traçados a partir da lógica do texto como nada mais que uma grande ironia.
Em primeiro lugar, peca grandemente ao qualificar o Islã como “uma civilização”. O Islã não é nem nunca foi “uma civilização”: não é uma coesão, uma homogeneidade de valores expansionistas, como ele deixa a entender no seu texto. O islã é uma religião, um conjunto de crenças que possui as suas particularidades, e essas particularidades podem ser facilmente detectadas quando se compara a prática da religião em dois países diferentes, ou mesmo seguimentos diferentes. Edward Said, por exemplo, um dos maiores críticos da teoria do Choque de Civilizações, expõe em sua obra Orientalismo a verdadeira falácia da leitura do Islã como uma civilização, que ameaça só com sua existência a integridade das civilizações ocidentais por não professar dos mesmos valores éticos, morais, religiosos e filosóficos. Novamente, o Oriental é lido como “o bárbaro”, “o bruto”, “o grosseiro”, “o violento”, e em ultimo caso objetificado à condição do adorno “exótico”. Qualificar todo o oriental que professa da fé maometana como integrante de uma coesa e homogênea civilização chamada “Islâmica” é drasticamente mais violento e desrespeitoso do que, por exemplo, qualificar todo o ocidental que professe – ou não – de uma fé cristã como integrante de uma igualmente coesa e homogênea civilização “cristã” (ou ainda “cristandade”, como qualificado pelos medievais), uma vez que tal classificação não serviria para fomentar tantos preconceitos como faz a primeira. Essa visão só faz justificar e alimentar a injustificada islamofobia crescente que vivemos. Os valores demasiado conservadores transbordam através das palavras de Michael Onfray neste escrito como a água de uma fonte (conservadorismo não é nem nunca foi qualquer demérito, mas bem sabemos o quão nocivo pode ser em excesso).
É preciso ler isso com muito mais atenção. Acho que em muitos aspectos, este escrito aqui presente desmerece, e muito, os demais escritos publicados pelo site. Parte de uma verdadeira falácia e só faz disseminar a desinformação.