FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação?. 7ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.
A EDUCAÇÂO COMO UMA SITUACÃO GNOSIOLÓGICA
O homem é um corpo consciente. Sua consciência, “intencionada” ao mundo, é sempre consciência de em permanente despego até a realidade. Daí que seja próprio do homem estar em constantes relações com o mundo. Relações em que a subjetividade, jejue toma corpo na objetividade, constitui, com esta, uma unidade dialética, onde se gera um conhecer solidário com o agir e vice-versa. Por isto mesmo é que as explicações unilateralmente subjetivista e objetivista, que rompem esta dialetização, dicotomizando o indicotomizável, não são capazes de compreendê-lo. Ambas carecem de sentido teleológico.
Se o solipsismo erra quando pretende que somente o Eu existe e que sua consciência alcança tudo, sendo um absurdo pensar uma realidade externa a ela, erra também o objetivismo acrítico e mecanicista, grosseiramente materialista, segundo o qual, em última análise, a realidade se transformaria a si mesma, sem a atuação dos homens, meros objetos, então, da transformação.
Estas duas maneiras errôneas de considerar o homem e de explicar sua presença no mundo e seu papel na história, originam também concepções falsas da educação.
Uma que, partindo da negação de toda realidade concreta e objetiva, afirma a exclusividade da consciência como criadora da própria realidade concreta. Outra que, negando praticamente a presença do homem como um ser da transformação do mundo, subordinado à transformação da realidade, que se daria sem sua decisão.
Tanto erra o idealismo ao afirmar que as idéias separadas da realidade governam o processo histórico, quanto erra o objetivismo mecanicista que, transformando os homens em abstrações, nega-lhes a presença decisiva nas transformações históricas. Na verdade, não conduz a coisa alguma a educação que esteja fundada numa ou noutra destas formas de negar o homem.
É preciso vê-la, portanto, em sua interação com a realidade, que ele sente, percebe e sobre a qual exerce uma prática transformadora. É exatamente em suas relações dialéticas com a realidade que iremos discutir a educação como um processo de constante libertação do homem. Educação que, por isto mesmo, não aceitará nem o homem isolado do mundo – criando este em sua consciência –, nem tampouco o mundo sem o homem – incapaz de transformá-lo.
Educação que, no fundo, se tornaria a-histórica: no primeiro caso, por “faltar” o mundo, concretamente; no segundo, por carecer do homem. A história, na verdade, não existe sem os dois. Não é, de um lado, um processo mecanicista, em que os homens sejam meras incidências dos fatos; de outro, o resultado de puras idéias de alguns homens, forjadas em sua consciência.
– Paulo Freire.
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