Que é a celebridade? Eis aqui a desgraçada obra à qual devo a minha. É certo que esta peça, que me valeu um prêmio e que me fez um nome, é quando muito medíocre, e ouso acrescentar que é uma das menores de toda esta coletânea. Que abismo de misérias evitaria o autor, se este primeiro escrito só tivesse sido recebido como o merecia! Mas, era preciso que um favor inicialmente injusto atraísse sobre mim, aos poucos, um rigor que o é ainda mais.
Seguimos com Rousseau, agora falando sobre o ensaio que ele submeteu ao concurso da Academia de Dijon. O tema era: A restauração das ciências e das artes tendeu a purificar a moral? Rousseau responde, no curto ensaio, que não, que a ciência e as artes foram, de fato, corruptoras do homem. Nessa obra é possível ver a semente da filosofia social de Rousseau: O conflito entre as sociedades modernas e o Estado de natureza, ou “selvagem”.
É comum, nos nossos tempos, considerar as ciências e as artes como o que há de mais elevado dentro das possibilidades humanas: criar algo valioso nessas duas áreas tem um grande peso intelectual, histórico, e mesmo social, como podemos ver pela relação entre ciência e espírito de senso comum – zeitgeist – exposta por autores como Hobsbawm e Galbraith.
Já para Rousseau, ela não merece elogio algum. Para ele, a arte é uma apologia da ignorância, ‘amolece’ o espírito e é uma das principais corruptoras da sociedade. A crítica à ciência é mais histórica. Ele afirma que as civilizações que passaram a se dedicar a eles, ao invés de outras atividades, como as de subsistência, começaram a decair, como a Grécia, por exemplo. Critica até mesmo o iluminismo e sua tentativa de livrar o mundo dos conhecimentos ilusórios da religião a partir da lógica e da ciência:
Deus todo poderoso! Tu que tens nas mãos os espíritos, livra-nos das luzes e das artes funestas de nossos pais, e dai-nos a ignorância, a inocência e a pobreza. [1]
Rousseau vê ambas as coisas, em geral, como algo ruim. A ciência iria agredir tudo que há de bom no ser humano: Sua moralidade. Teria nascido de nossos vícios enquanto humanos em sociedade – um preâmbulo para sua maior obra -, assim como as artes, e seriam inúteis em seus objetivos (nos tornar mais sábios e mais conhecedores do mundo que nos cerca) e perigosas pelos efeitos que produzem: fugirmos da ética.
Qual seria a ética de que fugimos? Rousseau a define como um esforço para sair das trevas às quais envolvemos e condenamos a natureza. Ele considera nossos princípios naturais puros, mesmo que possam ser considerados rústicos ou selavegens. Éramos todos bons, até que a união em sociedade nos fez pecadores, e as ciências e artes contribuíram para esse processo. Para ler mais sobre isso, vale conferir a minha resenha sobre a maior obra de Rousseau.
Dito tudo isso, até que ponto a crítica de Rousseau permanece válida? A ciência nos trouxe avanços e conforto que não eram sonhados na época do filósofo, e as artes nos trouxeram momentos sublimes na história, dando valor ao espírito humano, seja lá o que signifique essa forma imprecisa de se referir aos nossos sentimentos. O pensamento de Rousseau, por mais que se demonstre negativo, é uma crítica a ser levada em conta, nem que seja para contestar os deuses que erguemos em torno de conceitos imprecisos como a arte, a ciência, a política de qualquer via. É necessário um martelo quase nietzscheano para derrubar nossas ilusões e certezas. E o martelo de Rousseau começou a derruir o pré-modernismo para a construção do mundo que viria nos novos séculos.
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