Epicuro: estoicismo, filosofia e biografia

Índice

Introdução

Epicuro e sua filosofiaA filosofia de Epicuro (341–270 a.C.) era um sistema completo e interdependente, envolvendo uma concepção do objetivo da vida humana (“felicidade, resultante da ausência de dor física e perturbação mental”), uma teoria empirista do conhecimento (“as sensações, juntamente com a percepção do prazer e da dor, são critérios infalíveis”), uma descrição da natureza baseada no materialismo atomista e uma explicação naturalista da evolução, desde a formação do mundo até o surgimento das sociedades humanas.

Epicuro acreditava que, com base em um materialismo radical que dispensava entidades transcendentes, como as Ideias ou Formas platônicas, ele poderia refutar a possibilidade da sobrevivência da alma após a morte e, consequentemente, a perspectiva de punição no além. Ele considerava o medo não reconhecido da morte e da punição como a principal causa da ansiedade entre os seres humanos, e a ansiedade, por sua vez, como a fonte de desejos extremos e irracionais. A eliminação desses medos e dos desejos correspondentes deixaria as pessoas livres para buscar os prazeres, tanto físicos quanto mentais, para os quais são naturalmente inclinadas, e para desfrutar da tranquilidade que resulta da satisfação regularmente esperada e alcançada.

Restava explicar como os medos irracionais surgiram em primeiro lugar: daí a importância de uma explicação da evolução social. Epicuro estava ciente de que hábitos de pensamento profundamente enraizados não são facilmente corrigidos e, por isso, propôs diversos exercícios para auxiliar o iniciante. Seu sistema incluía conselhos sobre a atitude adequada em relação à política (“evitá-la sempre que possível”) e aos deuses (“não imaginar que se preocupam com os seres humanos e seu comportamento”), o papel do sexo (“duvidoso”), o casamento (“também duvidoso”) e a amizade (“essencial”). Além disso, apresentava reflexões sobre a natureza de diversos fenômenos meteorológicos e planetários, a respeito dos quais era melhor manter uma mente aberta na ausência de uma verificação decisiva, bem como explicações sobre processos como a gravidade (“isto é, a tendência dos objetos de cair para a superfície da Terra”) e o magnetismo, que representavam desafios consideráveis para a engenhosidade dos primeiros atomistas.

Embora a estrutura geral do epicurismo fosse concebida para ser coerente e servir aos seus principais objetivos éticos, havia espaço para uma grande quantidade de argumentação filosófica instigante sobre todos os aspectos do sistema, desde a velocidade dos átomos no vácuo até a origem das ilusões ópticas.

Fontes

A principal fonte da doutrina epicurista é a obra Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, de Diógenes Laércio, escrita no século III d.C. Trata-se de uma compilação de informações sobre a vida e as doutrinas dos filósofos da Grécia clássica (ver “Doxografia da Filosofia Antiga”). No décimo e último livro, dedicado ao epicurismo, Diógenes preserva três cartas de Epicuro dirigidas a seus discípulos, nas quais ele apresenta suas principais concepções de forma concisa e acessível. A Carta a Heródoto resume a teoria física de Epicuro, a Carta a Meneceu oferece um resumo da ética epicurista e a Carta a Pitocles trata de questões astronômicas e meteorológicas. (Há algumas dúvidas sobre se esta última foi realmente escrita por Epicuro ou por um seguidor, mas parece haver razões suficientes para atribuí-la ao próprio fundador.)

Diógenes também cita uma coleção de sentenças breves, chamadas “Doutrinas Principais” (Kuriai Doxai), extraídas dos escritos de Epicuro ou, em alguns casos, de seus discípulos mais próximos. Outra coleção semelhante, que se sobrepõe parcialmente à primeira, sobrevive em um manuscrito independente e é convencionalmente chamada de Ditos Vaticanos. O objetivo de ambas, assim como das Cartas, era facilitar a memorização dos princípios centrais do epicurismo. Além disso, Diógenes complementa temas não abordados nas Cartas e fornece uma lista das obras de Epicuro, bem como outras informações biográficas (para o texto, ver Dorandi 2013; para uma tradução em inglês, Mensch 2018).

Pequenas citações das obras de Epicuro aparecem em outros autores, como Plutarco, Sexto Empírico e os comentadores gregos de Aristóteles, frequentemente fora de contexto ou apresentadas de maneira polêmica e distorcida. (A edição padrão dos escritos de Epicuro em grego é a de Arrighetti 1973; a coleção mais abrangente de fragmentos e testemunhos ainda é a de Usener 1887, reeditada com tradução italiana por Ramelli 2002; para traduções, ver a seção “Bibliografia: Edições, Traduções, Comentários”).

Além disso, várias obras de Epicuro, incluindo partes de seu tratado mais importante, Sobre a Natureza (Peri phuseôs) — uma série de palestras organizadas em 37 rolos de papiro — foram recuperadas em estado danificado na biblioteca de uma vila na cidade de Herculano, soterrada pela erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C. Essa biblioteca quase certamente continha a coleção de trabalho de Filodemo, um filósofo epicurista da Síria que estudou em Atenas e se mudou para a Itália no século I a.C. Muitos dos rolos contêm escritos do próprio Filodemo e fornecem informações valiosas sobre questões posteriores na história do epicurismo. No entanto, deve-se ter cautela ao atribuir essas visões ao próprio Epicuro, embora a escola tendesse a ser conservadora, com pensadores posteriores preferindo expandir, em vez de modificar, os ensinamentos do fundador. Novas edições e traduções estão tornando esses textos difíceis mais acessíveis a um público mais amplo.

Mais ou menos contemporâneo de Filodemo, Lucrécio (século I a.C.) compôs, em latim, De rerum natura (“Sobre a Natureza das Coisas”; título que, se for do próprio Lucrécio, é uma adaptação de Sobre a Natureza), uma obra em seis livros escritos em versos hexamétricos, o metro característico da poesia épica e didática. Como um epicurista dedicado e apaixonado por divulgar a mensagem do fundador, Lucrécio reproduziu fielmente a doutrina epicurista (Sedley 1998; Clay 1983 concede a Lucrécio mais originalidade). Seu poema concentra-se principalmente nos aspectos físicos e psicológicos ou epistemológicos do epicurismo, omitindo em grande parte a ética.

