Como acabar com o Império

Qual é o limite do poder dos EUA? Quais fatores podem contribuir para seu declínio? Como a hegemonia americana é exercida hoje me dia?

Texto originalmente publicado pelo site Jacobin

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A crise econômica não irá acabar com o imperialismo Americano. Só mesmo uma ameaça política de baixo pode fazer isso.

O capitalismo já foi considerado o mais puro exemplo do mal na economia, a tal ponto que até mesmo recentemente o termo era evitado pelos seus praticantes e apologistas; era o sistema que ninguém ousava mencionar.

“Liberdade” foi o seu eufemismo preferido durante boa parte do século XX. Não obstante, o Capitalismo tem tentado tirar seu nome de cena e apesar de todos seus problemas é elogiado por banqueiros, políticos, comentaristas, jornalistas, críticos e até apresentadores de TV, com o fundamento de que não existe alternativa melhor.

Até as menores alterações das normas capitalistas em qualquer continente, mesmo que expressada ou praticada moderadamente, desperta o frenesi dos seus privilegiados e seus séquitos. O medo do inesperado – levantes, revoltas eleitorais que desafiam o status quo, protestos de jovens na rua, revoltas por parte dos camponeses a la Jacqueries – obriga a elite global a depender, em última instância, de ameaças ou o uso da força militar dos EUA para deixar cada disputa a seu favor. Isso cria condições de concorrência equitativas apenas para a classe burguesa, independentemente das atrocidades. Bagdá, Helmand Tripoli, Kinshasa sabem muito bem disso.

Nem mesmo durante o período entre guerras os conflitos tem sido incitados de forma tão descarada e com tamanha frivolidade. A combinação do poder militar que se faz incontestável e a intoxicação política que coloca qualquer oposição fora da cena. Contraditoriamente o que o mundo inteiro sabe que é falso é declarado verdadeiro pelos Estados Unidos, com a ajuda da mídia, vassalos etc. O triunfo da força bruta é retratado como um sinal de inteligência ou coragem; arrogância criminal é descrita como energia moral.

É claro que nem sempre tamanha agressão consegue ter sucesso politicamente, o caos que isso desencadeia é muito pior daquele que existia antes, mas os ganhos econômicos são palpáveis: a privatização da petróleo da Líbia e do Iraque são os exemplos mais salientes. Como a esperança pode ser sustentada em tal mundo? Primeiramente, abrindo mão de toda as ilusões na capacidade dos governantes em reforma-los a si próprios.

As condições e circunstâncias que permitiram o poder do imperialismo americano a alcançar seu nível atual de ascendência são quase um segredo. E as questões atualmente em debate são extremamente relevantes. Qual é o limite do poder dos EUA? Quais fatores podem contribuir para seu declínio? Como a hegemonia americana é exercida hoje me dia? A resposta seria do tamanho dos Estados Unidos: recursos naturais, tecnologia, mão de obra e superioridade militar em comparação com seus rivais.

Um atalho bem-intencionado para induzir com o pensamento cheio de desejos e, que vem de várias formas e tamanhos, uma das mais simples dessas medidas é a própria noção de um Estados Unidos da América Imperial, especialmente após o colapso da União Soviética. Alguns ainda escrevem sobre a diferença entre o velho modelo Europeu de colonização e o variante atual, afim de amenizar as atrocidades da conta de Washington.

Essas visões ignoram instituições e enfatiza o individuo. As marchas agressivas pós onze de setembro (Cheney/Rumsfeld), ou um maligno e malogrado George W. Bush que encoraja o esquecimento. O é fato que Obama/Clinton tem efetivamente continuado as politicas anteriores e, em alguns casos, indo além do que Bush e seus associados tentaram.

A literatura politica em declínio e a prospectiva queda do império norte-americano tem se proliferado nos últimos anos e se mostrado igualmente insatisfatória. Há um ar de desespero, “contratempos” são interpretados como derrotas esmagadoras e China, Rússia e até a política Islâmica são vistas com uma certa esperança, embora de uma forma um tanto ilusória.

