Quando discutimos o conhecimento no sentido de “aquilo de que temos consciência”, já está implícito, necessariamente, um conceito de “o que é conhecer”. Por meio de uma perspectiva que mais tarde viria a ser a fenomenológica, Edmund Husserl reformulou o conceito vigente em sua época, se opondo à concepção de conhecimento como mera “apreensão” do mundo exterior pela consciência.
Comecemos por ressaltar que aqui não entendemos “conhecer” por “adquirir conhecimento técnico ou elaborado”, mas por simplesmente “tomar consciência de”, e é isto que, para Husserl, não se trata de mero ato de “reconhecimento”, como se tivéssemos contato com as coisas que nos rodeiam e então nossa consciência as assimilasse. Para o autor, esta última só é passível de existência a partir de um movimento em relação ao mundo exterior.
“O conhecimento não poderia, sem ser desonesto, comparar-se à posse” (SARTRE in “Uma ideia fundamental da fenomenologia de Husserl, a intencionalidade”, 1939)
Isto significa dizer que a consciência, para o autor, não consiste em um tipo de “substância” que existe em si mesma, mas sempre e necessariamente como “consciência DE alguma coisa”, seja esta coisa um indivíduo, um objeto, uma lembrança, etc., de modo que esta não sobreviveria às condições de ausência de um mundo exterior. Com isso, Husserl supera a antiga dicotomia entre sujeito e objeto, pois ambos não mais se dão separadamente, alheios um ao outro.
“A consciência e o mundo são dados de uma só vez. (…) Libertados, ao mesmo tempo da ‘vida interior’; em vão procuraríamos, como uma criança que se aninha no colo, as carícias, os mimos de nossa intimidade, pois afinal de contas, tudo está fora, tudo, até nós mesmos: fora, no mundo, entre os outros” (SARTRE, idem)
É neste sentido que a filosofia de Husserl é tomada como a “filosofia da transcendência”: a consciência deixa de ser substância e passa a ser puro ato e que só pode existir no espaço comum que há entre aquele que antes considerávamos sujeito e aquele que antes considerávamos objeto. Compreender, portanto, no sentido de tomar consciência das coisas, deixa de ser mero atributo humano e passa a ser a única forma possível de sua existência. Assim, podemos afirmar que o homem existe compreendendo, pois sua consciência reinventa-se e reafirma-se a cada minuto em que tem contato e em que se funde com o mundo, sendo esta a única forma possível de sê-la.
“Ser é explodir para dentro do mundo, é partir de um nada de mundo e de consciência para subitamente explodir como consciência-no-mundo”. (Sartre, ibidem)
E, para além do sentido epistemológico de “conhecer”, Sartre pontua outras formas de se tomar conhecimento das coisas segundo Husserl. Os sentimentos, tais como o ódio, o amor, o temor e a simpatia, não são “reações subjetivas”, escondidas no interior do ser, mas “apenas maneiras de descobrir o mundo”. Isto se torna claro quando evidenciamos o fato de que estes sentimentos não existem de forma independente, mas sempre em direção a algo ou alguém.
Mais tarde, Merleau-Ponty dirá que só podemos nos conhecer, isto é, ter acesso a algo que se possa denominar “interioridade”, por meio de um retorno a nós mesmos. Retorno este que se dá através da cultura na qual estamos inseridos, além da forma pela qual aparecemos para o outro, do qual também dependemos para que possamos nos constituir como indivíduo.
“Não vivemos, a princípio, na consciência de nós mesmos – nem mesmo, aliás, na consciência das coisas – mas na experiência do outro. (…) Não há vida em grupo que nos livre do peso de nós mesmos, que nos dispense de ter uma opinião; e não existe vida “interior” que não seja como uma primeira experiência de nossas relações com o outro” (Merleau-Ponty in “Conversas”, 1948)
Acredito que a palavra segue sendo meu ponto fraco.
Gostei do texto Victoria.
Obrigada! 🙂
Muito bom