Do ponto de vista crítico, Cícero revisitou e contestou as ideias de Epicuro, especialmente no campo da ética, em várias de suas obras filosóficas, incluindo Sobre os Fins dos Bens e dos Males (De finibus) e as Disputas Tusculanas. Séculos depois, no século II d.C., outro Diógenes ergueu uma grande inscrição — até hoje apenas parcialmente escavada — na cidade de Oenoanda (no sudoeste da Turquia), que continha os princípios fundamentais do epicurismo (edição de referência por Smith 1993, embora novos fragmentos tenham sido publicados posteriormente; ver também Gordon 1996, Hammerstaedt et alii, 2017).

Epicuro e sua biografia

Vida

“Epicuro, filho de Néocles e Caréstrata, era um ateniense do demo de Gargetto e descendente da linhagem dos Filaiidas, como relata Metrodoro em sua obra Sobre as Famílias Nobres. Heráclides, entre outros, em seu resumo da obra de Sótio, afirma que ele foi criado em Samos, já que os atenienses receberam parcelas de terra naquela região, mas mudou-se para Atenas aos dezoito anos, quando Xenócrates era o chefe da Academia e Aristóteles ainda estava em Cálcis” (onde morreu em 322). Assim começa o relato de Diógenes Laércio (10.1). As datas do nascimento de Epicuro e de sua primeira ida a Atenas são, portanto, 341 a.C. e 323, respectivamente.

Diógenes acrescenta que, após a morte de Alexandre (323), quando os atenienses foram expulsos de Samos, Epicuro deixou Atenas e juntou-se a seu pai em Colofão (em 321), na costa do que hoje é a Turquia. Lá, estudou filosofia sob a tutela de Naucifanes, um filósofo democritiano com tendências céticas e autor de uma obra chamada Tripé, da qual Epicuro teria se inspirado para seu Cânone, seu principal trabalho sobre epistemologia. No campo da ética, Naucifanes substituiu o termo athambiê (“destemor”), usado por Demócrito, por akataplêxia (“indomabilidade”), como essencial para a boa vida, o que convida à comparação com a ataraxia (“imperturbabilidade”) de Epicuro, embora este tenha afirmado não ter sido influenciado por ele. (Sobre o papel de Naucifanes na transmissão de elementos da doutrina democritiana para Epicuro, ver Warren 2002: 160–92.)

Dez anos depois, Epicuro mudou-se para Mitilene, na ilha de Lesbos, e logo seguiu para Lâmpsaco, no continente próximo; em ambas as cidades, ensinou e reuniu seguidores antes de retornar a Atenas em 307/06, onde permaneceu até sua morte em 270, aos setenta ou setenta e um anos. Em Atenas, comprou a propriedade que se tornaria conhecida como “O Jardim” (nome que posteriormente seria utilizado para sua escola) e começou a desenvolver seu ensino de forma mais sistemática.

Diógenes relata diversas histórias difamatórias propagadas pelos opositores de Epicuro, apesar das quais ele afirma que o filósofo possuía uma disposição extraordinariamente humana, visão essa compartilhada até mesmo por testemunhas hostis ao epicurismo. Diógenes também registra o testamento de Epicuro (10.16–21), no qual, entre outras disposições, ele estabeleceu cuidados para os filhos de seus amigos e nomeou um sucessor.

Física

Epicuro sustentava que os constituintes elementares da natureza são a matéria indiferenciada, na forma de partículas discretas, sólidas e indivisíveis (“átomos”) abaixo do limiar da percepção, juntamente com o espaço vazio, ou seja, o complemento da matéria ou o lugar onde a matéria não está (Inwood 1981, Konstan 2014; em contraste com Sedley 1982, que argumenta que o espaço, para Epicuro, é uma matriz contínua que se estende uniformemente por todo o universo, estando ora ocupado pela matéria, ora vazio).

Em linhas gerais, Epicuro herdou esse esquema dos primeiros atomistas, sobretudo Demócrito. No entanto, a versão de Demócrito havia sido alvo de críticas por parte de pensadores posteriores, especialmente Aristóteles, tanto por incoerências na noção de um vazio infinito quanto por problemas ligados à ideia de minima, ou entidades de menor tamanho concebível (ver especialmente o Livro 6 da Física).

Primeiramente, entidades independentes de tamanho mínimo não poderiam ter bordas e, portanto, não teriam formas, ou, mais precisamente, seriam apenas bordas. Assim, se dois minima se tocassem, se sobreporiam completamente. (O mesmo argumento se aplica aos pontos em uma linha, razão pela qual, segundo Aristóteles, uma linha contém pontos, mas não é composta por eles.) Além disso, se os átomos fossem realmente indivisíveis conceitualmente, e não apenas fisicamente inseparáveis, então, quando dois átomos passassem um pelo outro, seria impossível que estivessem apenas parcialmente alinhados em algum momento, pois isso implicaria a existência de um ponto intermediário ao longo do comprimento do átomo, o que contradiz a premissa de que ele é um mínimo.

Embora Aristóteles não exponha o argumento exatamente nesses termos, fica evidente que uma concepção estrita de átomos de tamanho mínimo implica que o movimento também deve ocorrer em quantidades descontínuas (kinêmata), cada uma ocupando um único intervalo temporal mínimo – e, consequentemente, todos os átomos devem se mover a uma velocidade uniforme. Além disso, a ideia de um vazio infinito, com átomos distribuídos por toda a sua extensão, gerava problemas próprios, pois não permitia nenhuma orientação espacial intrínseca e, portanto, não oferecia uma explicação para o motivo pelo qual os corpos caem, como se observa na experiência.

