– Duas taças medianas de cristal – ponderou o senhorzinho a trajes executivos no balcão.
O garçom imediatamente preparou as taças reluzentes de tão limpas e as pôs na mesa. Ao entregar o menu, antes que ele indicasse o prato da casa, o velhinho de semblante agradável, logo exclamou:
– Tinto, de no mínimo 5 anos de fermentação da espécie Tannat!
Com um largo sorriso e um aceno positivo com a cabeça, o garçom foi verificar. Mas antes, deixou uma pequena garrafa de água com gás para saciar a sede do velho.
Ao retornar à mesa, o garçom reparou que o senhor lia atentamente um livro de capa dura de tom verde musgo que aparentava ser bem antiquado para a época atual. Com gestos faciais, o cliente sorri de canto de boca, como que agradecendo por ter encontrado o vinho tão aguardado.
– Algo mais em que posso ajudar? – Indaga o garçom curioso.
– Meu jovem, você teria queijo roquefort para acompanhar?
– Claro!
– Ótimo.
– Deixe a garrafa respirando e traga o queijo, sim?
– Sim, senhor!
Passaram-se alguns minutos e novamente ao levar o pedido, o garçom foi querer ser prestativo e quando ia servi-lo, o senhorzinho interferiu:
– Não precisa meu jovem, você já fez tua parte. Muito obrigado!
E assim o garçom acatou. No entanto, achou o velhinho um ser curioso e entre uma olhadela e outra, o garçom tentava compreender o que se passava com ele já que o tempo passava e passava e ninguém aparecia. Talvez a pessoa estivesse atrasada. Mas por que o senhor deixava uma taça cheia pela metade? Se ele desfrutava o vinho na outra sem pressa alguma…
Com um aceno de mão. O garçom percebeu que foi chamado. – Feche a conta, por favor! – explicou diretamente o senhorzinho.
– Okay – respondeu de forma curta e certeira o garçom.
Com as contas em mãos. O garçom diz:
– Desculpe-me pela intromissão senhor, mas não tinha como reparar que a sua companhia não chegou e mesmo assim, a taça está cheia até agora.
– Você sempre é assim curioso, meu jovem? – responde o senhor.
– Não tem problema, era como você quando tinha a tua idade. Eu tinha um amigo, como um irmão e nós fomos combatentes na batalha de Midway em meados 1942 e cá estou para contar que sobrevivemos à guerra. Há cerca de 3 anos esse meu amigo faleceu, em uma quarta-feira como hoje, de sol ardente e poucas nuvens. Estávamos em um bar assim como este, e ele, ao engolir o que seria o último sabor de sua vida, me disse uma das frases célebres de um grande filósofo que se chama Franz Kafka: “O tempo é teu capital; tens de o saber utilizar. Perder tempo é estragar a vida”. E, em seguida sorriu e fechou os olhos sabendo que era a hora de partir. Então, como um ritual, procuro bares semelhantes e peço o mesmo vinho e o mesmo queijo esperando a minha hora chegar.
O garçom, espantado e sem saber o que dizer, simplesmente optou por não dizer nada. Desejou boa procura e que seria de bom grado que o senhorzinho voltasse ao bar para mais uma história.
🙂 *-*