Na verdade, a estrada imperial é inconquistável se de fato depender de outros países; a única saída encontra-se dentro do pais. Quais tipos de forças sociais seriam necessárias para derrotar a estrutura do poder dos EUA? Por mais desoladora que essa visão possa parecer no momento, é a única opção tangível.

Um bom patriota norte-americano hoje em dia é incitado a ser pró imperialismo. Alguns cidadãos mais céticos que acreditam que as bases militares deveriam ser desmanchadas, suas tropas mandadas de volta para casa, suas despesas reduzidas, e o próprio EUA redefinida como um grande estado, apenas usar força quando forem diretamente ameaçados, os que pensam dessa forma são vistos como aqueles maus patriotas, ou até mesmo traidores, eles são então, alguns dos inimigos internos. Eles são considerados assim não só por aqueles que compartilham do mesmo solo, mas também por aqueles que temem a retirada dos EUA no exterior: os políticos e os estados vassalos na Europa, Ásia, o Oriente Médio, África e alguns na América do Sul.

No entanto, tanto no mundo árabe quando nos redutos do capitalismo ocidental, a ordem sistemática imposta através o consenso de Washington desde o colapso da União Soviética parece estar continuação. O mundo árabe procura escapar de sua história recente, enquanto alguns estados europeus, sob o domínio da paralisia parlamentar, sonham com uma libertação externa dos próprios banqueiros que foram responsáveis pela crise de 2008.

A atrofia da economia produtiva dos EUA e de boa parte da União Europeia revelam uma doença que já estava em um estado avançado, mesmo que alguns digam que essa doença já estaria de certa forma curada, os otimistas argumentam que os EUA foram confrontados por uma retrocesso similar àquela que teria afligido o Reino Unido no auge de seu império. Algumas perguntas começam a serem levantadas mesmo que na margem do sistema político. O impacto dessas dúvidas na consciência popular se espalhou rapidamente. Os eventos expuseram a fragilidade do sistema e revelaram mais uma vez a força motriz dos imperialistas.

Guerras e conquistas subjacentes nos últimos dois mil anos não são simplesmente ideologias, mas a pulsão de acumular e monopolizar a distribuição e o fluxo de riquezas a qualquer custo. O esforço de extrair e transportar ouro e prata foram facilitadas e passam a ser efetuadas em uma fração de segundo com os botões sugestivos de transferência em pequenas maquinas, aparelhos e devices e mesmo assim os donos do mundo continuam jogando o mesmo jogo cruel que seus antepassados.

O ano de 2011 testemunhou o concatenamento de duas crises. Uma delas foi simbolizada pela onda de revoltas árabes que desafiaram povos indígenas africanos e a outra o despotismo apoiado pelo ocidente em nome da liberdade. Esses eventos foram tão remanescentes dos levantes de 1848 na Europa continental quanto “a primavera dos povos” em 1989, o que efetivamente mudou uma forma de dependência por outra, vista no neoliberalismo capitalista como o único futuro

As hecatombes passaram como uma brisa no espaço público, universidades e mais ou vez os tumultos das massas podiam ser escutadas em mais do que um continente. A Europa mediterrânea, em particular, foi tomada por miríades de mobilizações e greves gerais. Será que esses embates anunciam o nascimento de uma nova ordem social, mesmo que dentro ou fora do capitalismo?

As respostas das classes altas é um grande “Não”. Eles trabalharam bastante afim de usar o estado para socorrer (a Europa) ou estimular (os EUA) o atual sistema neoliberal. A noção de que pode haver uma revolta gerencial de dentro do sistema, um levante de tecnocratas, acontece somente em filmes de ficção cientifica. Qualquer mudança que venha da burguesia ou de dentro da estrutura existente é improvável, ao menos que as ameaças das classes baixas se tornem forte demais para contra-atacar.

O escudo democrático que o capitalismo Ocidental usa, que até recentemente tem prosperado, agora mostra suas rachaduras. Desde os anos 1990 a democracia tem se fundamentado na ala de extremo centro, até mesmo centro-esquerda ou centro-direita acabam com a ideia de preservar o status quo; uma ditadura do capital que reduziu partidos políticos ao estado vegetativo. Como chegamos a esse ponto?