O desafio para Epicuro era encontrar uma forma de explicar os fenômenos naturais do movimento corporal enquanto respondia às críticas levantadas por Aristóteles à teoria de Demócrito. Epicuro aceitou esse desafio, embora não se possa afirmar com certeza se ele estava respondendo diretamente às objeções aristotélicas. (Não está claro se, ou em que medida, filósofos da geração de Epicuro que não pertenciam à escola de Aristóteles tiveram acesso aos tratados deste.)

Epicuro fez importantes distinções para resolver os problemas herdados da teoria atomista de Demócrito. Primeiro, diferenciou o átomo, que por natureza não pode ser dividido, da menor extensão concebível da matéria. Assim, os átomos possuem minima como partes, mas não são minima em si mesmos — ou seja, não há entidades independentes de tamanho mínimo. Isso resolve o problema das bordas atômicas e também explica como os átomos podem ter diferentes formas e tamanhos (ainda que nunca grandes o suficiente para serem vistos), permitindo que possuam ganchos e reentrâncias necessários para formar compostos.

Segundo, Epicuro concordou que tanto o tempo quanto o movimento são descontínuos. Simplicius (p. 934.23–30 Diels; tradução em Konstan 1989) o cita afirmando que não se pode dizer que um átomo está se movendo ao longo de um intervalo mínimo, mas apenas que se moveu. Alguns estudiosos argumentam que essa ideia pode ter sido uma inovação posterior dentro da escola epicurista (Verde 2013).

Além disso, Epicuro manteve o princípio da isotakheia, segundo o qual todos os átomos se movem à mesma velocidade, conforme Aristóteles havia argumentado. Isso gerava um problema: se todos os átomos se movem na mesma direção e velocidade, como poderiam se ultrapassar? Lucrécio, seguindo Epicuro, introduziu a ideia de um desvio aleatório (clinamen) para explicar essa questão. No entanto, a uniformidade da velocidade dos átomos também resolvia outro problema: o da entropia. Como os átomos nunca diminuem sua velocidade, o universo nunca pode parar completamente — em termos modernos, não há perda de energia.

Quanto à gravidade, Epicuro pode ter oferecido uma explicação inovadora. Se um átomo isolado não pode desacelerar ou alterar sua direção espontaneamente, ele só poderia começar a cair caso algo bloqueasse seu movimento. Porém, se após uma colisão os átomos tendessem a emergir em uma direção estatisticamente favorecida, a direção resultante seria, por definição, “para baixo”. Isso explicaria por que em qualquer mundo — incluindo o nosso — há uma orientação comum em relação à queda dos corpos. Como Epicuro acreditava que o universo era infinito, haveria múltiplos mundos, alguns semelhantes ao nosso, outros ligeiramente diferentes.

Em nível macroscópico, os objetos não se movem a uma velocidade uniforme e muito alta como os átomos. Isso ocorre porque os átomos dentro deles têm seus movimentos restringidos por interações com átomos vizinhos, resultando em vibrações. No caso de objetos compostos que parecem estar completamente em repouso, a soma vetorial dos movimentos internos dos átomos é zero, pelo menos em relação à Terra. Epicuro acreditava que a Terra era um disco e, portanto, afundaria mais lentamente no meio atômico ao seu redor, como uma folha caindo. Isso explicaria por que pedras e outros objetos parecem cair em direção ao solo quando soltos.

Apesar da engenhosidade de sua teoria, Epicuro trabalhava com um conjunto limitado de princípios elementares e desconhecia conceitos como força, atração e repulsão entre átomos. Algumas dificuldades permaneciam, como um paradoxo levantado por Sexto Empírico (Contra os Físicos 10.144–48). Ele imaginou dois átomos separados por nove minima, movendo-se à mesma velocidade um em direção ao outro. Após quatro intervalos mínimos de tempo, os átomos estariam a um único minimum de distância. Mas o que aconteceria em seguida? Eles não poderiam se encontrar no meio do último intervalo, pois um minimum não pode ser subdividido. Também não poderiam cruzar o intervalo de forma desigual, pois isso violaria a regra de velocidade constante. Então, como eles poderiam colidir?

Não há registro de uma resposta epicurista para esse problema. Talvez Epicuro assumisse que os átomos sempre estivessem separados por um número par de minima, ou que esses intervalos fossem tão numerosos que falar em números pares ou ímpares fosse irrelevante. Alternativamente, ele poderia ter descartado a questão como um paradoxo matemático sem importância para a física, já que há relatos de que ele desprezava a matemática como um campo separado do estudo da natureza.

Apesar de todas as questões fascinantes sobre a estrutura do universo, Epicuro não adota um modelo abstrato que busca coerência interna e aplicabilidade empírica, como faz a ciência moderna. Em vez disso, ele parte do testemunho dos sentidos, que considera sempre confiáveis. A partir das percepções sensoriais, ele extrai conclusões sobre fenômenos que ainda precisam ser confirmados ou que, por sua própria natureza, são imperceptíveis (Carta a Heródoto, LH 38).

Por exemplo, para fundamentar sua física, Epicuro argumenta que as coisas não podem surgir do nada. Se assim fosse, qualquer coisa poderia ser gerada a partir de qualquer tipo de matéria, sem necessidade de sementes específicas para cada planta ou animal. Como isso não ocorre na realidade, ele descarta a hipótese da geração espontânea, aplicando um princípio lógico que chama de contratestemunho (antimartyria): se A fosse verdadeiro, então B ocorreria; como B não ocorre, então A deve ser falso. No caso, se as coisas surgissem do nada, veríamos um surgimento caótico de seres e objetos; como a reprodução observável é ordenada e previsível, conclui-se que nada pode vir do nada.

O mesmo princípio se aplica à destruição. Epicuro sustenta que nada pode ser reduzido ao nada absoluto, pois, se assim fosse, todas as coisas já teriam deixado de existir, especialmente considerando o tempo infinito do passado. Como as coisas ainda existem, conclui-se que elas não desaparecem completamente, mas apenas se transformam.

