A globalização tanto divide como une; divide enquanto une. [1]
Na contemporaneidade, os modos de fazer governo e política parecem estar se esgotando e ações como o Brexit tendem a se tornar cada vez mais comuns. É normal que sejam também contestados os meios de produção e as consequências da atuação daquilo que nos habituamos a chamar de globalização (contestações de nível econômico, social e cultural). No contexto das discussões atuais, torna-se importante revisitar uma obra de Zygmunt Bauman sobre o tema.
Bauman foi um dos principais teóricos da pós-modernidade. Em Globalização: as consequências humanas aborda esse tema a partir de pontos diferentes: as classes sociais, o sistema prisional, os Estados-nação (outro modo de fazer política que parece estar atingindo seu esgotamento).
Bauman inicia seu livro expondo os principais beneficiados (economicamente) da globalização: as grandes corporações. Para ele, existe um conflito específico de classes entre os investidores estrangeiros e os empregados locais. Mesmo deslocados da realidade vivencial da empresa, são os investidores que tomam todas as decisões, e ao fazê-lo, exatamente por estarem distanciados – ou pelo fator econômico que Keynes habituou chamar de “espírito animal” -, visam, para Bauman, apenas o lucro.
Desse contexto, Bauman elabora uma outra percepção da globalização: a instantaneidade de transporte da informação. a comunicação barata inunda e sufoca a memória, em vez de alimentá-la e estabilizá-la. Disso decorre o confronto de classes explicitado no parágrafo anterior. A elite usa esse rompimento das barreiras de localização como uma forma de se colocar isolada ou acima da sociedade. Mantêm-se conectada utilizando os meios virtuais mas não se aproximam das comunidades em que estão inseridas, em que geram sua desestruturação.
Dessa desestruturação Bauman parte para suas conclusões sobre o espaço social (e sua relação com o outro tipo de espaço, o espaço físico). Ele diz que a Geografia (mais especificamente, as noções geográficas de limite, medida e fronteira) estiveram sempre de acordo com o que o Estado pré-moderno (ou mesmo o moderno) necessitava para um motivo ou outro. É uma espécie de monopolização da cartografia por meio do espaço – decorrente da globalização -: Qualquer outra forma de produção de mapas não seria estabelecida como padrão. Nesse contexto, o sociólogo faz uma comparação entre a cartografia estatal pré-moderna/moderna com o modelo Panóptico de Jeremy Bentham. O modelo panóptico (que também foi estudado por Michel Foucault) pretendia encontrar a forma mais “racional” de organizar o sistema prisional. A conclusão encontrada foi uma prisão esférica, onde o observador, a partir de uma torre central, teria campo de visão de absolutamente todos os presos do local. Esse processo de homogeneidade e padronização gerou uma desintegração dos laços humanos a partir das cidades modernas, que incentivam, em sua geografia, o isolamento da localidade. Se antes os inimigos vinham de fora das cidades – vikings e todo tipo de piratas na Idade Antiga, por exemplo -, agora os inimigos dividem o mesmo espaço.
Bauman discute também o já citado esgotamento do sistema de governo vigente. Para G. H. Von Wright, a Nação-Estado “parece que se está desgastando ou talvez ‘definhando’, ou seja, existe uma grande possibilidade de eliminação do Estado-Nação, o que pode levar a uma desordem mundial”. Esse definhamento seria também um sintoma da pós-modernidade: A falta de controle – central – ou sua descentralização gerou uma ruptura entre a economia e o Estado.
Por exemplo, as grandes empresas podem agora terceirizar a sua produção em outros países de mão-de-obra barata. As grandes empresas agora são extraterritoriais e dificilmente tem perdas econômicas ou prejuízos. “O significado mais profundo transmitido pela idéia da globalização é o do caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo” [2]
Dessa forma, a globalização criaria situações tanto precárias, como a exposta acima, quanto efêmeras, como o movimento na pós-modernidade. Estamos sempre nos movendo, mesmo quando não viajamos, e esse movimento é caracterizado pelo consumo. Liberdade seria, nesse contexto, ir para onde quiser e comprar o que quiser. Ele faz uma diferenciação entre “turistas” e “vagabundos”, onde o primeiro teria essa dita liberdade de movimento e consumo e o segundo tipo, que seria composto pela maior parte da população, não possui essa liberdade ou, se a possui, ela não existe na mesma extensão daquela possuída pelo turista nem é exercida da mesma forma.
No último capítulo, Bauman nos mostra mais uma inter-relação local/global. O título do capítulo é “Lei global, ordens locais”. Nele, Bauman afirma, a partir de suas próprias percepções mas também de Bourdieu e Tietmeyer, que a globalização transformou as leis: gasta-se mais com isolamento-prisão que com integração-educação, já as leis locais, apesar de “protegerem” a classe média, são altamente repressivas com a maioria da população. As leis globais, por sua vez, são quase que estritamente econômicas: se direcionam pelo objetivo de flexibilizar relações de trabalho e criar relações de confiança com os investidores. Logicamente, isso também gera uma redistribuição – e ainda maior descentralização – do poder.
Em suma, é preciso compreender o processo da globalização antes de se partir para qualquer análise da pós-modernidade: Os dois processos se retroalimentam e possuem consequências em todas as esferas da vida humana.
Estamos em movimento mesmo que fisicamente estejamos imóveis: a imobilidade não é uma opção realista num mundo em permanente mudança. [3]
Referências:
[1] BAUMAN, Zygmunt (1999), Globalização: As Consequências Humanas. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar. Tradução de Marcus Penchel, Página 8. Voltar ao texto.
[2] BAUMAN, Zygmunt (1999), Globalização: As Consequências Humanas. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar. Tradução de Marcus Penchel, Página 67. Voltar ao texto.
[3] BAUMAN, Zygmunt (1999), Globalização: As Consequências Humanas. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar. Tradução de Marcus Penchel, Página 8. Voltar ao texto.
O unico erro de Baumann e chamar a isto post modernidade e nao ver que sempre os seres humanos foram assim!