Após a queda do comunismo em 1991, as ideias de Edmund Burke de que “em toda sociedade constituídas por diferentes classes, certas classes devem necessariamente ser superiores” e “os apóstolos da igualdade apenas mudam e pervertem a ordem natural das coisas” se tornaram os sábios jargões da era, adotadas por servos e mestres, sobretudo o dinheiro serviu para corromper os políticos. Lideres políticos do extremo centro se tornaram ricos durante seus anos no poder. Muitos receberam consultorias logo que deixaram o cargo, como parte de um “acordo querido” com as empresas envolvidas.

Ao longo dos redutos do capital temos testemunhado a convergência das escolhas politicas: Republicanos e Democratas nos EUA, New Labour e Tories na Grã-Bretanha, Socialistas e Conservadores na França, as coligações alemãs, a centro-esquerda e a centro-direita escandinava etc.

Em praticamente todos esses casos, o sistema possui dois partidos ideologicamente diferentes mas que no entanto se confluem em um governo nacional efetivo. Essa ideia de que partidos políticos e suas diferenças constituem a essência da democracia moderna é o mais robusto sinal de sua falsidade. Diferenças culturais persistem, e as questões levantadas são importantes, mas a capitulação covarde sobre o fundamento de como um país é governado pelos “liberais culturais”, diga-se de passagem o os Democratas americanos e seus equivalentes, tem ajudado a criar o clima em que tantos direitos sociais e culturais estão sendo ameaçados.

Um novo extremismo de mercado entrou em jogo. A simbiose entre políticos e o capital corporativo se tornou um modelo para democracia, os políticos colocaram os mais sagrados domínios das prestações sociais nas mãos do capital privado.

O oriente árabe continua instável; no entanto, as forças Islâmicas na região estão contentes o bastante para acomodar as necessidades do imperialismo, as desavenças com Israel não refletem nem um pouco qualquer mudança fundamental nas suas políticas. O Taliban e o ISIS fará o mesmo quando chegar a hora. Enquanto isso, os gigantes do petróleo – BP, Chevron, ExxonMobil, Shell e ConocoPhillips – lucraram mais de 900 bilhões de dólares na última década.

Em outros lugares mais avanços são pontilhados no mapa. A elite Australiana concordou com entusiasmo com uma nova base militar dos EUA em seu território o projeto foi acompanhado de um ríspido falatório anti-China em que o presidente Obama ressaltou a presença imperial no Extremo Oriente, sublinhando que os EUA possuía uma força na Ásia, e alertando os Chineses a “jogar pelas regras casa.” Regras essas que os Chineses sabem muito bem que são formuladas, interpretadas e aplicadas pelos EUA.

Apenas América do Sul experimentou um aumento de sua resistência política à hegemonia imperial, ambas politicas e econômicas. Essa é a primeira vez desde a doutrina Monroe que quatro estados estão sem embaixadores norte-americanos. Cuba, Venezuela, Equador e Bolívia, e o maior país da América Latina, Brasil afirmaram que houve um uma falta de independência nas últimas décadas. Funcionários do Departamento do Estado visitam Brasília regularmente para tranquilizar a elite política que “Obama não é Bush,” uma mensagem recebida com um pouco de ceticismo.

É quase um segredo que Obama/Clinton aprovaram o golpe em Honduras e que os esquadrões da morte estavam a favor. Planos para desestabilizar estados Bolivarianos e derrubar governos não foram abandonados, como a derrubada de Fernando Lugo no Paraguai em 2012 revelou. Washington procura pelas fraquezas no campo inimigo e então os destroem, com a ajuda da força militar quando necessário, mas previsivelmente usando aliados locais e manipulando o sistema, como foi feito em Assunção e na Venezuela após Chávez falecer.

Pensar que a liderança militar e política dos EUA está se preparando para voltar para casa após organizar um desmantelamento do seu Império em outros países pode parecer bem consolador, no entanto convém dizer que isso é totalmente falso.

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