Ao defender que os princípios básicos da física são os corpos (somata) e o vazio (kenon), Epicuro se apoia novamente nos sentidos. Percebemos diretamente a existência dos corpos, e inferimos a existência do vazio porque os corpos se movem — e o movimento só é possível se houver espaço vazio para que ele ocorra (LH 39). Esse argumento segue uma analogia: se o que observamos no nível macroscópico se baseia em princípios fundamentais, então esses princípios devem operar também no nível microscópico.

Além disso, Epicuro argumenta que tudo o que existe deve ser ou cheio (pleres), oferecendo resistência, ou vazio (kenon), sem resistência. Como esses dois princípios se complementam e não há espaço para uma terceira possibilidade, conclui-se que a realidade consiste apenas em corpos e vazio. Tudo o mais são meros acidentes desses princípios — ou seja, propriedades emergentes das combinações de corpos no vazio. Esse argumento baseia-se no critério da inconcebibilidade: se não conseguimos conceber uma alternativa racionalmente coerente, então a hipótese original deve ser verdadeira.

Os corpos elementares, então, são os átomos: indivisíveis e imutáveis, pois, caso contrário, tudo poderia eventualmente se dissolver no nada. Essa conclusão é reforçada pelo argumento contra a criação a partir do nada: se os átomos fossem divisíveis, não haveria uma base permanente para a existência das coisas (LH 40).

Outro argumento baseado nos sentidos leva Epicuro à ideia de que o universo é infinito. Se algo fosse finito, teria uma borda, e uma borda só faz sentido em referência a algo além dela. Mas o universo — entendido como o “Todo” — contém tudo o que existe, portanto, não pode ter um limite externo. Logo, é infinito (LH 41–42). Se o universo é infinito, então tanto o vazio quanto o número de átomos também devem ser infinitos, pois, caso contrário, os átomos estariam tão dispersos que nunca se encontrariam para formar objetos compostos.

Epicuro, portanto, estrutura sua teoria física sem recorrer a especulações matemáticas ou modelos abstratos. Ele parte da experiência sensível e constrói uma visão materialista do mundo baseada na regularidade dos fenômenos naturais, na impossibilidade da criação a partir do nada e na necessidade de um universo infinito onde os átomos possam interagir eternamente.

Com os constituintes fundamentais de sua física estabelecidos — átomos e vazio —, Epicuro poderia ter encerrado sua teoria aí, rejeitando qualquer outro princípio básico por ser inconcebível. No entanto, ele prossegue explicando propriedades secundárias, como cor e sabor, como epifenômenos das combinações atômicas. Além disso, desenvolve uma teoria perceptiva baseada na emissão contínua de películas (laminae ou simulacra, como chamou Lucrécio), que transportam as características do objeto e estimulam diretamente os órgãos dos sentidos. Essa tese, no entanto, levanta problemas, como a forma pela qual as películas de um objeto enorme, como uma montanha, poderiam alcançar o olho humano — fragmentadas ou reduzidas de tamanho? Não há uma resposta clara, mas algumas hipóteses foram sugeridas (Leone 2012; Konstan 2020).

Epicuro também nega a existência de infinitos tipos de átomos. Se houvesse infinitas formas possíveis, todas as configurações seriam exauridas, e os átomos acabariam assumindo tamanhos visíveis — o que não ocorre. Assim, ele afirma que há uma quantidade inconcebivelmente grande, mas não estritamente infinita, de tipos de átomos, enquanto o número de cada tipo específico é realmente infinito (LH 55–56). Essa limitação também restringe as combinações possíveis de átomos e, consequentemente, o número de tipos de coisas no mundo perceptível. Se houvesse infinitos tipos de átomos, qualquer coisa poderia surgir, sem restrições.

No entanto, mesmo tendo defendido que os átomos são indivisíveis, Epicuro introduz uma nova complexidade ao afirmar que eles contêm partes menores na forma de expansões mínimas. Seu argumento é que qualquer corpo finito deve ser composto de partes menores e que, se não houvesse um limite inferior de tamanho, seria necessário atravessar um corpo por um número infinito de subdivisões. Isso levaria à conclusão absurda de que qualquer corpo seria infinitamente grande (LH 56–57).

Para conceituar essas minima, Epicuro sugere que imaginemos o menor objeto perceptível. Ele difere dos maiores porque não tem subpartes discerníveis. Se tentarmos dividir mentalmente esse mínimo visível, suas partes coincidem com o próprio mínimo, sem serem separáveis. Assim, essas entidades mínimas não tocam borda com borda, pois bordas implicam partes distintas, mas ainda assim compõem corpos maiores — que são medidos pelo número de mínimas que contêm (LH 58–59).

Essa concepção lembra a maneira como Aristóteles descreveu os pontos em uma linha: os pontos não existem independentemente nem se tocam. A diferença é que os mínimos epicuristas têm extensão física, o que gera um paradoxo aparente. Podemos imaginar um átomo composto de apenas duas minima? Ou dez? Isso equivaleria a contar os menores fragmentos visíveis de um objeto perceptível, o que levanta problemas geométricos. Por exemplo, sabia-se que a diagonal e o lado de um cubo são incomensuráveis, mas ambos deveriam ser compostos por números finitos e, portanto, comensuráveis de minima.

Se Epicuro estava ciente dessas dificuldades matemáticas, pode ter argumentado que um átomo consiste em um número inconcebivelmente grande — mas não estritamente infinito — de mínimas. Assim, o conceito de mínimo poderia ser entendido como um limite inferior que, embora imensurável, estabelece um fundamento para a indivisibilidade atômica. No entanto, não há evidências suficientes para confirmar essa interpretação (Konstan 1989a).

