David Hume: entre o empirismo e o ceticismo
David Hume foi um filósofo e historiador britânico (porém, nascido na Escócia) que se destacou por lançar bases originais (e radicais) para o empirismo e o ceticismo. Considerado um dos mais importantes pensadores do chamado iluminismo escocês e da própria filosofia ocidental e parte da tríade britânica junto com Locke e Berkeley.
Hume atacou todos aqueles pensadores que faziam uso da teologia ou da metafísica para as suas bases de análise sobre os humanos. Dessa forma, foi um dos primeiros a aplicar um método experimental (embrionário do método científico) a fenômenos mentais (ou sociais).
Apesar de sua influência em Kant ser profunda, o mesmo não escapou das críticas do prussiano. Conforme afirma Lopes em seu “Crítica de Kant a Hume”:
A discussão no século XVII girava em torno do inatismo. A questão básica era se o conhecimento seria inato ou adquirido. Descartes, Leibniz e Locke são os expoentes desta época. O século XVIII vai propor uma nova abordagem da Teoria do Conhecimento. Haverá uma preocupação de como se processa o conhecimento bem como onde encontram-se os limites do conhecer. Hume e Kant vão apresentar suas teorias bastante distintas neste período.
Parece ser mais interessante a discordância que Kant faz a Hume principalmente no que se refere a forma como se produz o conhecimento. A teoria de Kant é complexa e extensa, e em alguns pontos encontra-se com o pensamento de Hume, em outros coloca-se em oposição diametral. Kant explicita esta percepção:
“O meu próprio trabalho, na Crítica da Razão Pura, foi ocasionado pelos pontos de vista céticos de Hume, mas prossegui muito além e discuti toda a problemática da razão teórica pura em seu sentido sintético, incluindo aquilo que é comumente chamado de Metafísica”. (KANT Critica a Razão Pratica, p. 54, Critica a Razão Pura, B 792, 797 in CHAVES). [1]
O ensaio acerca do entendimento humano, de David Hume
Hume fugiu do inatismo ao ser um empirista. Em Ensaio sobre o Entendimento Humano, busca investigar, como o título diz, o processo de compreensão pelo qual submetemos qualquer informação. Como surge a ideia? Como elas se interligam e formam as redes de pensamento complexas do arcabouço filósofico de alguém como Francis Bacon, ou mesmo como formam nossos pensamentos mundanos do dia-a-dia?
O britânico divide todas as nossas percepções em impressões, que são as percepções fortes e vívidas, e idéias (ou pensamentos), que são as percepções mais fracas. Analisando as ideias por si só, notamos que qualquer ideia complexa (composta) é formada pela união de ideias simples, e estas, por sua vez, partiram de uma impressão anterior. A diferença entre ideia simples e impressão seria, dessa forma, o grau de vivacidade, ou de impacto da mesma sob o ser receptor da informação/impressão.
Sobre essa associação de ideias,a conexão empírica atua como “elo” em nossas associações. Hume afirma que existem princípios que “em sua aparição na memória ou imaginação, introduzem-se umas às outras com certo grau de método e regularidade”. Esses seriam a semelhança, a contiguidade (contíguo: Próximo, imediato.) e a causa ou efeito. Conforme Santos:
As idéias, elas revitalizam e retomam sensações anteriores. O entendimento humano é capaz de pensar adiante e dar o resultado associado ao fato existente; características antes vividas, ou presentes na realidade, nos levam a ir para alem do presente através da memória, seriam as analogias suscitadas por algum objeto ou pessoa presente. Despertando as relações, as idéias na concepção empírica são conectivos essenciais na apreensão e entendimento da natureza humana. Por isso Hume categoriza e desmembra a idéia em três elos de conexão, que são: a semelhança, a contigüidade e a causa e efeito.
A contigüidade verifica-se como uma cadeia de acontecimentos em uma determinada época, e que o fator preponderante do ocorrido é o contexto histórico dos fatos. A semelhança, como conectivo, contribui nas analogias suscitadas, ou seja, o principio da semelhança, significa dizer que lembranças latentes no estado psíquico, tendem a avocar idéias ou imagens anteriores, que lhes são semelhantes; por exemplo, um quadro de uma paisagem, conduz naturalmente nosso pensamento ao original, fazendo menção e rapidamente associando a paisagem verídica.
Outro fator relacional, primordial durante o livro será a concepção de “causalidade”, tratada por Hume como probabilidades conectadas aos exemplos empíricos, com um grau de simetria que podem afigurar um acontecimento através de causas anteriores, transpostas ao presente justificando assim os efeitos. O habito leva a causalidade ser uma certeza, porem determinados fatos levam aos mesmos efeitos, entretanto abarcam causas singulares. [2]
Feitas estas distinções, Hume então aplica seu característico ceticismo sobre o próprio entendimento. Dá limites à capacidade de racionalização humana, como, por exemplo, nas relações de causa e efeito. Essas não podem ser descobertas pela razão, apenas pela experiência (atualmente, a ciência é a experiência que produz o conhecimento do que é natural). Somos levados a acreditar que podemos compreender os fenômenos que são próximos à nossa realidade, porém Hume considerava essa forma de pensar ilusória. O conhecimento da relação de causa e efeito então, não seria, em nenhum caso, alcançado por raciocínios a priori. Segundo o autor:
Nunca é possível para a mente, mesmo com o mais minucioso exame ou inspeção, encontrar na suposta causa seu efeito. Pois o efeito é totalmente diferente da causa, e, por consequência, jamais pode ser nela descoberto […] De causas que parecem similares, esperamos efeitos similares. Eis o resumo de todas as nossas conclusões experimentais.
Desta forma, não havendo alguma instância além da experiência que o assegure, todo o conhecimento será sempre um conhecimento de probabilidades, não absoluto.
O britânico também afirma que todos os raciocínios parecem partir da relação de causa e efeito. Dessa forma, considerando a argumentação exposta acima, faz-se impossível conhecer a realidade ou o princípio último – ontológico – de qualquer coisa que passe por um processo racional e inteligível. Dessa forma, a moralidade de Hume baseia-se no intangível: O máximo que a razão humana pode alcançar são causas simples e gerais como a gravidade, o impulso, entre outras leis da física e da química.
Se todas as relações partem da experiência, qual é o fundamento de todas as nossas conclusões advindas da experiência? Tendo em vista que é impossível chegar a causa primeira de qualquer fenômeno, o maior esforço da razão humana deve ser o de reduzir os princípios que produzem os fenômenos naturais à simplicidade.
Hume foi um dos filósofos mais importantes de sua época exatamente por essa forma de pensar. Escapando da metafísica clássica comum à época, propôr um racionalismo radical, porém ciente de suas limitações, apoiando-se no empirismo e na ciência que começava a se desenvolver e que, com base nas ideias investigativas de Hume – e também de Popper, por exemplo – nos traria revoluções e desenvolvimento em abundância.
Leitura obrigatória para entender o processo de pensamento, para contrapor a Kant e para compreender as bases do pensamento científico. Para fazer download do livro, clique aqui.
Referências
[1] https://sites.google.com/site/arturlopesrs/critica-de-kant-a-hume
[2] http://crencaspoliticas.blogspot.com.br/2011/03/investigacao-sobre-o-entendimento.html