Escrito por Leonardo Senna, em colaboração ao Colunas Tortas.
Porque romper com a heteronormatividade? Crianças são exploradas por adultos, mulheres são abusadas por maridos violentos, um homem negro é encontrado morto na porta da favela. Isso tudo é visto cotidianamente na mídia, e principalmente nas novelas Globais, sem que cause qualquer espanto. No entanto, duas mulheres se beijam em uma cena em horário nobre, aí não pode. Com assim não pode? Um dos mais eminentes filósofos da atualidade e ainda vivo, o francês Edgar Morin, defende, há muitos anos, a necessidade de entendermos a relação do que é visto como complexo e desviante no dia-a-dia dos indivíduos e suas relações no mundo. Nesse viés, é necessário problematizar a proibição [de um beijo não-hétero] e proporcionar o rompimento da pedagogia do armário e da heteronormatividade.
O ambiente escolar proporciona um solo fértil e é uma etapa de suma importância para a construção e desconstrução dos indivíduos, e como bem disse o escritor Guimarães Rosa: “O bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão terminadas, não nascem prontas, elas afinam e desafinam”. Edgar Morin se debruça no âmbito do conhecimento transmitido pelas instituições de ensino e elabora problemáticas necessárias para a educação do futuro, incluindo, por exemplo, a necessidade de ensinar a condição humana; a necessidade de discutir sobre a vida terrena e a relação estreita que existe entre todas as criaturas vivas e suas produções.
Para isso, ele trabalha com o conceito da palavra “complexo”, ele argumenta que complexo é tudo aquilo que é tecido junto, ou seja, a complexidade humana não pode ser reduzida a poucas derivações e normas instauradas por classes dominadoras. Na verdade é complexo exatamente porque existe a possibilidade de tecer milhares de fios no tecido social. É nesse local, a escola, que os jovens passam, no mínimo, 12 anos de suas vidas. Nesse período os hormônios estão em atividade permanente e as funções cognitivas se formando e estruturando.
Nesse tocante, a instituição escola pratica a pedagogia do armário, a qual regula a vida social e doutrina pela coerção moral e como, assertivamente já dizia Foucault, “a domesticação dos corpos”. Controlar os jovens e as erupções sexuais transmitida por ações corporais e falas, no cotidiano escolar, é o foco de instituições que estão fechadas em normas prontas e perpetuadas a muito tempo.
Essa questão, para a psicologia, inicia desde o complexo de édipo, quando a criança vive a tríade mãe-criança-pai e se identifica com um dos progenitores e lá pelos 5 anos de idade, a figura paterna entra em cena e instaura a lei e a regra, a qual a criança inconscientemente internaliza e passa a respeitar tal proibição, que nesse caso pode ser exemplificado pelo amor do menino pela mãe. No entanto, aceitar o complexo de édipo como algo instaurado é viver a relação eternamente e sempre se esperar que a figura paterna faça seu papel de doutrinar com a lei, com a moral do certo e do errado. Por isso, os filósofos Deleuze e Guattari discutem a necessidade de, em todas as gerações subsequentes ao aparecimento do complexo de édipo, os indivíduos terem que passar e viver o édipo. No livro “Anti-Édipo”, os filósofos trabalham a ideia de desprendimento do édipo pela sociedade, o que permitiria que os pais e professores pudessem trabalhar a questão sexual com mais abertura e sem a necessidade de seguir a norma edipiana. Nesse sentido, Eve Sedgwick, em seu livro intitulado “A epistemologia do Armário” explica muito bem que o regime de ocultações de posições dissidentes à matriz heterossexual, a qual domina e controla as condutas das crianças para que elas se mantenham na linha da sexualidade hetero, age para manter o silêncio ou expor os jovens de forma preconceituosa. Além disso, pensar e permitir que a heterossexualidade seja o padrão de gênero é heteronormatizar os indivíduos. Nisso, aqueles que não seguirem as normas estarão desviando das condutas estabelecidas pela sociedade-cultural vigente.
Voltando à Morin, ele também trabalha com os conceitos de racionalização e racionalidade, sendo o primeiro um sistema fechado, o qual trabalha apenas com os dados aparentes e mostrados, que não considera fatores não evidentes e tem a solução em si mesmo. De certo modo é o pensamento de racionalização que alimenta grande parte da sociedade, exatamente quando se pensa que ser heterossexual é o padrão e qualquer ponto destoante à norma deve se guiar por essa matriz. Já a racionalidade é aberta e considera novos dados, ela é aberta também porque se autocritica, avalia e reconsidera suas relações e de suas variáveis.
Ademais, é imperativo romper com esses dois sistemas, pedagogia do armário e heteronormatividade, e mostrar à população que diversidades sexuais existem e é natural seres humanos, providos de todo o aparato cognitivo-emocional, estabelecerem relações, independente de gênero, raça ou credo. Afinal, assim como na alegoria da caverna em Platão, só conhecerá a verdade quem olhar para a luz e deixar de contemplar apenas sombras projetadas por esses corpos. Portanto, a mídia, vinculada a programas televisivos, como as novelas, deve expor à sociedade que esses fatos alimentam nossas vidas, queiramos enxergar isso ou não.
Assim como o filósofo Deleuze demostrava em suas obras, precisamos de atos e leituras que nos desacomodem, nos retirem do prumo, nos balancem do ponto de equilíbrio. Desse modo, cabe aos doutos, aos letrados e pensadores incitar discussões abertas e contemplativa num tom agradável de esclarecimento, o que proporcionará, ao longo do tempo, a redução do medo pelo outro, que na verdade pode contribuir até mais do que os pares costumeiros e que vivem nas normas sociais, já que esses “diferentes” também são repletos de sensibilidade, singularidade e compaixão.
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É deveras interessante perceber-se no discurso de algumas pessoas, a entoação de sabedoria indiscutível e, na tentativa de a demonstrar, fazer as mesmas imposições de “verdades” que trazem consigo a substituir aquelas que então combatem. Próprio de quem não tem olhos para o Todo e para a diversidade. Àqueles que querem destoar do comum e do aceitável socialmente, cabe o ônus do enfrentamento e das suas consequências. Nenhuma coisa que se deseja na vida é gratuito e o que é passível de compreensão para alguns não o será para outros tantos. No máximo, ganha-se terreno, mas é regra básica de “Ser” e imutável.
Poderia se explicar melhor, Ronaldo?
Concordo com a maioria do texto, só acho que faltou soluções menos vagas.
A respeito da “psicologia” a teoria do complexo de édipo, antiquada por sinal na Psicologia, não é teoria adotada pela psicologia, mas sim de Freud, da psicanálise, apenas uma das abordagens da psicologia. Nela existem muitas mais atuais e que defendem a diversidade de gênero e sexual, tais como a TCC, esquizoanálise, sistêmica, AC, etc.