Psicologia e ética

Tendo estabelecido a base física do mundo, Epicuro passa a explicar a natureza da alma. Segundo ele, a alma também é composta de átomos, pois tudo que existe é formado por átomos e vazio. Além disso, uma entidade incorpórea não poderia interagir com corpos físicos, e a alma claramente age sobre o corpo — por exemplo, experimentamos sensações e iniciamos movimentos físicos. Os átomos da alma são extremamente finos e estão distribuídos por todo o corpo (LH 64), sendo responsáveis pela sensação (aisthêseis) e pelas experiências de dor e prazer, que Epicuro chama de pathê (termo que Aristóteles e outros usavam para designar emoções). Sem esses átomos, o corpo seria inconsciente e inerte. Quando a organização do corpo se desfaz ao ponto de não mais sustentar a vida consciente, os átomos da alma se dispersam, perdendo sua capacidade de sensação (LH 65).

Epicuro também distingue uma parte da alma que se concentra no peito e é responsável pelas funções intelectuais superiores. Essa distinção é crucial porque é nessa parte racional que ocorrem os erros de julgamento. Já as sensações, como dor e prazer, são incorrigíveis, pois resultam da parte não racional da alma, que simplesmente recebe as impressões dos lamina sem interpretá-las ou modificá-las com opiniões e crenças.

A natureza corpórea da alma tem duas consequências fundamentais para o epicurismo. Primeiro, sustenta a demonstração de Epicuro de que a alma não sobrevive à morte do corpo. Sua composição é delicada demais para existir separadamente do corpo, e a conexão entre ambos é essencial para a sensação. Isso elimina a possibilidade de punição após a morte e a ideia de arrependimento pela vida perdida (Lucrécio desenvolve essa argumentação em De Rerum Natura 3.417–614).

Segundo, a alma reage a impressões físicas, seja às que chegam do exterior na forma de laminae, seja às que surgem de movimentos internos do corpo. Isso significa que não existem fenômenos puramente mentais, separados da corporeidade. Assim, os critérios fundamentais para distinguir o bem e o mal não são princípios morais abstratos, mas sim as sensações básicas de prazer e dor. Todo ser sensível busca naturalmente o prazer e evita a dor. A função da mente humana — essa parte da alma localizada no peito — não é buscar valores superiores, mas simplesmente maximizar o prazer e minimizar o sofrimento. O risco, no entanto, é que a mente pode errar nesse cálculo devido a crenças falsas e erros cognitivos, comprometendo a busca pela felicidade.

Diferentemente de outras escolas helenísticas, como a aristotélica e a estóica, os epicuristas não tinham grande interesse na lógica formal, mas precisavam de uma teoria sobre a formação das crenças. Para explicar como concebemos ideias, Epicuro propôs uma hipótese radicalmente reducionista: assim como as sensações ocorrem devido à recepção de finas lâminas (laminae) emitidas pelos objetos e captadas pelos órgãos dos sentidos, algumas dessas lâminas seriam finas o suficiente para penetrar diretamente na mente (situada no peito), permitindo a imaginação de tais objetos — como, por exemplo, os deuses. Esse mesmo processo explicaria não apenas imagens em sonhos, mas também diversos tipos de impressões mentais, incluindo os pensamentos voluntários, que seriam resultado da atenção a determinados simulacros físicos que flutuam continuamente pelo ar. No entanto, os textos sobreviventes não explicam como escolhemos conscientemente quais simulacros atender.

Imaginar algo, portanto, não passa de captar as imagens emitidas pelo objeto, imagens que podem continuar existindo mesmo após a destruição do próprio objeto — daí a possibilidade de imaginarmos os mortos. Essas imagens mentais, entretanto, não possuem um estatuto privilegiado, como as Ideias ou Formas platônicas; elas são sempre verdadeiras no sentido de corresponderem a uma impressão real, assim como ocorre com as sensações. No entanto, erros surgem quando associamos crenças equivocadas a essas impressões — por exemplo, acreditar que, porque temos uma imagem mental de um falecido, ele ainda deve existir como um fantasma. A física epicurista, porém, demonstra que isso é impossível.

Um grande obstáculo ao pensamento correto é a própria linguagem. Como Epicuro aponta, palavras podem sugerir realidades inexistentes — por exemplo, o termo “morte” pode levar à falsa ideia de que a morte é algo que podemos vivenciar e, portanto, devemos temer. Para evitar esse tipo de erro, Epicuro argumenta que as palavras devem ser entendidas em seu sentido básico, evitando o que ele chama de “sons vazios” (LH 37). O equívoco ocorre sempre por uma inferência ilegítima a partir da sensação, que inclui as imagens mentais geradas pelas laminae.

Um exemplo disso é a crença em centauros. Epicuro não nega que a imagem mental de um centauro tenha uma origem real em termos de estímulos físicos — sua teoria do conhecimento o obriga a admitir que qualquer imagem mental deve ter uma causa material. No entanto, as laminae que flutuam no ar podem se distorcer ou se sobrepor, fazendo com que a parte superior de um humano se combine com a parte inferior de um cavalo. Sabemos que essa figura é irreal porque sua existência contradiz as leis naturais: cavalos e humanos amadurecem em ritmos diferentes e têm dietas incompatíveis (Lucrécio De Rerum Natura 5.878–91; cf. Paléfato, Sobre Contos Incríveis 20). Assim, para determinar se uma sensação corresponde a algo real, devemos confrontá-la com o conhecimento sobre o mundo, conforme informado pela física epicurista.

O raciocínio (logismos), por sua vez, não pode ser função direta das imagens. Ele é a faculdade que nos permite inferir, por analogia, do visível ao invisível, bem como reconhecer que nem todo prazer deve ser escolhido em qualquer momento, pois certos prazeres imediatos podem levar a sofrimentos futuros (Carta a Meneceu, LM 129). Além disso, é necessário compreender a natureza do prazer para buscá-lo de maneira racional, assim como entender a dor para evitá-la. Para Epicuro, prazer e dor (hêdonê, algêdôn) referem-se estritamente às sensações físicas (pathê), ou seja, aquelas experimentadas pela parte não racional da alma, distribuída pelo corpo.

Já a parte racional da alma também experimenta estados positivos e negativos. O mais significativo dos estados mentais negativos é o medo, especialmente o medo de perigos irreais, como a morte. Epicuro insiste que a morte “nada é para nós”, pois, enquanto existimos, a morte não está presente, e quando ela ocorre, não mais existimos (LM 124–25). No entanto, se uma pessoa teme o mero nome da morte, esse medo será inevitável, já que todos morreremos um dia. Esse temor gera perturbação (tarakhê), que, para Epicuro, é pior que a dor física. A ausência dessa perturbação, chamada ataraxia (imperturbabilidade), juntamente com a ausência de dor física, define um dos caminhos para atingir o objetivo supremo da vida.

Epicuro distingue entre estados mentais positivos e negativos, e entre os positivos há um termo especial: khara (alegria), que se diferencia de hêdonê (prazer físico). No entanto, a khara, assim como os estados mentais negativos, depende das crenças, sejam elas verdadeiras ou falsas. Mesmo assim, Epicuro não considera a khara um fim em si mesma ou parte do objetivo da vida. Em vez disso, ele define o objetivo por negação: a ausência de dor corporal e perturbação mental (LM 128).

No entanto, a felicidade (eudaimonia), segundo Epicuro, não é apenas um estado neutro ou privativo, mas uma forma de prazer por direito próprio. Ele distingue entre prazeres catastemáticos (ou “estáticos”, como traduzido por Cícero) e cinéticos. A natureza exata dessa distinção é debatida, mas, de modo geral, os prazeres cinéticos são aqueles que surgem da mudança e do movimento, como os prazeres não necessários derivados de odores agradáveis ou sons harmoniosos. Já os prazeres catastemáticos são aqueles que acompanham um estado de bem-estar contínuo e estável, como a serenidade mental e a ausência de dor.

Epicuro critica a escola cirenaica, que defendia o aumento constante dos desejos e a busca incessante por novas formas de gratificação. Ele argumenta que esse tipo de prazer está sempre ligado ao sofrimento, pois surge da falta e da necessidade, algo que Platão já havia problematizado (Górgias 496C–497A, Filêbo 31E–32D, 46A–50C). Além disso, aumentar os desejos tende a intensificar a agitação mental, o oposto do que a filosofia epicurista busca alcançar. Os prazeres catastemáticos, ao contrário, não são processos, mas estados: acompanham o bem-estar e a tranquilidade, sem depender de uma carência a ser preenchida. No entanto, os cirenaicos e outros filósofos, como Cícero, argumentam que esse estado não seria um prazer verdadeiro, mas apenas um estado neutro — nem prazeroso nem doloroso.

Epicuro reconhece que alguns medos são legítimos, assim como alguns desejos. Ele classifica os desejos em três tipos: naturais e necessários, naturais mas não necessários, e vazios (kenodoxia).

  • Desejos naturais e necessários são aqueles ligados à felicidade, ao bem-estar físico e à sobrevivência (LM 127). Isso inclui a necessidade de alimento, abrigo e saúde.
  • Desejos naturais mas não necessários são aqueles que proporcionam prazer, mas que não são indispensáveis para a vida, como alimentos saborosos, perfumes agradáveis e atividades prazerosas além das funções básicas dos sentidos.
  • Desejos vazios são aqueles baseados em conceitos ilusórios, como a imortalidade ou o desejo por riqueza e fama excessivas. Esses desejos não podem ser satisfeitos, pois são fundamentados em crenças falsas e não correspondem a uma necessidade real.

Os desejos vazios são comparáveis a medos vazios, como o medo da morte. Assim como não faz sentido desejar a imortalidade, não há razão para temer a morte, pois, como Epicuro argumenta, quando ela chega, já não existimos. Esses medos e desejos ilusórios são a principal fonte de perturbação e sofrimento na vida civilizada. Enquanto os perigos mais básicos foram controlados pela sociedade, as pessoas continuam sofrendo porque são impulsionadas a buscar riqueza e poder ilimitados, acreditando que encontrarão segurança. Paradoxalmente, acabam se expondo aos próprios riscos que tentam evitar, perpetuando a inquietação e o sofrimento.

Embora os seres humanos, como tudo o mais, sejam compostos de átomos que se movem de acordo com suas leis fixas, nossas ações não são totalmente predeterminadas — em vez de aceitar tal doutrina paralisante, diz Epicuro, seria melhor acreditar nos antigos mitos, por mais perversos que fossem (LM 134). O que nos permite arrancar a liberdade de um universo mecanicista é a existência de certa aleatoriedade no movimento dos átomos, que se manifesta na forma de uma pequena desviação em seu curso progressivo (as evidências para essa doutrina vêm principalmente de fontes posteriores, incluindo Lucrécio e Cícero). Não está totalmente claro como o desvio opera: pode envolver um pequeno ângulo de desvio do caminho original, ou então um leve movimento lateral, talvez por um único mínimo, sem alteração na direção. A ideia de tal desvio minúsculo, que se diz ocorrer em um momento ou lugar indeterminado, é menos estranha na era moderna da física quântica do que era na época de Epicuro, e gerou críticas zombeteiras. O que é mais problemático hoje é como o desvio poderia explicar a liberdade da vontade — se, de fato, a ideia de vontade de Epicuro fosse como a nossa. Em todo caso, ele introduziu uma indeterminação no universo, e se os átomos da alma, devido à sua finura, fossem mais suscetíveis aos efeitos de tais desvios do que a matéria mais grosseira, o desvio poderia, ao menos, representar uma ruptura em qualquer predestinação estrita do comportamento humano. E isso poderia ser suficiente para os propósitos de Epicuro: ele pode não ter invocado o desvio para explicar a ação voluntária (afirmando que é uma ação que deriva, imediata ou ultimamente, de um desvio ou de alguns desvios dos átomos da alma). Ele pode ter desejado apenas estabelecer a possibilidade de ação que não derive das posições dos átomos constituintes da alma a qualquer momento, mais os efeitos das colisões entre eles, resultantes dos movimentos dados deles nesse momento. De acordo com Lucrécio (2.225–50), o desvio também foi utilizado para resolver um problema cosmológico: se, em algum momento inicial, todos os átomos estivessem se movendo uniformemente em uma única direção (para baixo) à mesma velocidade, é impossível conceber como o processo de colisões atômicas poderia ter começado, salvo por algum dispositivo como esse. Isso parece uma ideia curiosa: dado que o tempo, assim como o espaço, era infinito segundo Epicuro, ele não precisaria ter imaginado um tempo antes das colisões. Possivelmente, a tendência dos átomos de emergirem das colisões em uma direção preferencial (por definição “para baixo”) poderia levar, com o tempo, a regiões locais de movimento paralelo, e o desvio poderia servir para reintroduzir o contato entre elas. Em todo caso, Epicuro pode ter pensado em átomos se movendo em uma direção uniforme, em vez de direções diversas, como uma posição padrão para a teoria física (por causa da simplicidade dessa hipótese); assim, ele pode ter sentido a necessidade de explicar como a diversidade dos movimentos dos átomos poderia ter surgido.

Epicuro e o estoicismo

Teoria social

Embora nossa principal fonte sobre as opiniões de Epicuro sobre a evolução da sociedade humana seja o poema de Lucrécio (5.925–1457), não há dúvida de que Lucrécio seguiu, em grande parte, as ideias do próprio fundador, conforme registradas em Sobre a Natureza e outros tratados de Epicuro. No início, os seres humanos eram solitários; se reproduziam de forma aleatória, não conseguiam se comunicar verbalmente, não tinham instituições sociais e sobreviviam porque eram fisicamente mais resistentes do que seus descendentes modernos. Com o tempo, a raça se suavizou, graças, em parte, à descoberta do fogo, e, em parte, ao surgimento da família e aos sentimentos mais gentis em relação aos cônjuges e descendentes que a família gerava. Nessa fase, os seres humanos estavam em posição de se unir para afastar perigos naturais, como animais selvagens, e desenvolveram várias habilidades técnicas, como agricultura, construção de casas e linguagem. Epicuro explica (LH 75–76) que os nomes surgiram, inicialmente, de forma natural, no sentido de que, à medida que os seres humanos experimentavam diferentes afetos (pathê) ou recebiam diversas imagens (phantasmata), emitiam sons correspondentes a esses estímulos; porém, como as características físicas dos seres humanos variam um pouco de lugar para lugar, os sons que as pessoas produziam em resposta a um dado estímulo também variavam, o que explica a existência de muitas línguas. Com base nisso, as pessoas estabeleceram, então, certas palavras por convenção, com o intuito de melhorar a clareza e a brevidade na comunicação. Finalmente, certos especialistas individuais ampliaram ainda mais o vocabulário com a introdução de novas e especializadas palavras, para explicar os resultados de suas investigações teóricas. Quando a linguagem alcançou um estado desenvolvido, as pessoas começaram a estabelecer alianças e amizades, o que contribuiu ainda mais para a segurança coletiva.

Essa forma primitiva de vida social tinha várias vantagens: entre outras, a relativa escassez de bens impedia a competição excessiva (o compartilhamento era obrigatório para a sobrevivência) e, assim, limitava aqueles desejos não naturais que, em uma fase posterior e mais rica da sociedade, levariam a guerras e outros distúrbios. Também parecia que, antes de a linguagem ter se desenvolvido completamente, as palavras mais ou menos correspondiam a seus objetos originais ou primitivos e ainda não eram uma fonte de confusão mental. Mas, graças ao acúmulo gradual de riqueza, a luta pelos bens começou a infectar as relações sociais, surgindo reis ou tiranos que governavam os outros não pela força física, mas pelo ouro. Esses autocratas, por sua vez, foram derrubados, e após um período subsequente de anarquia violenta, as pessoas finalmente viram a sabedoria de viver sob o império da lei. Isso poderia parecer representar a maior conquista na organização política, mas não é assim para os epicuristas. Pois, com a lei, veio o medo generalizado de punição, que contaminou as bênçãos da vida (Lucrécio 5.1151; cf. [Filodemo] Sobre Escolhas e Evitações col. XII). Lucrécio, nesse ponto, dá uma explicação sobre a origem da superstição religiosa e o medo dos deuses, e embora ele não relacione essa ansiedade diretamente com o medo da punição sob a lei humana, afirma que o trovão e os relâmpagos são interpretados como sinais de que os deuses estão zangados com os pecados humanos (5.1218–25). Embora os primitivos, nos estágios pré-sociais ou iniciais da comunidade, possam ter ficado impressionados com tais manifestações de poder natural e atribuído isso à ação dos deuses, não explicariam necessariamente isso como um castigo pelos crimes humanos antes de o conceito de punição se tornar familiar sob o regime da lei. As pessoas, em tempos primitivos, sabiam que os deuses existiam graças aos simulacros que eles emitiam, embora a natureza precisa dos deuses, segundo Epicuro, permaneça obscura (para interpretações contrastantes, veja Konstan 2011 e Sedley 2011); mas os deuses, para ele, não se interessam pelos assuntos humanos, pois isso comprometeria sua beatitude (veja Obbink 1996: 321–23).

Se não se teme os deuses, qual é o motivo para viver justamente? Onde a lei prevalece, Epicuro indica, é preferível não cometer crimes, nem mesmo os secretos, pois sempre haverá ansiedade sobre a possibilidade de ser detectado, o que perturbaria a tranquilidade ou ataraxia, que é a principal base da felicidade na vida (veja Crenças Principais = KD 34–35). A justiça, para Epicuro, depende da capacidade de fazer pactos para não prejudicar os outros nem ser prejudicado por eles, e consiste precisamente nesses pactos; a justiça não é nada em si mesma, independente de tais arranjos (KD 31–33). Segundo Epicuro (LM 132, KD 5), alguém que é incapaz de viver prudentemente, honradamente e justamente não pode viver prazerosamente, e vice-versa. Além disso, a prudência ou sabedoria (phronêsis) é a principal das virtudes: sobre ela dependem todas as outras. Isso novamente soa calculista, como se a justiça fosse uma questão puramente pragmática e egoísta de permanecer imperturbado. Epicuro não considera o experimento mental proposto por Platão na República (359C–360D), no qual Platão pergunta se uma pessoa que está absolutamente segura de punição teria razão para ser justa. Epicuro teria uma resposta para tal desafio? Ele pode simplesmente ter negado que alguém possa estar perfeitamente confiante dessa forma. Talvez, no entanto, ele tenha uma resposta, mas ela fosse derivada do domínio da psicologia, e não da ética. Uma pessoa que entende o que é desejável e o que deve ser temido não seria motivada a adquirir riqueza ou poder desmedidos, mas levaria uma vida pacífica, na medida do possível, evitando a política e a confusão geral. Assim, um sábio epicurista não teria motivo para violar os direitos dos outros. Se o sábio seria virtuoso, isso é talvez uma questão em aberto; o que Epicuro diz é que ele viveria virtuoso, ou seja, prudentemente, honradamente e justamente (a construção adverbial pode ser significativa). Ele faria isso não porque tivesse uma disposição adquirida ou hexis, como Aristóteles a concebia, mas porque sabe como raciocinar corretamente sobre suas necessidades. Assim, seus desejos seriam limitados àqueles que são naturais (não vazios), facilmente satisfeitos, ou pelo menos não seriam fonte de perturbação, caso às vezes não sejam satisfeitos.

A vida epicurista

Epicuro atribuía um valor extremamente elevado à amizade (ou amor: philia). Um ditado, mais poético do que o habitual para Epicuro, diz: “A amizade dança ao redor do mundo, anunciando a todos que despertem para a felicidade” (Dito Vaticano = VS 52). Epicuro sustentava que um homem sábio sentiria a tortura de um amigo tão intensamente quanto a sua própria, e morreria por um amigo em vez de traí-lo, pois, de outra forma, sua própria vida seria desordenada (VS 56–57). Esses são sentimentos poderosamente altruístas para um filósofo que considera como único objetivo da vida a felicidade baseada na liberdade da dor física e da ansiedade mental. Epicuro poderia justificar tal atitude pelo mesmo cálculo prudente que usa para argumentar em favor de viver justamente: somente vivendo de tal maneira que a lealdade aos amigos seja vista como um valor supremo, é possível sentir-se seguro em relação aos amigos e, assim, maximizar a própria felicidade. No entanto, isso não parece ser exatamente o que Epicuro quer dizer quando afirma que “a amizade [ou amor] teve seu início como resultado da utilidade, mas deve ser escolhida [ou é uma virtude, se seguirmos a leitura do manuscrito] por si mesma” (VS 23). A questão se complica ainda mais pelo relato de Cícero em Sobre os Fins Morais (1.66–70), de que havia uma diferença de opinião sobre a amizade entre os epicuristas posteriores. Como os seres humanos eram inicialmente asociais e só depois aprenderam a formar alianças e pactos, é possível que Epicuro quisesse dizer que essa capacidade para a amizade surgiu da necessidade, mas que, uma vez adquirida a capacidade para tais sentimentos, senti-los passou a ser valorizado por si mesmo. O argumento seria semelhante à ideia moderna de que o altruísmo poderia ter se desenvolvido como resultado da seleção natural. No entanto, as evidências não permitem uma conclusão firme sobre esse assunto.

Quando Epicuro falava de amizade, ele pode ter tido em mente, ao menos em parte, o relacionamento entre seus seguidores, que pareciam se considerar amigos. Os epicuristas eram incentivados a formar comunidades e observar certos rituais, embora a maioria dessas práticas, como a celebração todo mês do dia (20) em que Epicuro nasceu ou o uso de anéis com a imagem de Epicuro, possa ter surgido após a morte do fundador. Os epicuristas também se preocupavam com problemas de pedagogia, estabelecendo a melhor maneira de corrigir as ideias de pessoas novas na escola e na comunidade, sem bajulá-las ou desencorajá-las. Deve-se lembrar que Epicuro entendia a tarefa da filosofia, em primeiro lugar, como uma forma de terapia para a vida, já que a filosofia que não cura a alma não é melhor do que a medicina que não cura o corpo (Usener 1887, frag. 221). Uma vida livre de ansiedade mental e aberta ao desfrute de outros prazeres era considerada igual à vida dos deuses. De fato, é dos próprios deuses, por meio dos simulacros que nos alcançam de seu morada, que obtemos nossa imagem de felicidade abençoada, e a oração para os epicuristas consistia não em pedir favores, mas em uma receptividade a essa visão. (Epicuro incentivava a prática dos cultos convencionais.) Embora os epicuristas considerassem os deuses imortais e indestrutíveis (como isso funcionaria em um universo materialista permanece pouco claro), o prazer humano poderia, no entanto, ser igual ao dos deuses, uma vez que o prazer, como Epicuro afirmava (KD 19), não é aumentado pela duração (compare com a ideia de saúde perfeita, que não é mais perfeita por durar mais); o prazer catastemático experimentado por um ser humano completamente livre de angústias mentais e sem dor corporal para perturbá-lo é o mais alto possível. Além disso, tal prazer não é difícil de alcançar: é justamente uma característica dos desejos que não são naturais nem necessários o fato de serem difíceis de satisfazer. Epicuro era notoriamente contente com pouco, já que, com tal dieta, uma pequena iguaria é tão boa quanto um banquete, além do que, é mais fácil alcançar a autossuficiência, e “o maior benefício da autossuficiência é a liberdade” (VS 77).

Referência

Tradução de: Konstan, David, “Epicurus”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2022 Edition), Edward N. Zalta & Uri Nodelman (eds.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/fall2022/entries/epicurus/>.

Todas as referências ao longo do texto podem ser encontradas na página traduzida.

Deixe sua provocação! Comente aqui!